Domínios políticos que perduram há décadas em Pernambuco, no Ceará, na Bahia e em São Paulo estão ameaçados, de forma inédita conforme reportagem de Gustavo Schmitt e Sérgio Roxo, do O Globo, nas eleições deste ano. Disputas dentro das coalizões, desgastes das atuais gestões e surgimentos de novas forças são os fatores que podem provocar mudanças nos grupos que comandam esses estados.
Os controles duram 16 anos nos casos dos três primeiros estados. Em São Paulo, são 28 anos de governos do PSDB de forma praticamente ininterrupta, o maior período de supremacia de um partido no governo de uma unidade da federação desde a redemocratização.
No Ceará, o rompimento da aliança entre o PT e os irmãos Ciro e Cid Gomes deve favorecer a candidatura do deputado Capitão Wagner (União Brasil), que foi o segundo colocado na eleição para a prefeitura de Fortaleza em 2020 com 48,31% dos votos válidos. Ele e o ex-prefeito Roberto Cláudio, indicação do PDT que motivou o rompimento da coalizão, aparecem à frente, de acordo com levantamentos em poder dos partidos.
Após o desentendimento, o PT lançou o deputado estadual Elmano de Freitas ao governo. Os petistas queriam que o PDT escolhesse como candidata a governadora Izolda Cela. Cláudio é ligado a Ciro e já fez críticas duras ao partido de Lula.
A aliança entre o PT e os irmãos Gomes teve início com o governo de Cid, em 2007. Após dois mandatos, a coalizão indicou o petista Camilo Santana, que também foi eleito e reeleito e agora vai concorrer ao Senado. Dentro do PT cearense, Camilo sempre foi visto como mais vinculado aos irmãos Gomes do que ao próprio partido.
Agora, o ex-governador foi o fiador do lançamento de Elmano para concorrer com o grupo de Ciro e Cid. Há uma avaliação de que a divisão deve favorecer Wagner, que apesar de estar na órbita de Jair Bolsonaro (PL), não tem se vinculado totalmente ao atual presidente.
Marília é “ameaça” em Pernambuco
Em Pernambuco, uma dissidência também é o fator que pode acabar com o domínio do PSB, depois de dois governos de Eduardo Campos e dois de Paulo Câmara. Marília Arraes, que deixou o PT este ano para se filiar ao Solidariedade, aparece à frente nas pesquisas internas das siglas. O candidato do PSB, Danilo Cabral, aposta em Lula, mas tanto ele como Câmara foram vaiados em eventos do candidato do PT a presidente, no mês passado, em Garanhuns e em Recife. A gestão Câmara também enfrenta desgaste, com baixos índices de aprovação.
O senador Humberto Costa (PT-PE) avalia que a passagem de Lula pelo estado em julho deve favorecer Danilo porque, apesar das manifestações pró-Marília nos eventos, o ex-presidente deixou claro que apoia o candidato do PSB.
— Essa informação terá impacto nas próximas pesquisas.
Na Bahia, a desistência do senador Jaques Wagner de concorrer ao governo e a indicação de Jerônimo Rodrigues, que nunca teve um mandato, traz um risco para o controle petista do estado. Foram dois mandatos do próprio Wagner e dois de Rui Costa. Ex-prefeito de Salvador, ACM Neto (União Brasil) tem ampla vantagem, de acordo com levantamentos internos das legendas e em todas pesquisas nos últimos meses.
Petistas admitem que a disputa será difícil, mas apostam em Lula como cabo eleitoral no estado. Os integrantes do partido também reconhecem a força do candidato do União Brasil, neto do ex-governador Antonio Carlos Magalhães, e dizem que desta vez o PT tem um adversário forte na eleição baiana, ao contrário do que aconteceu em 2018, por exemplo.
Disputa acirrada em São Paulo
Em São Paulo, os 28 anos de domínio do PSDB foram postos em xeque pela candidatura do ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), o nome de Bolsonaro no pleito. Uma disputa interna dividiu o partido e levou à candidatura do hoje governador Rodrigo Garcia, que nunca disputou um cargo executivo estadual. Garcia é desconhecido da maior parte da população.
Recém filiado ao PSDB, o governador se aproximou de pautas bolsonaristas ao endurecer o discurso na área de segurança. Ao mesmo tempo, se afastou do ex-governador João Doria e tampouco tem feito agendas com a senadora Simone Tebet (MDB-MS), cuja candidatura presidencial tem apoio dos tucanos. A ausência de Garcia chamou a atenção no fim de semana, quando a presidenciável foi a São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo.
Segundo pessoas próximas, a estratégia do governador é frear a ascensão de Tarcísio no eleitorado conservador. Ambos estão empatados na última pesquisa do Instituto Datafolha, com 13% das intenções de voto. Mesmo em caso de vitória, não é garantido que o PSDB siga no governo paulista. Aliados avaliam que, após a eleição, Garcia pode migrar para o União Brasil, resultado da fusão do PSL com o DEM. O atual governador foi filiado ao DEM, que antes se chamava PFL, por 27 anos.
Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, professor da FGV, eventuais mudanças nos comandos desses estados não devem significar necessariamente uma renovação.
— O desgaste é pelo tempo no poder e pela dificuldade de renovação. Mas a política brasileira é pródiga em produzir oligarquias familiares. Mesmo as ameaças de mudança em alguns estados, como é o caso do Tarcísio em São Paulo, são baseadas na ancoragem do bolsonarismo. Falta no país uma estrutura política mais fincada em partidos e menos em famílias e em imagens pessoais.