sexta-feira 22 de novembro de 2024
O cérebro humano evoluiu para proteger nossos corpos e nos manter vivos — e possui três sistemas de alerta para lidar com novos perigos.
Home / NOTÍCIAS / Por que os efeitos das críticas duram muito mais do que os dos elogios
domingo 24 de julho de 2022 às 14:19h

Por que os efeitos das críticas duram muito mais do que os dos elogios

NOTÍCIAS, SAÚDE


Na infância, muitas vezes somos ensinados a usar a expressão “o que vem de baixo não me atinge”, quando ouvimos um insulto.

Mas, com a experiência, os adultos entendem que este velho ditado está longe de ser verdade.

Enquanto lesões físicas podem levar semanas para cicatrizar, comentários negativos podem deixar cicatrizes para o resto da vida.

Os insultos e as críticas negativas podem ficar conosco por muito mais tempo do que os comentários positivos

Seja uma crítica feita serenamente por um professor na sala de aula ou um comentário cruel disparado no calor de uma discussão por um amigo ou namorado, tendemos a lembrar muito melhor das críticas do que dos comentários positivos.

E isso se deve a um fenômeno chamado viés da negatividade.

Na verdade, uma série de efeitos complexos pode ser explicada por este viés, que é a tendência universal das emoções negativas nos afetarem com mais força do que as positivas.

Isso nos faz prestar atenção especial às ameaças e exagerar os perigos, de acordo com Roy Baumeister, psicólogo social da Universidade de Queensland, na Austrália, e coautor do livro The Power of Bad: And How to Overcome It.

Embora focar no lado mais sombrio do mundo que nos rodeia possa parecer uma perspectiva deprimente, isso ajudou os seres humanos a superar tudo, desde desastres naturais a pragas e guerras, deixando-os mais bem preparados para lidar com estes eventos (embora haja evidências de que o otimismo também possa ajudar a nos proteger de situações extremas).

O cérebro humano evoluiu para proteger nossos corpos e nos manter vivos — e possui três sistemas de alerta para lidar com novos perigos.

Há o antigo sistema de gânglios basais que controla nossa resposta de luta ou fuga; o sistema límbico que desencadeia emoções em resposta a ameaças para nos ajudar a entender os perigos; e o córtex pré-frontal mais moderno, que nos permite pensar logicamente diante de ameaças.

“Nossos ancestrais que tinham esse viés [negativo] eram mais propensos a sobreviver”, diz Baumeister.

Os seres humanos são programados para procurar ameaças e, com apenas oito meses, os bebês se viram com mais urgência para olhar a imagem de uma cobra do que de um sapo mais amigável.

Aos cinco anos, eles aprendem a priorizar uma cara de raiva ou medo, em vez de uma feliz.

Baumeister diz que focar primeiro nos problemas pode ser uma boa estratégia. “Primeiro, se livre dos (aspectos) negativos e resolva os problemas. Essencialmente, estanque a hemorragia.”

Mas, embora focar no lado ruim possa nos manter seguros em situações extremas, o viés da negatividade pode se provar inútil no dia a dia. Baumeister acredita que até que aprendamos a superar o impacto desproporcional do negativo, ele distorce nossa visão de mundo e como reagimos a ele.

Por exemplo, a vida tende a parecer sombria ao folhearmos as páginas de um jornal. Os jornalistas são frequentemente acusados ​​de buscar más notícias, uma vez que as mesmas vendem jornais e atraem os espectadores.

Isso pode ser parcialmente verdade. Os pesquisadores mostraram que os leitores são naturalmente atraídos por histórias calamitosas e são mais propensos a compartilhá-las com outras pessoas.

Rumores sobre perigos potenciais — mesmo que sejam improváveis — se espalham com muito mais facilidade do que rumores que poderiam ser benéficos.

Em um estudo, cientistas da Universidade McGill, no Canadá, usaram a tecnologia de rastreamento ocular para analisar em que notícias os voluntários prestavam mais atenção.

