sexta-feira 22 de novembro de 2024
Silvana Pizaini é eleitora de Lula, enquanto o marido dela, Marcio Couto, vota em Bolsonaro Hermes de Paulo/Infoglobo
Home / DESTAQUE / Lula ou Bolsonaro? Racha entre homens e mulheres expõe divergências entre casais
segunda-feira 26 de setembro de 2022 às 13:15h

Lula ou Bolsonaro? Racha entre homens e mulheres expõe divergências entre casais

DESTAQUE, NOTÍCIAS, POLÍTICA


Francisca Magalhães, a Kika, diz aos quatro ventos que é “Lula lá”. Edson Medeiros Pereira, o Edinho, é bolsonarista e prefere não pronunciar o nome do petista. Casados há 33 anos, eles refletem a polarização entre os apoiadores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) na atual corrida presidencial. Mas os dois conseguiram pacificar discórdias políticas que vinham desde a eleição de 1989, entre Collor e Lula, e que, em 2018, dizimaram o grupo da família no WhatsApp. A reportagem de Bianca Gomes, FLávio Trindade, Jéssica Marques e Rafael Galdo do O Globo.

— Eu digo: ‘Edinho, como pode você, casado, com duas filhas, votar nesse homem que trata mulheres igual a lixo?’ — questiona a jornalista Kika, de 55 anos. O marido, de 61 e aposentado, não deixa por menos.

— Sou totalmente contra o PT, só tem vigarista.

A história do casal, que mora em Niterói, revela um dos traços do eleitorado que pode ser decisivo nesta eleição. No próximo domingo, homens e mulheres devem ir divididos às urnas para escolher o próximo presidente. Levantamento feito pelo GLOBO a partir de pesquisas Datafolha disponíveis no Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) mostra que a disparidade de votos entre gêneros em 2022 é a segunda maior desde 1989, considerando as declarações de voto nos adversários petistas em meados do mês de setembro dos pleitos passados.

Machismo e pandemia

Na última pesquisa Datafolha, divulgada na quinta-feira, Bolsonaro tem 38% das intenções de voto entre o público masculino, mas é citado por apenas 29% das eleitoras. Ou seja, nove pontos percentuais separam homens e mulheres — uma discrepância que só não supera 2018, quando Fernando Haddad (PT) assumiu o lugar de Lula, que estava preso. Na época, a distância entre homens e mulheres que declaravam voto em Bolsonaro era de 16 pontos percentuais.

Parte da performance ruim de Bolsonaro entre o eleitorado feminino se deve às declarações machistas do presidente e a forma como conduziu a pandemia, afirma a cientista política Camila Rocha, uma das autoras do livro “Feminismo em disputa: um estudo sobre o imaginário político das mulheres brasileiras”.

— Em 2018, a mulher média brasileira pensava que as falas misóginas e machistas de Bolsonaro eram escorregões. Mas elas começaram a reparar que essas atitudes eram um padrão. Na pandemia, a decepção das mulheres com Bolsonaro pelo que qualificavam de “comportamento desumano” foi muito maior do que entre eles — diz Camila.

É exatamente o que pensa a atendente Tayna Mourad, de 25 anos, casada há três com o consultor fiscal Hector Paulino Oliveira, de 40.

— Não gosto do jeito grosseiro do Bolsonaro quando responde às jornalistas mulheres. Ele é muito machista. Também não gostei das brincadeiras na pandemia, dizendo que era uma “gripezinha” — diz Tayna.

Os dois vivem em São Paulo e evitam o tema para manter a boa convivência. Tayna sempre votou no PT. Hector, que escolheu Bolsonaro em 2018, conta que precisa lidar com “cutucadas” de política vindas até da sogra, uma petista fervorosa.

— Esses dias, ela estava comparando o valor de alimentos e do combustível nos governos Lula e Bolsonaro. Eu sempre ouço esse tipo de piadinha — diz.

Quando o amor converge e a opção na urna diverge, eliminar a política das conversas em família tem sido a solução de muitos para lidar com as desavenças. A maioria já não tenta persuadir o outro de uma guinada até 2 de outubro, porque não faltam exemplos de desentendimentos.

Moradores de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, Jean Claudio Santos, de 28, e Ana Beatriz Siqueira, de 27, começaram a namorar no auge das eleições de 2018. Estão casados há três anos e, enquanto a estudante de dublagem é petista de berço, o motorista de aplicativo tem pais bolsonaristas e declara voto no atual presidente.

— Casei sabendo que ele era bolsonarista — lembra Ana Beatriz. — Eu tenho minhas ideias. Meu marido, as dele. O importante é que a gente se respeita e se ama.

Os dois tentam se adaptar às diferenças para não desgastar a relação.

— Ela é de esquerda, eu sou de direita. Ela acredita em assistencialismo, eu em meritocracia. Mas acho que política não pode se misturar com relacionamento — diz Jean Claudio, que, questionado sobre as posturas de Bolsonaro em relação às mulheres, não titubeia: — Não vejo atitude nenhuma do Bolsonaro que mostre que é machista. Minha esposa acha que é. Deve ser porque ele fala alto e xingando.

Ana Beatriz discorda:

— Bolsonaro não fala com as mulheres. Por isso, não voto nele —diz a estudante, que cola adesivos de Lula pela casa, mas não usa nada da campanha quando encontra a família do marido.

O fator rejeição

Esse panorama de rumos opostos entre os gêneros é reforçado por uma rejeição muito maior das mulheres à figura de Bolsonaro. No Datafolha de quinta-feira, 56% delas disseram não votar no candidato do PL de jeito nenhum. É, de longe, o maior índice de rejeição de um candidato à Presidência nas últimas duas décadas, segundo levantamento feito pela pesquisadora do Cesop Andressa Rovani. A rejeição de Lula no segmento é 20 pontos percentuais menor: 36%.

— Os homens tendem a aderir mais à agenda de Bolsonaro, pois têm um comportamento mais conservador e mais punitivista do que as mulheres — diz Andressa.

Em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, o casal Marcio Couto e Silvana Pizani também está em lados opostos. Profissional da educação, ela votaria em Simone Tebet (MDB), mas a rejeição a Bolsonaro é tamanha que mudou de ideia e aderiu ao “voto útil” em Lula (PT).

Mulheres e homens em direções opostas — Foto: Infografia/O Globo

— Eu já estava decidida pela Tebet. Mas, com o começo da campanha na TV e os debates, a situação piorou. Ele ataca as mulheres, ofendeu a jornalista ao vivo e até hoje se acha na razão, não se desculpou. Militar da reserva, Marcio se identifica com a agenda de Bolsonaro e vê pontos positivos em seu mandato.

— Na economia e em outras áreas pode não ter feito tanto, mas é preciso ver que ele enfrentou uma pandemia que afetou o mundo. Membro da Associação de Terapia de Família do Rio, a terapeuta Suely Engelhard, conta que, com a polarização política, a busca pelos consultórios tem crescido.

— Só uma casa com respeito democrático se sustenta num momento de tanta polarização. É um grande desafio ter noção do limite do outro e do seu, o que podemos conversar de forma clara e o que não podemos dizer em determinados momentos.

Veja também

Bolsonaro pode ser preso após indiciamento? Entenda os próximos passos do processo

Jair Bolsonaro (PL) foi indiciado pela Polícia Federal nesta quinta-feira (21) pelos crimes de abolição …

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Content is protected !!