Helicópteros, aviões e ultraleves constam no registro da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) no nome dos políticos
Nove candidatos às eleições de 2022 não declararam à Justiça eleitoral as aeronaves que possuem, segundo levantamento do jornal O Globo com base no cruzamento dos dados oficiais. Os helicópteros e aviões estão registrados no nome dos postulantes na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), mas não constam das listas de bens entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O candidato ao Senado pelo PTB no Mato Grosso, Antonio Galvan, tem um avião agrícola monomotor da Embraer registrado em seu nome. Ele declarou R$ 14 milhões em bens, incluindo três veículos “terrestres”, mas não a aeronave. Procurada, sua assessoria disse que a declaração está passando por uma “atualização” para incluir o item.
— Está declarado no Imposto de Renda, foi um avião comprado em 2019, paguei uns R$ 800 mil quebradinhos — disse Galvan ao O Globo.
Galvan é presidente da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja) e investigado no inquérito dos atos antidemocráticos no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo financiamento de manifestações extremistas. Ele foi alvo de busca e apreensão em 2021.
Em nota, sua assessoria disse que o “candidato ao Senado por Mato Grosso, Antonio Galvan (PTB), informa que sua declaração de bens enviada à Justiça Eleitoral será retificada. Com relação a aeronave citada, ela está devidamente declarada em seu imposto de renda.”
Abel Galinha, candidato a deputado estadual pelo PSD em Roraima, tem três aeronaves e não declarou nenhuma à Justiça eleitoral. São dois monomotores e um bimotor. Seu patrimônio declarado é de R$ 1 milhão, incluindo apenas veículos terrestres, duas casas e um terreno.
Procurado, ele disse não saber o motivo de não ter incluído os aviões na declaração, mas se comprometeu a corrigir a documentação para que eles fossem incluídos.
— Pode ter sido um erro do meu contador. Mas tudo bem, vai constar (da declaração).
O produtor rural Zeca Alipio, candidato a deputado federal pelo PTB na Bahia, tem um ultraleve motorizado — um avião pequeno — da marca Ikarus, mas não o declarou. No patrimônio apresentado ao TSE ele elencou apenas a participação em empresas (R$ 50 mil e R$ 20 mil) e uma casa (R$ 295,8 mil). Procurado, ele não retornou o contato da reportagem.
Já Ozeias de Souza, que concorre a deputado estadual pelo Republicanos em Mato Grosso, não declarou um ultraleve que tem registrado na Anac desde 2010. Seu nome de urna é Comandante Ozeias de Souza e sua profissão declarada, piloto de avião.
Ele disse que houve um erro no momento de preencher a declaração e que a aeronave acabou sendo registrada como um veículo terrestre por engano.
— A pessoa que fez a digitação, na hora de escolher o código de veículos, em vez de aéreo, digitou “terrestre”, mas o valor do bem, que é o mais importante, está correto.
Neste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não está divulgando a descrição dos bens dos candidatos, alegando um impedimento pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Por isso, mesmo quando os candidatos declaram os bens, é possível verificar o tipo (“aeronave”) e um valor atribuído, mas não se é um helicóptero, jatinho ou avião comercial, por exemplo.
Antônio Ribeiro Junior, advogado eleitoral e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política), diz que a Justiça eleitoral tem considerado casos de omissão de patrimônio como crimes de falsidade ideológica. A falta de informações pode impactar porque o limite do autofinanciamento eleitoral é calculado com base no patrimônio declarado, inclusive.
— O tribunal tem decidido de forma bastante reiterada que a atualização ou desatualização do valor monetário não tem o potencial lesivo para constituir o crime de falsidade ideológica, mas deixar de declarar um valor sabidamente existente pode configurar o crime.
Para Ribeiro Junior, a interpretação do TSE de que a LGPD impede a divulgação da descrição dos bens, que tem sido seguida pela Corte neste ano, não tem base legal. Especialistas tem criticado a falta de transparência sobre o patrimônio dos candidatos nessas eleições.
— A LGPD permite que qualquer pessoa autorize aquele que trata os dados pessoais. No ato do registro, quando o candidato envia as informações, ele também está autorizando a Justiça Eleitoral a tratar os seus dados.
O candidato a deputado federal Anax Pezzi, do Republicanos no Rio Grande do Sul, disse que declarou seu helicóptero como um item de R$ 80 mil com a categoria “outros bens móveis” por engano e que, por isso, ele não aparece em seu patrimônio.
— Devem ter digitado errado. Mas está lá.
O jornal diz que também não conseguiu contato com Alexandre Silveira, candidato do PT a segundo suplente de senador na Paraíba que não declarou ao TSE seu avião monomotor; e com o empresário Willian do Potência, candidato a deputado federal pelo União Brasil no Pará que também deixou de declarar um helicóptero.
Regis, candidato a segundo suplente de senador pelo Cidadania no Ceará, disse através de seu advogado que, seguindo a interpretação de que não seria obrigado a fornecer detalhes neste ano sobre seus bens devido à LGPD, registrou seu ultraleve como “outros bens e direitos”, mas que faria uma retificação caso necessário.
O candidato Delegado Francisco, concorrendo a deputado federal pelo PSDB em Pernambuco, tem um ultraleve registrado na Anac. Ele diz que o vendeu “há muito tempo” e, por isso, o bem não consta no patrimônio que listou ao Tribunal Superior Eleitoral.
— Nem sabia que ainda estava no meu nome. Isso não é um avião, é um equipamento bem simples. Certamente a pessoa que comprou não passou para o nome dele. Eu vendi por uns R$ 20 mil na época, há muito tempo. Deve estar valendo uns R$ 25 mil.