Durante dois anos, a Rede de Observatórios da Segurança registrou 20.243 eventos de policiamento monitorados em cinco dos sete estados em que atua: Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Os dados estão no boletim Raio x das ações de policiamento que será divulgado no próximo dia 18 de agosto. Apesar de ter registrado leve queda em ações policiais – exceto no Rio de Janeiro – o número cresceu no segundo trimestre deste ano com a proximidade das eleições 2022. O material segue em embargo até às 5am do dia do lançamento.
O objetivo é apresentar uma anatomia das ações de policiamento no período de julho de 2020 à junho de 2022. Essas ações incluem operações, patrulhamentos e controle à pandemia, como o embarque em trens, metrôs e averiguação de venda de álcool em gel adulterado. Os dados da Rede de Observatórios são produzidos de maneira independente. Todos os dias, pesquisadores conferem dezenas de veículos de imprensa, coletam informações e alimentam um banco de dados, que posteriormente é revisado e consolidado, onde respondem se na ação de policiamento houve mortes, apreensão de armas, maconha, cocaína.
O que se observou é que a centralidade do policiamento como política pública não mudou nem mesmo com a pandemia da covid-19 e impôs às pessoas pretas e pobres o desafio de se proteger do vírus e da violência policial. As ações de policiamento continuaram sendo o principal indicador do nosso monitoramento. A Rede de Observatórios registrou uma ação de policiamento a cada hora. Nesses dois anos, foram 1989 mortes nestes eventos. O que quer dizer que a cada 10h uma pessoa morreu em uma ação de policiamento.
Rio de Janeiro e Bahia são exemplos de corporações com uma cultura de tolerância com a brutalidade, corrupção e valorização da violência policial. O Rio foi o único estado que registrou aumento de ações no período, mesmo com a intervenção do Supremo Tribunal Federal com a ADPF 635 – que ainda está vigente – proibindo operações durante a pandemia. No estado baiano 16% das ações policiais resultaram em mortes – sendo o mais letal, levando em consideração a proporção média de mortes por ação monitorada.
Resultados, impactos e consequências das ações policiais
A “apreensão de drogas” é um indicador de produtividade para as instituições de segurança pública, porém menos de 26% das ações de policiamento tiveram esse resultado. No Ceará, estado que menos registra apreensões, esse percentual foi de apenas 7% no último ano. Ou seja, o número de ações que seriam consideradas bem sucedidas pelas corporações é extremamente baixo enquanto o número de mortos nelas é altíssimo. O mesmo cenário se repete quando olhamos para as armas. Enquanto 76% das mortes violentas no país são causadas por armas de fogo, somente 15% das operações realizam apreensões – sendo São Paulo o estado com o menor registro proporcional.
A apreensão de armas demonstra uma política pública de segurança centrada na proteção da vida, porém, menos de 4% das ações de policiamento têm como motivação primária a repressão ao tráfico de armas e munições. Enquanto nos últimos anos houve uma série de afrouxamentos nas políticas de rastreio e controle de armas e munições.
Eleição aumenta operação
Ao que tudo indica o número de ações policiais é sensível aos contextos políticos e cenários eleitorais e a ordem é “polícia na rua”. Tanto que o segundo trimestre do ano de 2022 contraria a tendência de queda e apresenta aumento de ações policiais em 18%.
Nos estados em que governadores são candidatos à reeleição, pode haver uma tendência a mostrar serviço. O atual governador do Rio de Janeiro Cláudio Castro é candidato e afirmou em off a um jornalista conhecido: “se dependesse de pesquisa eleitoral eu faria operação com morte todos os dias”.
Forças policiais e motivações
Mesmo que “outros flagrantes” representem metade dos eventos, é a “Guerra às Drogas” a justificativa central das políticas de segurança pública no Brasil como um todo. A repressão ao tráfico aparece em segundo lugar entre as motivações (21% entre 2020 e 2021, e 24% entre 2021 e 2022).
Mas também chama atenção o aumento de operações motivadas por crimes ao patrimônio com crescimento de 614% em São Paulo, seguido do Rio de Janeiro com 240%. Acredita-se que isso esteja relacionado à volta à circulação pós-confinamento por conta da covid- 19.
Apesar da polícia militar continuar a ser a força com maior presença, registramos aumento da participação da Polícia Federal nas operações e patrulhamentos no Rio de Janeiro (15%), São Paulo (25%) e do Ceará (28%) e verificamos um crescimento expressivo da participação da Guarda Municipal em Pernambuco (60%). Também houve ampliação das ações da Polícia Rodoviária Federal no Rio de Janeiro (36%) com expressiva participação em ações violentas e de alta letalidade, como a Chacina no Complexo da Penha.
Não há nenhum órgão oficial que mapeie e acompanhe as ações de policiamento. Tal fato torna o trabalho de produção cidadã de dados feito pela Rede de Observatórios da Segurança – assim como de outras organizações de pesquisa – de extrema importância para que seja possível compreender as políticas de segurança pública adotadas pelos estados.
Sobre a Rede de Observatórios
Após dois anos operando na produção cidadã de dados em cinco estados, a Rede de Observatórios, projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), com apoio da Fundação Ford, chegou ao Maranhão e ao Piauí no segundo semestre deste ano. A Rede de Estudos Periféricos, da UFMA e IFMA, e o Núcleo de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Jovens, da UFPI se unem a Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD); Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop); Laboratório de Estudos da Violência (LEV/UFC) e ao Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP). O objetivo é monitorar e difundir informações sobre segurança pública, violência e direitos humanos.