Descobriram que os participantes geralmente escolhiam histórias sobre corrupção, reveses, hipocrisia e outras más notícias, em vez de histórias positivas ou neutras.

As pessoas que estavam mais interessadas em temas da atualidade e política eram particularmente propensas a escolher notícias ruins — mas, quando perguntadas, diziam que preferiam as notícias boas.

O que lemos e assistimos no noticiário pode aumentar nossos medos.

Por exemplo, nosso medo do terrorismo é pronunciado mesmo que o número de pessoas mortas por grupos terroristas nos últimos 20 anos nos EUA seja menor do que o número de americanos que morreram em suas banheiras durante o mesmo período, explica Baumeister em seu livro.

Embora a preocupação com uma situação hipotética, mas horrível, possa nos deixar com medo, uma pequena experiência ruim pode ter um impacto desproporcional em todo o nosso dia.

Efeito duradouro da crítica

Randy Larsen, professor de ciências psicológicas e cerebrais da Universidade de Washington em St Louis, nos EUA, revisou evidências sugerindo que as emoções negativas duram mais do que as felizes.

Ele descobriu que tendemos a passar mais tempo pensando em eventos ruins do que bons, o que talvez ajude a explicar por que momentos embaraçosos ou comentários críticos podem nos assombrar por anos.

Pode ser difícil não remoer comentários ofensivos de um namorado, parente ou amigo. “Acho que os comentários negativos das pessoas que amamos e confiamos têm mais impacto do que de estranhos”, diz Baumeister.

Isso acontece em parte porque temos expectativas de como nossos amigos e familiares devem se comportar conosco.

Em alguns casos, comentários negativos de pessoas que amamos podem provocar feridas mentais duradouras e ressentimentos que podem levar ao rompimento de relacionamentos.

Pesquisadores da Universidade de Kentucky, nos EUA, descobriram que as relações raramente se salvam quando os parceiros ignoram os problemas da relação para permanecer “passivamente leais”.

“Não são tanto as coisas boas e construtivas que os parceiros fazem ou deixam de fazer um pelo outro que determinam se um relacionamento funciona, mas sim as coisas destrutivas que fazem ou deixam de fazer em reação aos problemas”, afirmaram.

Outro estudo, que acompanhou casais por mais de 10 anos, mostrou que o grau com que expressavam sentimentos negativos um pelo outro nos dois primeiros anos de casamento previa se iriam se separar — com níveis de negatividade mais altos entre os casais que se divorciavam.

O viés da negatividade explica por que muitos de nós podemos ser culpados por dar como garantidos nossos relacionamentos quando estão indo bem — mas rapidamente perceber imperfeições e inclusive transformar questões menores em problemas maiores.

As críticas também são amplificadas quando chegam em grandes quantidades, tornando as redes sociais uma potencial câmara de eco da negatividade.

Apesar de ser autora do álbum mais vendido de 2019, a cantora Billie Eilish contou ao programa Breakfast, da BBC, que evita olhar os comentários.

“Estava arruinando minha vida”, disse ela. “Quanto mais legais as coisas que você faz, mais as pessoas te odeiam. É uma loucura. Está pior do que nunca.”

A estrela pop Dua Lipa e Nicola Roberts, ex-integrante do grupo Girls Aloud, são outros exemplos de celebridades que falaram sobre o impacto da chamada trollagem.

Baumeister afirma que não temos a capacidade de lidar com a negatividade nas redes sociais, porque nosso cérebro evoluiu para prestar atenção e nos advertir sobre uma comunidade próxima de caçadores-coletores, em vez de centenas ou milhares de estranhos.

“Então, ouvir coisas negativas de um grande número de pessoas tem que ser devastador”, diz ele.

É claro que o impacto de ser trollado online ou criticado por um amigo varia de pessoa para pessoa.

