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Sem amparo legal, juíza afirmou que realizar aborto após 22ª semana é homicídio - Foto: Divulgação/TJ-SC
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terça-feira 21 de junho de 2022 às 17:17h

Juíza que induziu menina estuprada de 11 anos a evitar aborto é promovida e deixa caso

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


A juíza Joana Ribeiro Zimmer já deixou o caso em que atuou para induzir uma menina de 11 anos grávida após um estupro a não realizar o procedimento de aborto. Segundo a assessoria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ela foi promovida pelo Órgão Especial da instituição para a comarca de Brusque na última quarta-feira (15) — ou seja, cinco dias antes de o caso repercutir com a publicação de uma reportagem do site The Intercept Brasil.

Após a reportagem, a Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) abriram uma investigação para apurar o trabalho dela no caso da menina estuprada. No vídeo vazado da audiência, ela pergunta se a menina “suportaria ficar mais um pouquinho” grávida e se ela quer ver o bebê nascer. A juíza ainda se refere ao estuprador como “pai” e pergunta à criança se ele concordaria em entregar o recém-nascido para a adoção.

Conforme a TV Record, a juíza defendeu na ocasião a tese de que o aborto não pode ser realizado após o prazo de 22 semanas de gravidez já ter passado. Ela afirmou que o procedimento após esse período “seria uma autorização para o homicídio”.

O Código Penal, no entanto, não estabelece nenhuma limitação de semanas de gravidez para a realização do aborto em casos de estupro. Além disso, ainda de acordo com a reportagem, laudos médicos sugerem que a criança de 11 anos corre maior risco de vida a cada semana de gravidez.

A menina foi atendida por uma equipe médica no início de maio de 2022. O hospital teria negado o aborto porque a menina estava na 22ª semana de gravidez e as regras da instituição permitiam o procedimento apenas até a 20ª semana. O caso então foi à Justiça. Segundo especialistas, o aborto no caso da menina também não precisava de nenhuma autorização judicial para ser realizado, mas médicos costumam pedir o processo, por precaução.

Dias depois, a promotora do Ministério Público de Santa Catarina Mirela Dutra Alberton ajuizou uma ação cautelar pedindo o acolhimento institucional da menina em um abrigo. A criança estava longe de sua casa para ficar afastada do agressor, mas, como a própria juíza admitiu em despacho, ela permaneceu no local também como uma forma de impedir que a mãe da criança buscasse o aborto legal. Depois da repercussão do caso, ela foi liberada para voltar para casa.

Em 9 de maio de 2022, a criança participou de uma audiência judicial junto com a mãe, a juíza e a promotora. Na reunião, o grupo se comprometeu a evitar que a menina fosse vítima de abuso, mas a juíza e a promotora tentaram induzi-la a não realizar o aborto.

“Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, questiona a juíza nas imagens. A promotora Alberton completa: “A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente”. Ela também se tornou alvo de uma reclamação disciplinar do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), que vai averiguar sua conduta.

Alberton continua e sugere que o aborto faria a criança de 11 anos ver o bebê agonizar até a morte: “Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele… Ele vai nascer chorando, não [inaudível] medicamento para ele morrer”.

Veja parte do diálogo que a juíza teve com a criança:

“Qual é a expectativa que você tem em relação ao bebê? Você quer ver ele nascer?”, pergunta a juíza.

“Não”, responde a criança.

“Você gosta de estudar?”

“Gosto.”

“Você acha que a tua condição atrapalha o teu estudo?”

“Sim.”

“Você tem algum pedido especial de aniversário? Se tiver, é só pedir. Quer escolher o nome do bebê?”

“Não.”

“Você acha que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção?”, pergunta, referindo-se ao estuprador.

“Não sei”, diz a menina.

Outro lado

Em nota divulgada nesta segunda-feira (20), a juíza Joana Ribeiro Zimmer informou que não se manifestaria “sobre trechos da referida audiência, que foram vazados de forma criminosa”. Ela ainda afirmou que o caso tramita em segredo de Justiça e que buscava garantir a devida proteção integral à criança.

O posicionamento também criticou a divulgação da audiência pela imprensa. “Com o julgamento do STF pelo não reconhecimento do direito ao esquecimento, qualquer manifestação sobre o assunto à imprensa poderá impactar ainda mais e para sempre a vida de uma criança. Por essa razão, seria de extrema importância que esse caso continue a ser tratado pela instância adequada, ou seja, pela Justiça.”

Já a promotora Mirela Dutra Alberton respondeu que o hospital havia se recusado a realizar a interrupção da gravidez e que os médicos agiriam se houvesse uma situação concreta de risco à vida da criança. “Por conta dessa recusa da rede hospitalar, inclusive com documentos igualmente médicos encaminhados à 2ª Promotoria de Justiça de Tijucas, no momento da propositura da ação era nítido que a infante não estaria sujeita a qualquer situação de risco concreto, o que, inclusive, tem se confirmado em seu acompanhamento”, afirmou em nota.

Investigação

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina ressaltou que o processo está em segredo porque envolve menor de idade, “circunstância que impede sua discussão em público”, e que a Corregedoria-Geral da Justiça do estado já instaurou pedido de providências na esfera administrativa para investigar os fatos.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santa Catarina manifestou preocupação com o caso. “Dentre as situações em que a legislação brasileira autoriza a interrupção da gravidez estão a violência sexual e o risco de vida para a gestante. Diante disso, estamos buscando junto aos órgãos e instituições com atuação no caso todas as informações necessárias para, de forma incondicional, resguardarmos e garantirmos proteção integral à vida da menina gestante”, afirmou a instituição.

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