Terceiro colocado na disputa propõe acabar com reeleição e teto de gastos, taxar grandes fortunas, mudar política de preços da Petrobras, criar programa de refinanciamento de dívidas e “Complexo Industrial de Defesa”.O candidato à Presidência da República pelo PDT, Ciro Gomes, apresentou na primeira quinzena de agosto os pontos principais do seu programa de governo, que inclui a criação de um “Projeto Nacional de Desenvolvimento”, taxação de grandes fortunas, expansão de programas de distribuição de renda e um projeto de renegociação de dívidas de famílias e mudanças sensíveis na administração da Petrobras.
No fim de agosto, Ciro estava em terceiro colocado na disputa presidencial, mas distante dos dois primeiros colocados. Com 7% no Datafolha divulgado em 18 de agosto, arrastava-se, mais de 20 pontos percentuais atrás de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Em desvantagem nas pesquisas, ele tem multiplicado ataques tanto a Bolsonaro quanto a Lula.
Esta é a quarta vez que Ciro Gomes disputa a Presidência. Ao longo da sua vida pública, ele foi prefeito de Fortaleza, governador do Ceará e ministro nos governos Itamar Franco e Lula. Neste pleito, sem conseguir fechar alianças, ele concorre numa chapa pura tendo a vice-prefeita de Salvador, Ana Paula Matos (PDT), como vice.
O programa de Ciro conta 26 páginas. O texto protocolado junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é vago em alguns pontos, mas alguns deles são detalhados no site da campanha do candidato. Estes são os principais:
“Projeto Nacional de Desenvolvimento (PND)”
O principal eixo do programa de Ciro é a criação de um novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (PND), com investimentos em ciência e desenvolvimento tecnológico, redução da informalidade, além de planos de expandir o acesso à comunicação e promover uma “revolução na educação pública”.
O projeto prevê a retomada das obras de infraestrutura logística e social para estimular o setor privado a voltar a investir fortemente no país. Há uma previsão de criação de um fundo para investimento em infraestrutura, contemplando o setor social, as áreas de transportes, saneamento, telecomunicações, energia e logística.
Financiamento e taxação de grandes fortunas
Para financiar essas políticas públicas, o programa prevê que o governo arrecade por meio de uma reforma tributária e fiscal. Entre os pontos dessa reforma está um plano de reduzir subsídios e incentivos fiscais em 20% no primeiro ano de governo, o que, segundo Ciro, resultaria numa redução de despesas de aproximadamente R$ 70 bilhões.
Outras medidas incluem recriação de imposto sobre lucros e dividendos distribuídos – com potencial para gerar aproximadamente R$ 70 bilhões de receitas, segundo o plano – e taxação de grandes fortunas – 0,5% sobre fortunas acima de R$ 20 milhões, o que poderia gerar R$ 60 bilhões em receitas. O programa ainda prevê a junção de cinco impostos (ISS, IPI, ICMS, PIS e Cofins) em um único.
“Também concluiremos a reforma da Previdência a partir de três pilares: uma renda básica garantida, uma parte da renda associada ao regime de repartição e outra parcela ao de capitalização”, diz o texto do programa.
Estímulo à Indústria
O site de Ciro Gomes detalha planos para estimular quatro complexos industriais: Saúde, Defesa, Agronegócio, e Petróleo, Gás e Bioenergia.
No caso da Saúde, a proposta fala de “reduzir ao máximo a importação de equipamentos que podem ser fabricados numa escala bem maior no próprio Brasil, como próteses, muletas, respiradores artificiais, cadeiras de rodas e camas hospitalares”.
No Agronegócio, Ciro propõe articular com produtores e a Embrapa a redução da dependência brasileira de fertilizantes importados – que se agravou com a guerra na Ucrânia.
Petrobras, aumento do controle do governo na empresa
O programa de Ciro prevê mudanças sensíveis na política de preços da petrolífera Petrobras e em sua relação com o governo. Ferrenho crítico das políticas da empresa, Ciro propõe aumentar o controle do Estado brasileiro sobre ela e substituir a Paridade de Preços Internacional (PPI), que alinha o preço dos combustíveis da companhia ao praticado no exterior, por uma política baseada nos custos de produção mais um percentual de lucro para a Petrobras.
