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sábado 13 de agosto de 2022 às 17:20h

Brasileiros enfrentam mar de burocracia para ficar em Portugal

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O número de brasileiros vivendo em Portugal vem crescendo nos últimos anos. Em 2021, eram 204.694 (29,3% do total de estrangeiros no país). Há expectativa que esse número aumente quando novas modalidades de visto aprovadas em julho –como a de procura de trabalho– entrem em vigor, diz Marina Ferraz, no Poder 360.

Até agora, é preciso ter um contrato já assinado ou uma promessa de trabalho para solicitar o visto ainda no Brasil. Quem sai do país sem esse visto e entra em solo português como turista, tem um caminho complicado para regularizar a situação.

Segundo a advogada Catarina Zuccaro, do CZ Advogados, a lei portuguesa “permite que a pessoa venha como turista e, se encontrar trabalho, fique aqui [em Portugal]”. Mas esse é um regime excepcional. “E o regime excepcional, no momento, supera de longe a regra, que é vir com o visto”, disse.

O que um imigrante não pode fazer, conforme a advogada, é “já vir com essa intenção [de encontrar trabalho], mentir na imigração e dizer que veio para turismo já sabendo que vai ficar”.

Luciene Magalhães, de 44 anos, é um dos muitos casos de brasileiros que chegaram a Portugal para trabalhar, mas sem visto nem emprego. Ela saiu de Belo Horizonte em 2019, onde tinha uma loja de roupas. Demorou quase 3 anos para conseguir se regularizar. Hoje, é cozinheira e trabalha com limpeza.

Luciene afirmou que “foi muito difícil” reunir toda a documentação para entrar com o pedido do visto. “Para muitas coisas, foi preciso pagar pessoas para poder fazer”, falou. “Uma burocracia muito grande.”

Há vários perfis em redes sociais que oferecem ajuda para brasileiros tirarem documentos. Luciene contou ter pago € 300 pelo NIF (CPF português), pelo número da segurança social e para abrir uma conta em banco.

Os serviços são gratuitos, mas estrangeiros podem esbarrar em dificuldades. Para tirar o NIF, por exemplo, imigrantes precisam de um representante fiscal, que assumirá possíveis encargos em caso de inadimplência junto às Finanças (órgão equivalente à Receita Federal).

Catarina Zuccaro disse que advogados podem, legalmente, cobrar pelo serviço. Mas ela declarou ser comum ver “pessoas que não têm experiência nenhuma e nem legitimidade se oferecerem para ficar de responsável fiscal das pessoas” e cobrar por isso.

“O que muita gente encontrou foi um meio de vida. Ou seja, se eu fizer 10 NIFs a € 75 [cada] por mês, eu já faço mais que um salário mínimo [de € 705 ]”, falou. “A maioria faz esse tipo de serviço nas próprias Finanças, cobra e não emite fatura pelo serviço. Ou seja, ainda está recebendo dinheiro, sonega imposto e sonega a informação de que está exercendo uma atividade, ainda que seja de consultoria.”

A imigrante brasileira disse se arrepender de ter pago para obter os documentos. “Hoje em dia eu não faria isso, eu faria de outra forma. Acho que não foi correto da minha parte, mas também acho que poderia ser diferente [o processo em Portugal], poderia demorar menos”, lamentou Luciene.

O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa sancionou no começo de agosto o projeto de lei que cria um visto de procura de trabalho. Segundo o governo do premiê António Costa, autor da proposta, o objetivo é “atrair uma imigração regulada”.

Quando a legislação estiver em vigor, os brasileiros que queiram trabalhar em Portugal poderão sair do Brasil já com visto. Terão 120 dias para encontrar um emprego e dar entrada no pedido de residência –com possibilidade de prorrogação por mais 60 dias.

A advogada declarou que essa promulgação é importante porque “nenhuma entidade patronal vai poder usar a desculpa de não registrar, de não fazer o contrato, de não inscrever na segurança social” por falta de documentação do trabalhador. Segundo ela, não haverá mais “desculpas” para “explorar o trabalhador”.

Cyntia de Paula, presidente da Casa do Brasil de Lisboa –associação sem fins lucrativos de apoio a imigrantes–, ressaltou a importância não apenas da regularização, mas também da criação de mecanismos para evitar a exploração laboral.

“As pessoas migrantes regularizadas estão menos suscetíveis à exploração laboral, têm acesso aos seus direitos e contribuem, e isso é fundamental”, disse. “Por outro lado, não vamos deixar de questionar as condições do trabalho oferecido”, continuou.

“O que temos assistido todos os dias na associação é que alguns setores, sobretudo de bares e restaurantes, são muito precários. Com péssimas condições de trabalho, muitas horas trabalhadas, salários mínimos”, explicou. Ela citou que, ao passear pelas ruas de Lisboa, é fácil perceber que a comunidade brasileira ocupa essas posições em peso.

De acordo com Catarina, além de ser uma mudança positiva para os imigrantes, o grande ganho é de Portugal. “A questão é que nós precisamos dessa mão de obra. Há mais de 49.000, 50.000 vagas a serem preenchidas no setor do turismo, no setor alimentício, e que nós não temos trabalhadores para isso”, falou. “Esse visto foi mais para sanar essa falta de mão de obra.”

Dados do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, órgão responsável por vistos e títulos de residência) mostram que foram emitidos no ano passado 39.406 novos títulos de residência para brasileiros. Quase metade (44,7%) era de trabalho. Depois, reagrupamento familiar (31,1%), estudo (10,8%), cartão de residência permanente (9,3%) e outros (4,1%).

