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quinta-feira 14 de julho de 2022 às 09:02h

Quais são os direitos das gestantes garantidos por lei na hora do parto

NOTÍCIAS, SAÚDE


Diante do chocante caso envolvendo o médico anestesista Giovanni Quintella, preso sob acusação de estuprar uma grávida durante uma cesariana, muitas mulheres têm se perguntado sobre seus direitos no momento do parto.

“A mulher tem direito a ter um acompanhante, a ser respeitada e a não sofrer violência obstétrica — o que inclui a violência física, verbal, psicológica e sexual”, diz a advogada Danielle Corrêa, especialista em Direito da Família, Médico e da Saúde e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

Direito a acompanhamento durante o parto

A Lei Federal 11.108/2005, conhecida como Lei do Acompanhante, garante às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, o parto e o pós-parto imediato nos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), seja da rede própria ou conveniada.

A lei é válida tanto para parto normal quanto para cesariana, e a presença do acompanhante não pode ser impedida pelo hospital, médicos, enfermeiros ou qualquer outro membro da equipe de saúde.

O acompanhante é de escolha da gestante e pode ser o marido, a mãe, uma amiga ou amigo, ou qualquer pessoa de confiança, sem a necessidade de haver parentesco.

Além da Lei do Acompanhante, outras duas resoluções asseguram a presença de uma pessoa indicada pela parturiente durante o parto: a Resolução Normativa RN 211/2010 da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementa), órgão que regula os planos de saúde no país; e a Resolução da Diretoria Colegiada RDC 36/2008 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

A resolução da Anvisa estendeu o direito ao acompanhante também à rede privada, ao estabelecer que todos os Serviços de Atenção Obstétrica e Neonatal, sejam públicos, privados, civis ou militares, deve permitir a presença de acompanhante de livre escolha da mulher. Já a resolução da ANS dispõe sobre a obrigatoriedade dos planos de saúde de arcarem com as despesas relativas aos acompanhantes das gestantes.

Em alguns locais do país, também existem leis específicas que asseguram a presença de doulas (assistentes de parto) durante o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, para assegurar suporte físico e emocional às parturientes. É o caso, por exemplo, do Estado do Rio de Janeiro (Lei 9.135/2020).

“É fundamental que a mulher se sinta segura em um momento tão memorável. Nesse sentido, a presença de um acompanhante pode trazer inúmeros benefícios que vão desde garantir um atendimento melhor à gestante e até mesmo estimular o trabalho de parto”, destacou a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em uma publicação recente nas redes sociais sobre os direitos das gestantes.

No caso do episódio que chocou o Brasil esta semana, o Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti, no Rio de Janeiro, informou em nota oficial que a paciente estava acompanhada do marido para o procedimento, conforme reportagem do portal G1.

No entanto, segundo o hospital, após o nascimento do bebê, o pai deixou o centro cirúrgico para acompanhar a criança até o berçário. Foi durante esses instantes que o médico aproveitou para abusar sexualmente da mulher.

Violência obstétrica

Danielle Corrêa observa que, no Brasil, não há legislação federal específica tipificando a violência obstétrica. Assim, as bases de proteção da mulher se valem do Código de Ética Médica e do Código Penal.

Uma revisão acadêmica feita por pesquisadoras latino-americanas (Brasil incluso) em 2019, apontou que a “falta de respeito e os maus-tratos” durante partos e abortos ocorreram em 43% das gestações observadas. Mas há indícios de que esse índice esteja muito subestimado.

“A violência obstétrica abrange condutas e procedimentos que agridem ou desrespeitam a mulher durante a gestação, o parto e o pós-parto”, explica a advogada.

“A violência física é a forma de violência que causa dor ou dano ao corpo da mulher, como a realização de procedimentos médicos não autorizados pela gestante.”

Ela cita como exemplos de procedimentos que podem constituir violência obstétrica a episiotomia, corte feito na vagina com o intuito de “abrir passagem” para o bebê; o chamado “ponto do marido”, sutura feita — muitas vezes, sem o conhecimento e consentimento da mulher — para “apertar” a vagina supostamente alargada pelo parto; a manobra de Kristeller, técnica de pressionar a parte superior do útero para acelerar a saída do bebê; e até mesmo a cesariana, quando feita sem consentimento da paciente.

“Já a violência psicológica pode ser verbal ou comportamental, gerando sentimento de inferioridade, vulnerabilidade, abandono e medo na gestante, que já está em uma situação fragilizada”, exemplifica a advogada.

Por fim, a violência sexual diz respeito à violação da intimidade, como o acesso aos órgãos sexuais da paciente ou o toque em locais inapropriados.

“Em relação a isso, o Código de Ética Médica impõe inúmeras diretrizes à conduta dos profissionais da área médica. Já o Código Penal prevê os tipos de crime, na qual se pode enquadrar essas condutas, já que não existe legislação federal sobre violência obstétrica”, explica a especialista.

Direitos desrespeitados

Para a advogada Isabela Del Monde, uma das fundadoras da Rede Feminista de Juristas e coordenadora do movimento #MeTooBrasil, o desrespeito aos direitos das mulheres nos hospitais são resultado de questões estruturais.

“Apesar de ser chocante, violências dentro de hospitais e clínicas são um reflexo da cultura do estupro e da estrutura misógina da sociedade. Em qualquer situação que dá acesso ao corpo de meninas e mulheres a homens, vai haver profissionais que vão se aproveitar disso”, disse Del Monde, em entrevista recente à BBC News Brasil.

Corrêa cita ainda o desconhecimento de muitas mulheres sobre seus direitos na hora do parto e a relação de poder que se estabelece entre elas e as equipes de saúde, deixando-as em muitos casos sujeitas a abusos por médicos(as), enfermeiros(as) e demais profissionais.

A advogada avalia que um plano de parto pode ser um instrumento importante para proteger a mulher de alguns tipos de violência, ao deixar claro para a equipe médica quais são as preferências da gestante.

Em casos de abuso, Corrêa afirma que a mulher deve comunicar a ouvidoria do hospital, fazer um boletim de ocorrência, realizar denúncia junto ao Ministério Público e procurar um advogado.

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