“Uma das nossas prioridades será mudar a política de preços da Petrobras, que hoje só beneficia importadores e acionistas, mas prejudica toda a sociedade brasileira, dado seu impacto sobre a inflação”, diz o documento. No seu site, o candidato propõe “convocar o Conselho de Administração da Petrobras já no primeiro dia de governo para pedir a mudança na atual política de preços da empresa e acabar com esse crime que é obrigar o brasileiro a pagar combustíveis em dólar”.
O programa também prevê ampliar a capacidade produtiva de refinarias e aborda um plano de transformar “a Petrobras numa empresa de ponta no desenvolvimento de novas fontes de energia”.
“A longo prazo, quero transformar a Petrobras na maior, mais moderna e mais ecológica empresa de energia do mundo, capaz de não só de explorar petróleo e gás de forma menos poluente, como de desenvolver fontes alternativas de energia, como a eólica, a solar e o hidrogênio verde, entre outras”, diz Ciro em seu site de campanha.
Embora o programa seja vago sobre o tema, Ciro afirmou em entrevistas que pretende aumentar a participação do governo na empresa, atualmente de 50,5%, para até 60% das ações ordinárias (com direito a voto), usando as reservas cambiais do país.
“Com o aumento do controle do governo na empresa, teremos as condições políticas e empresariais para traçar um novo rumo para a Petrobras, mais afinado com os interesses presentes e futuros dos brasileiros”, diz o site da campanha de Ciro. “Ao mesmo tempo, anunciarei que o governo irá comprar as ações dos acionistas que ficarem insatisfeitos com essa ‘desdolarização’ do preço dos combustíveis”.
Fim do teto de gastos
O programa de governo protocolado junto ao TSE de Ciro não menciona diretamente o teto de gastos, criado na administração Michel Temer e que já foi objeto de modificações para permitir exceções. Mas o site da campanha é mais explícito, defendendo a extinção da regra.
“Uma das maiores aberrações do Brasil é o chamado ‘Teto de Gastos’, criado pelo governo Temer e continuado com gosto por Bolsonaro e seu ‘Posto Ipiranga’. O tal teto proíbe aumentar os investimentos em áreas sociais e de infraestrutura, mas permite que as despesas financeiras fiquem fora de qualquer controle.”
“Prometo, portanto, acabar com esta ficção fraudulenta chamada Teto de Gastos e colocar em seu lugar um modelo que vai tocar o país adiante, sem inflação e com equilíbrio fiscal verdadeiro”, diz o candidato.
Refinanciamento de dívidas e renda mínima
Assim como na campanha de 2018, o programa de Ciro prevê um ambicioso plano de refinanciamento de dívidas das famílias brasileiras e das empresas, de forma
“Levando em conta que a dívida média das pessoas é de RS 4.200 reais – quantia que a maioria não tem como pagar – a proposta do PND é estimular os credores a dar um desconto de 70%, reduzindo essa dívida média para cerca de R$ 1.400. Esse valor seria então financiado pela Caixa Econômica e o Banco do Brasil em 36 vezes e três anos de carência. Um programa nos mesmos moldes também ajudaria as mais de 6 milhões de empresas que estão com o nome no Serasa”, diz o texto.
Além disso, Ciro prevê a criação de um novo Programa de Renda Mínima, chamado “Eduardo Suplicy” (em referência ao ex-senador petista que há décadas promove a ideia). Com previsão de pagar R$ 1 mil, em média, para cerca de 24,2 milhões de famílias, o programa deve englobar os pagamentos feitos pelo Auxílio Brasil, o o Benefício de Prestação Continuada e a Aposentadoria Rural. “Ciro irá fazer que uma pequena parte da fortuna dos super ricos ajude os mais pobres”, anuncia o candidato.
Do site consta, ainda, um projeto de “Lei Anti Usura” que vai proibir bancos e comércio de cobrarem mais de duas vezes o valor de um financiamento. Outras medidas nessa área econômico-social incluem a retomada dos estoques reguladores de alimentos, “que amenizam as altas de preços e vêm sendo desmontados nos últimos anos”, e o acesso a gás de cozinha “pela metade do preço hoje praticado para famílias que recebam até dois salários-mínimos”.