Promessa de trabalho

Migrar com um emprego não é garantia de conseguir acelerar o processo. Alex Souza, de 39 anos, chegou a Portugal em 2015 com um trabalho garantido em um portal de notícias em Lisboa.

Ele afirmou que a regularização foi “muito desgastante” e demorou 3 anos e meio. “A empresa que me contratou disse que não poderia esperar até que eu pedisse o visto de trabalho no Brasil”, que “demoraria de 2 a 3 meses”, disse. Ele, então, veio como turista. Segundo o imigrante, além da complicada burocracia local, o processo foi atrasado por fatores externos.

“Eu cheguei em setembro de 2015 e já dei entrada no processo. Pouco tempo depois, iniciou-se a guerra na Síria. Milhões de refugiados começaram a chegar à Europa, e os países europeus fecharam as suas fronteiras para tentar conter aquela onda de refugiados. Todos os processos de regularização foram paralisados”, disse.

O brasileiro, que hoje atua como terapeuta de shiatsu e fotógrafo, conseguiu obter o visto só em julho de 2019.

Entre as restrições para quem espera o andamento do processo está a orientação para não deixar o território português. Ainda assim, há proteção legal para o trabalhador.

“A partir do momento que o patrão faz o contrato de trabalho e faz os descontos para a segurança social –muito embora ele [trabalhador] não esteja com a documentação regularizada–, ele é um trabalhador como outro qualquer, com direito a proteção social: subsídio desemprego, baixa médica, tudo isso”, disse Catarina.

Por outro lado, segundo Cyntia, a Casa do Brasil recebe muitos casos de imigrantes em situação irregular que enfrentam dificuldade para alugar casa e abrir conta em banco, por exemplo.

“Muitas pessoas ficam em imenso sofrimento porque são lembradas pelo sistema constantemente que estão em situação irregular, apesar de contribuir, apesar de ter o seu contrato, trabalhar, pagar os seus impostos” disse.

Estudo

Uma das formas comuns de já entrar em Portugal regularizado é através de vistos de estudo –concedidos para quem faz cursos de longa duração, como graduações e mestrados. Com o título de residência, o estrangeiro pode procurar emprego e solicitar no SEF a autorização de trabalho.

Foi assim que Amina Bawa, de 34 anos, decidiu se mudar para o país lusitano em 2016. Profissional do 3º setor, especialmente da cultura e sindicatos, ela disse que foi motivada a emigrar pelo “achatamento” que atingiu a sua área de atuação no Brasil na época.

Amina entrou em Portugal como estudante para cursar um mestrado. Hoje, é professora do ensino técnico e assistente de direção em um centro cultural de referência na Europa.

Devido à alta demanda no consulado português no Rio de Janeiro, a opção por migrar como estudante também teve percalços. “Quando fui aprovada para o mestrado, eu estava no Brasil. Acho que cheguei duas semanas depois do início das aulas porque teve uma demora muito grande para liberarem o meu visto”, contou.

Amina disse que não faria nada diferente nesse sentido: migraria pela educação e dentro dos trâmites legais. “Prefiro viver sem essa emoção de documentação”, brincou.

Estudantes brasileiros matriculados em universidades de Portugal precisam solicitar o visto em um dos consulados portugueses no Brasil. Ao chegarem ao país, têm que pedir uma autorização de residência junto ao serviço de migração.

Quando a nova lei entrar em vigor, os alunos não precisarão solicitar a residência junto ao SEF. Espera-se que a simplificação do processo ajude a desafogar o atendimento. Com a mudança na legislação que deve aumentar os pedidos no Brasil, a presidente da associação enfatizou a necessidade dos consulados garantirem a celeridade nos processos.

Nômade digital

A nova lei de migração portuguesa também contempla a concessão de visto para o exercício de atividade profissional subordinada ou independente a pessoas que trabalham remotamente para fora de Portugal. Neste caso, deve “ser demonstrado o vínculo laboral ou a prestação de serviços”, diz o texto.

Esse é o caso de Dáfny Reis, de 39 anos, que trabalha remotamente com redes sociais. Viajou para Portugal com o marido, um filho e uma filha recém-nascida.

Como o visto para nômades digitais ainda não entrou em vigor, a família consultou uma assessoria para verificar a melhor opção e escolheu entrar no país como turista.

Na chegada, com dificuldade para tirar os documentos, pagaram “horrores” por um serviço similar ao de Luciene. “A gente chega desesperado e muito na vontade de fazer as coisas acontecerem, então a gente acaba caindo nas garras desse tipo de assessoria”, desabafou.

A maior dificuldade enfrentada por Dáfny foi encontrar um lugar para morar. “É muito difícil, ninguém te recebe, ninguém quer te mostrar apartamento, imobiliária não te atende, ou, se atende, marca de dar um retorno e não dá quando vê que é brasileiro”.

Diante de problemas pessoais, a família optou por retornar ao Brasil depois de 9 meses em Portugal. “Se eu pudesse voltar atrás, eu não sairia daqui sem visto de maneira alguma”, declarou. Ela também disse que resolveria questões práticas –como alugar casa e contratar um convênio médico– antes de viajar.

A líder da Casa do Brasil de Lisboa enfatizou a importância de obter informações fidedignas antes de migrar. “Permite que essa migração seja mais planejada e que a própria experiência migratória seja mais protegida. Saber a situação real econômica e social do país. Saber coisas simples, tipo os [preços dos] aluguéis nas grandes cidades”, aconselhou Cynthia.

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