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segunda-feira 19 de setembro de 2022 às 11:03h

CNJ acata lobby dos cartórios e contraria decisões do Supremo

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


No final da gestão do ministro Luiz Fux na presidência do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o lobby dos cartórios de Alagoas obteve vitória inédita segundo o jornal Folha de S. Paulo, atropelando dispositivos constitucionais.

Por maioria, o colegiado julgou procedentes cinco recursos administrativos contra decisões que negaram a concessão de serventias, sem concurso público, depois da promulgação da Constituição de 1988.

A aprovação prévia em concurso é determinada pelo Artigo 236 da Constituição: “O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses“.

Depois de mais de três anos de debates, o CNJ entendeu que suas decisões administrativas não devem ser revistas sem que haja fatos novos que justifiquem a reabertura das discussões.

Fux pediu vênia aos que discordavam para “acompanhar a divergência inaugurada pelo conselheiro Mário Goulart Maia”. (*)

O inexperiente advogado obteve apoio dos alagoanos Humberto Martins, Arthur Lira e Renan Calheiros.

Na sessão de 5 de abril deste ano, depois que Maia proferiu (leu) o voto, Fux se antecipou e disse que ele “fez um voto profundo”. O presidente afirmou que os conselheiros iriam “fazer das tripas coração para analisar esse processo”.

Maia interrompeu os debates para elogiar Fux. Nos intervalos, conversava com o pai, ao telefone.

Naquele mesmo dia, disse a Fux, no plenário, ter comentado com o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello: “Como o Fux vai fazer falta”… “Pode parecer que é puxa saco, mas não é”, completou.

Bandeira de Mello foi chefe de gabinete de Renan Calheiros.

Voto reafirmado

Na sessão de 30 de agosto último, Fux disse que a reanálise desses casos “pode produzir severas injustiças”.

“Não podemos alijar uma pessoa que já exerce uma função há mais de dois decênios –isso significa que são pessoas com 60, 70 anos, que foram colocadas naquela função pelo Poder Público e isso gerou expectativa de uma confiança legítima”, afirmou.

O conselheiro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, ministro do TST, pediu licença e reafirmou seu voto vencido, em que acompanhou a relatora Maria Thereza de Assis Moura.

“Com respeito à minha consciência” –Vieira de Mello disse a Fux–, a Corte Suprema tem decidido que “não existe direito adquirido”.

O conselheiro citou decisão recente do ministro Alexandre de Moraes, do STF, para quem, após a Constituição de 1988, é inconstitucional “tanto o acesso, quanto a remoção nos serviços notarial e de registro sem prévia aprovação em concurso público”.

A então corregedora sustentara que, na ótica do STF, “situações inconstitucionais não se consolidam pelo transcurso do tempo”. Foi uma referência a voto de Gilmar Mendes.

Maia disse em seu voto que “não me parece razoável ou legal admitir a rediscussão da matéria quando inexistem fatos novos ou flagrante inconstitucionalidade”.

Maia e Bandeira de Mello mencionaram que, em 2012, a então corregedora nacional, Eliana Calmon, havia considerado a serventia da requerente Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues regularmente provida.

Segundo Maria Thereza, “inobstante o CNJ ter prolatado decisões sobre a regularidade da citada serventia extrajudicial, não há óbice para a revisão do entendimento anterior”.

A relatora citou Ellen Gracie: antes da Constituição de 1988, as titularidades de cartórios equivaliam “a extintas concessões de baronato”, espécie de “classe aristocrático-notarial”.

Maia também atropelou decisões de Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Teori Zavascki, Eros Grau, e Edson Fachin, entre outros ministros do STF.

Um dos recorrentes beneficiados foi o deputado federal Sérgio Toledo de Albuquerque (PL-AL).

Origem das distorções

Em 2014, os 15 desembargadores do TJ-AL consideraram-se impedidos para presidir um concurso para outorga de cartórios. Todos eram parentes de candidatos.

Em 2019, o então corregedor nacional, Humberto Martins, indicou como corregedor substituto o conselheiro Emmanoel Pereira [seu filho, o advogado Emmanuel Campelo, que o antecedera no CNJ, havia concedido liminares em vários processos sobre cartórios e não os levara para julgamento].

No dia da posse de Pereira, advogados alagoanos pediram que ele reconsiderasse decisões do antecessor, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, que julgara irregulares os provimentos de serventias de Alagoas sem concurso público.

Três dias depois, Pereira atendeu o pedido.

Dias Toffoli, então presidente do CNJ, tornou sem efeito as decisões monocráticas de Pereira. Disse que ele suprimiu a competência do plenário e “gerou insegurança jurídica”.

“Não se podem admitir decisões que, direta ou indiretamente, culminem por burlar a determinação constitucional de provimento de serventias por concurso público de provas e títulos”, registrou Toffoli.

Ele também citou Ellen Gracie: “O que se busca, na verdade, é reconhecimento de uma espécie de ‘usucapião’ da função pública de notário ou registrador, obtido ao revés da letra constitucional”.

Luiz Fernando Bandeira disse que não parece adequada a afirmação [mantida por Veiga] de que o ingresso na atividade notarial e de registro dependa sempre de concurso público de provas e títulos reservado a bacharéis em Direito.

“Parece-me haver, ainda que de modo subliminar, a tentativa de aplicação retroativa de normas e de entendimentos que, embora hoje sejam absolutamente sedimentados e incontroversos, não encontravam amparo na legislação ou na jurisprudência então vigente”, disse.

Em seu voto, Maia cita trecho de livro do pai, Napoleão Nunes Maia Filho [“Garantismo Processual Penal no Juízo de Ilícitos Administrativos“], a título de reflexão sobre a realização das promessas e “o peso do formalismo na análise dos casos específicos levados a julgamento”:

“Se os juízes não se desaferrarem do legalismo, todas as esperanças de justiça irão por água abaixo, na enxurrada dos formalismos”.

Maia sustentou que o concurso deveria ser regido pela legislação da época. “Dou como exemplo o meu pai. Quando se formou não se exigia exame da Ordem.”

Outro lado

A relatora Maria Thereza de Assis Moura indeferiu pedido de ingresso da CNR (Confederação Nacional de Notários e Registradores) no processo, pois entendeu que não havia interesse da sociedade a ser tutelado, mas uma questão individual.

O blog ofereceu espaço para a CNR expor suas razões. A entidade preferiu não comentar o julgamento.

Informou que “respeita o devido processo legal que se instaurou, decidido por ampla maioria, e acata o entendimento judicial”.

Em agosto, o Conselho da Justiça Federal –um braço administrativo do STJ– realizou no Recife a “Primeira Jornada de Direito Notarial e Registral”, com apoio de entidades que representam o lobby dos cartórios e da advocacia. Em artigo no Blog, a CNR negou a existência de lobby.

(*) Ficaram vencidos os conselheiros Maria Thereza de Assis Moura, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Sidney Madruga e Giovanni Olsson.

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