O total de candidatos militares e de forças de segurança nas eleições para deputados estaduais e federais cresceu 92,89% nos últimos 20 anos, de acordo com estudo realizado pelo instituto República.org, com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Segundo a Folha, o crescimento foi mais de três vezes superior que o verificado entre os servidores civis, de 29,42% no comparativo entre 2002 e 2022.
“Os servidores civis ainda são a maioria [em números absolutos]. Mas os militares estão vindo em um ritmo de crescimento mais acelerado”, diz Vanessa Campagnac, gerente de dados e comunicação do República.org, instituto que atua na pauta da melhoria da gestão de pessoas do serviço público brasileiro.
Ao longo das seis eleições, os servidores civis somam 10.113 candidaturas, enquanto os militares e membros de forças de segurança chegaram a 6.129. Em 2002, eram 1.298 candidatos civis e 732 militares. Em 2022, o número passou para 1.680 e 1.412, respectivamente.
De acordo com o levantamento, as diferenças entre candidaturas de militares e de servidores civis ficaram mais acentuadas nas eleições de 2018 e na deste ano.
Entre as eleições de 2014 e 2018, o aumento de candidaturas de militares foi de 13,68%. Já de 2018 para 2022, o acréscimo foi de 22,25%. Em contrapartida, as candidaturas de servidores civis tiveram quedas de 17,82% e 2,04%, respectivamente.
“Essa variação desigual pode refletir uma situação de desequilíbrio dos espaços políticos ocupados por esses segmentos. É preciso entender o que representam dentro do Estado, pois são os operadores do monopólio estatal do uso da violência legítima. Pode ser preocupante quando estão também nos espaços decisórios do Estado”, diz Vanessa na Folha.
O estudo Panorama das Candidaturas de Servidores Públicos: 20 anos de eleições estaduais e federais no Brasil será lançado no site República.org para acesso público.
Rafael Alcadipani, professor da área de segurança da FGV (Fundação Getulio Vargas), vê o aumento do número de policiais civis e militares nas eleições com preocupação. Segundo ele, o policial, quando sai candidato, está abrindo mão de sua função pública para a qual foi designado.
“Isso acaba politizando as polícias. Causa preocupação porque o policial pode sair, se candidatar, ficar o tempo todo recebendo o seu salário pago pelo Estado e, se não ganhar a eleição, ele volta. Não tem risco nenhum, vale até a pena para ele financeiramente e em termos de visibilidade política.”
O professor diz que é necessário estabelecer uma quarentena para todas as carreiras de Estado. “Não só policiais. Isso inclui promotor público, juiz. Está havendo uma deturpação política com relação a isso e os militares não são exceção”, diz Alcadipani, que também aponta o momento político como uma das razões para esse aumento de policiais candidatos.
“Os policiais, principalmente após a eleição do Bolsonaro [em 2018], estão vendo a política como opção. A tendência é que eles dividam votos e elejam menos.”
Marco Antonio Teixeira, cientista político da FGV, também é favorável a um afastamento de candidatos que venham do serviço público.
“Queira ou não, a gente viu recentemente em vários momentos o quanto a partidarização pode afetar a atividade. Pode inclusive tirar de uma atividade profissional o conceito de serviço público e colocá-la a serviço preferencialmente de um ou outro grupo.”
Servidores públicos que se candidatam precisam passar por um processo de desincompatibilização, que é o afastamento da função, emprego ou posto. O prazo varia de três a seis meses, conforme o cargo. Para militares da ativa, o prazo é entre quatro e seis meses.
Está em tramitação no Congresso um projeto de lei complementar que estabelece que juízes, membros do ministério público, policiais federais, rodoviários federais, policiais civis, guardas municipais, militares e policiais militares que pretendem se candidatar tenham que se desligar de suas funções quatro anos antes da eleição.