Prisão em segunda instância e limitação do foro privilegiado
Na seção que aborda o combate à corrupção, o programa de Ciro prevê “a extinção das hipóteses de foro especial por prerrogativa de função (‘foro privilegiado’), à exceção dos chefes de poderes, no âmbito federal, estadual e municipal” e autorização legal da pena de prisão a partir da condenação em segunda instância.
Outro ponto prevê ” abertura completa do sigilo bancário e fiscal de ocupantes de cargos de primeiro e segundo escalão no Poder Executivo”.
Criação de um “Complexo Industrial de Defesa”
Em seu site de campanha, Ciro afirma que “o Brasil não pode depender de tecnologias de potências estrangeiras para defender seu território e suas riquezas” e propõe a criação do Complexo Industrial de Defesa para reduzir essa dependência, “estimulando o Brasil a desenvolver tecnologias próprias para afirmar a sua soberania”.
O candidato também defende que que as Forças Armadas do Brasil “tenham controle sobre seu sistema de comunicações e desenvolvam seu próprio sistema de GPS”, além de propor a recuperação “do projeto de submarino nuclear” e o programa de “foguetes e de lançamento de satélites brasileiros”.
Regulamentar direitos trabalhistas de trabalhadores de aplicativos
No Brasil, aproximadamente 1,5 milhão trabalham com transporte de passageiros e entrega de mercadorias, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A maioria (61,2%) é de motoristas de aplicativo ou taxistas, 20,9% fazem entrega de mercadorias em motocicletas e 14,4% são mototaxistas.
O programa de Ciro aborda o tema, afirmando que pretende “regulamentar e assegurar direitos para trabalhadores intermediados por aplicativos, estabelecendo patamares de higiene, segurança e de ganhos compatíveis com o Princípio da Dignidade de Pessoa Humana, conforme garante nossa Constituição”.
Política externa vaga
O programa de Ciro é bastante vago sobre qual rumo ele deseja dar para a política externa do país. O texto se limita a afirmar: “As negociações comerciais e diplomáticas seguirão dois princípios essenciais: a defesa dos interesses nacionais e da soberania do país”. Em entrevistas, Ciro já falou de “restaurar a autoridade moral” do Brasil e reclamou do alinhamento do país aos EUA que ocorreu em boa parte do governo Bolsonaro, classificando o rumo de “vassalagem”.
Educação
O programa de Ciro propõe colocar a educação brasileira entre as dez melhores do mundo, no espaço de 15 anos.
Entre as propostas para a área estão: definição de metas de aprendizagem em cada ciclo de ensino; reconhecimento e a qualificação contínua de professores e gestores escolares; criação de incentivos financeiros para as escolas que alcançam bom desempenho, bem como para os professores; monitoramento das escolas que apresentam pior desempenho por aquelas que apresentam melhores resultados; estabelecer que Ensino Fundamental deve ser progressivamente integral ao longo dos próximos quatro anos, com ênfase imediata na eliminação do atraso escolar provocado pela pandemia, entre outras propostas.
Recriação do Minc, regulação de serviços de streaming
O programa prevê a recriação do Ministério da Cultura, extinto no governo Bolsonaro; a criação do programa “Internet do Povo”, que financiará a compra de smartphones em 36 vezes sem juros para a população de baixa renda e a implantação de redes gratuitas de wi-fi em áreas comunitárias; além de regular os serviços de streaming com o objetivo de garantir investimento obrigatório na produção local independente e visibilidade para esses conteúdos nas plataformas.
Plebiscitos e fim da reeleição
O plano admite que as reformas propostas requerem ampla “negociação com a sociedade para sua aprovação”. Para garantir que elas sejam aprovadas, Ciro propõe o que chama de “redefinição de um amplo pacto federativo”, buscando o apoio de governadores e prefeitos para encaminhar as negociações com o Congresso.
Para garantir apoio, Ciro oferece acabar com a reeleição para presidente com o objetivo de “eliminar possíveis empecilhos à aprovação das reformas” e, no caso de um impasse persistente com o Legislativo, submeter as propostas a plebiscitos.