Efeitos físicos de comentários negativos

Mas receber, internalizar e reforçar quaisquer comentários negativos pode aumentar o estresse, a ansiedade, a frustração e a preocupação, observa Lucia Macchia, cientista comportamental e pesquisadora visitante da Universidade London School of Economics (LSE), no Reino Unido.

“Lidar com estas emoções negativas tem um grande impacto no nosso corpo, já que podem até criar e exacerbar a dor física”, acrescenta.

Dezenas de estudos mostram, no entanto, que as pessoas tendem a olhar para o lado positivo à medida que envelhecem.

Os cientistas se referem a este efeito como “viés da positividade” — e acreditam que começamos a lembrar mais de detalhes positivos do que de informações negativas a partir da meia-idade.

Baumeister acredita que isso acontece porque precisamos aprender com os fracassos e as críticas na juventude, mas esta necessidade diminui à medida que envelhecemos.

No entanto, os comentários negativos podem ser prejudiciais em qualquer idade, especialmente em momentos em que estamos particularmente sugestionáveis ​​ou vulneráveis.

“Quando você já está deprimido, é mais difícil se recuperar, então pode não ser um bom momento para ouvir comentários negativos”, diz Baumeister.

Como se proteger dos impactos negativos das críticas

Um tema altamente debatido é se pessoas com certos tipo de personalidade são mais propensas à negatividade do que outras.

Mas um estudo recente não encontrou “evidências consistentes” da relação entre os traços de personalidade ou ideologia política de alguém e o viés da negatividade.

“Todos nós somos sensíveis a comentários negativos no sentido de que não há traços de personalidade ‘mais fortes’. Lembrar que todo mundo recebe comentários negativos pode nos ajudar a lidar com eles… e pode ser uma boa estratégia para proteger nossa própria saúde mental”, ela acrescenta.

“Outra estratégia útil poderia ser considerar que os comentários estão mais ligados à pessoa que os faz do que a quem os recebe.”

Ao reconhecer o viés da negatividade, podemos anular as respostas indesejáveis ​​e até aproveitar seus benefícios.

Por exemplo, Shelley Taylor, professora de psicologia social da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), nos EUA, mostrou que mulheres com câncer de mama às vezes criam crenças otimistas, mas pouco realistas, para ajudá-las a lidar com a situação.

Estas “ilusões positivas” estão associadas a benefícios para a saúde mental e física, sugerindo que podem ajudar a nos centrar em momentos de necessidade.

O trabalho de Taylor também lançou luz sobre uma resposta comumente usada diante da negatividade, chamada de minimização, que é nossa capacidade de “atenuar, minimizar e até apagar o impacto desse evento”.

Por exemplo, as pacientes com câncer no estudo de Taylor às vezes se comparavam a mulheres que estavam em situação pior do que a delas, para fazer com que seu problema parecesse menor.

O paraquedista Felix Baumgartner, destemido profissional, pode não ser alguém que você imagine que precisaria usar técnicas de minimização para enfrentar seus medos.

Mas Michael Gervais, psicólogo que trabalha com atletas olímpicos, recorreu a estas técnicas para ajudar Baumgartner a alcançar seu objetivo de se tornar o primeiro paraquedista a romper a barreira do som.

Em vez de vê-lo negativamente como uma prisão em potencial, Gervais o ensinou a visualizar como o traje poderia transformá-lo em um super-herói, ampliando os benefícios e diminuindo as desvantagens.

Usando uma combinação de técnicas de respiração e uma forma de terapia cognitivo-comportamental (TCC), Baumgartner conseguiu cumprir seu objetivo e se tornar o “Fearless Felix”, o “Destemido Felix”.

Poucos de nós compartilharão as grandes ambições de Baumgartner, mas todos nós podemos aprender com ele.

Ao anular o negativo e acentuar o positivo, podemos ter mais chances de alcançar nossos sonhos.

Veja também

PF aponta Bolsonaro como “líder da organização criminosa” em relatório final

O relatório final de 884 páginas da Polícia Federal sobre o plano de golpe de …

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Content is protected !!