Senador por três mandatos entre 1995 e 2019, Romero Jucá (MDB) costuma ser lembrado pela habilidade nos bastidores de Brasília. Apesar da pouca relevância política de seu estado, Roraima, ele conseguiu cargos de liderança no Congresso nas gestões de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). O eterno líder do governo também ficou marcado como o ministro do Planejamento que pediu demissão a Temer após doze dias no cargo, diante da famosa gravação da conversa com o delator Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, na qual pregava o impeachment de Dilma para “estancar a sangria” da Lava-Jato. Veio a eleição de 2018 e, na onda da antipolítica, Jucá não conseguiu renovar seu mandato porque lhe faltaram 426 votos para obter uma das duas vagas em jogo. Agora, com apenas um posto em disputa, desponta como favorito (veja o quadro), com boas chances de retornar ao poder.
A tentativa de voltar ao Congresso via Senado em Roraima tem sido preparada com certo malabarismo político. Em um estado fortemente bolsonarista e antipetista, a estratégia se equilibra entre um apoio público à candidatura presidencial da senadora Simone Tebet (MDB-MS) e uma aliança formal com o PL do presidente Jair Bolsonaro (PL) em sua chapa. A composição inclui a ex-prefeita de Boa Vista Teresa Surita (MDB), ex-mulher de Jucá, como candidata ao governo, e o deputado Edio Lopes (PL) como vice. Enquanto uma ala expressiva do MDB busca um alinhamento com Lula, Jucá assinou nesta semana, como presidente do partido em Roraima, uma carta de apoio a Tebet. Ela tem chances mínimas de vitória, mas apoiá-la serve estrategicamente a Jucá como escudo para não se indispor nem com o petista nem com Bolsonaro. Embora tenha sido por anos aliado de Lula, ele não foi a um jantar do MDB com o petista em Brasília em abril. Já em relação a Bolsonaro, que em Roraima também terá o palanque do governador Antonio Denarium (PP), há quem ache que o apoio do emedebista será dispensado. “O presidente o detesta”, afirma o deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), rival de Jucá na busca pelo Senado.
Desde que perdeu a eleição há quatro anos, Romero Jucá passou a apostar em uma repaginação de imagem e até aposentou o bigode. Mas, sempre muito habilidoso e trabalhador, manteve a influência nos bastidores de Brasília. Em janeiro de 2019, abriu, em uma mansão no Lago Sul, a Blue Solution Government Intelligence, empresa de lobby na qual é consultor-chefe e cujo nome remete à cor do carpete do Senado (azul). “Antecipamos os riscos regulatórios e elaboramos cenários políticos que possam impactar os negócios da sua empresa” é o lema da companhia, que está no nome de Rodrigo Jucá, filho do emedebista e diretor comercial e institucional, e Rosilene Brito, mulher de Jucá e diretora administrativo-financeira.
Enquanto seguiu atuando em Brasília naquilo que sempre foi mestre como senador — as filigranas de projetos importantes no Congresso —, Jucá preparou o terreno de sua retomada política com investimento nas redes sociais. O cacique tem presença assídua no Twitter, Facebook, Instagram e TikTok, onde soma 380 000 seguidores. A atuação digital tenta empurrar um Jucá mais jovial, incluindo um podcast semanal e o quadro De Carona com Romero, vídeos curtos feitos de dentro do carro que mostram viagens pelo estado, onde propagandeia obras que conseguiu quando era senador e faz promessas.
Ao contrário de Jucá, que tenta voltar à ribalta contando com eleitores bolsonaristas de Roraima, outros homens fortes do MDB do governo Michel Temer buscam retomar a influência apostando em casamentos com o PT. Depois de quatro anos na cadeia após a polícia achar 51 milhões de reais em dinheiro vivo em um apartamento em Salvador, o ex-ministro Geddel Vieira Lima abençoou a aliança que garantiu ao MDB a vaga de vice na chapa de Jerônimo Rodrigues (PT) ao governo da Bahia. Preso pela Lava-Jato em 2019, o ex-governador e ex-ministro Moreira Franco reapareceu nesta semana na reunião de caciques emedebistas com Lula em São Paulo, articulada pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). Já Eunício Oliveira, que presidiu o Senado no governo Temer, tem esperança de disputar o governo do Ceará apoiado pelo PT (não será fácil).
Assim como os antigos correligionários, Jucá ainda tem seus enroscos judiciais. Ele é alvo de um inquérito aberto há cinco anos no STF (por suspeita de propinas de 5 milhões de reais da Odebrecht) e de uma denúncia da Procuradoria-Geral da República por associação criminosa no caso conhecido como “Quadrilhão do MDB do Senado”. Brasília, como se vê, ainda não se esqueceu de Jucá.
Publicado em VEJA de 27 de julho de 2022, edição nº 2799