Nenhum outro estado reflete tão bem os resultados das eleições presidenciais no Brasil quanto Minas Gerais. A cada pleito, a “patriazinha” de Guimarães Rosa se mostra, de fato, uma pequena síntese do país.
Segundo a Folha, desde a redemocratização, todos os eleitos também triunfaram nas urnas mineiras: de Fernando Collor (1989) a Jair Bolsonaro (2018), passando por Fernando Henrique Cardoso (1994 e 1998), Luiz Inácio Lula da Silva (2002 e 2006) e Dilma Rousseff (2010 e 2014).
O fenômeno só se repete no Amazonas e no Amapá, com a ressalva de que, neste segundo estado, o tucano não alcançou a maioria absoluta dos votos (42,3%) em 1998, quando reeleito em turno único.
Dados da Justiça Eleitoral analisados pela Folha, no entanto, reforçam ser Minas Gerais a parte que melhor representa o todo, com os resultados mais semelhantes aos do país em diferentes indicadores.
O estado tem o segundo maior colégio eleitoral do Brasil (15,8 milhões), só atrás de São Paulo (33,1 milhões).
Quando a comparação é estendida para ambos os turnos, Minas apresenta a maior sobreposição (74%) em relação à ordem ocupada por todos os postulantes após a apuração, do mais ao menos votado.
Em 2002, por exemplo, as escolhas dos mineiros refletiram perfeitamente o ranking nacional, com Lula (PT) em primeiro, José Serra (PSDB) em segundo, e assim sucessivamente, até Rui Costa Pimenta (PCO) na última colocação. Essa coincidência perfeita se repetiu no estado em 2010 e 2014.
Testes estatísticos de correlação revelam ainda que Minas apresenta a maior similaridade entre os percentuais obtidos historicamente, por todos os candidatos, no país e nas unidades federativas.
Para citar alguns exemplos, Dilma (PT) foi a preferida de 46,91% dos brasileiros e de 46,98% dos mineiros em 2010, Serra obteve 23,19% no país e 22,86% no estado em 2002, e Geraldo Alckmin (então no PSDB), 41,64% e 40,62% em 2006, respectivamente, todos no primeiro turno.
Segundo especialistas, a principal explicação é o fato de o estado ser também o que melhor resume o país em sua diversidade, em termos geográficos, demográficos e socioeconômicos. “Minas Gerais é muitas”, define Guimarães Rosa no icônico texto de 1957 em que discorre sobre a mineiridade.
“Somos cortados pelos principais eixos de transporte que ligam as extremidades do Brasil e fazemos divisa com estados tão diferentes quanto Bahia, Goiás e São Paulo. Isso gera grande influência e fica evidente até na nossa pluralidade de sotaques”, diz o demógrafo Duval Fernandes, professor da PUC Minas.
O professor Fernandes explica que o território mineiro possui grande variedade regional, com áreas ricas e pobres, rurais e urbanas, agropecuárias e industrializadas, reunindo assim uma boa amostra da realidade brasileira.
Dados das Nações Unidas apontam que o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) variava de 0,813 em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte —o 17º melhor do país— a 0,529 em São João das Missões, no norte mineiro —o 5.402º, ou 164º pior—, conforme os indicadores do Censo de 2010. Minas Gerais tinha o nono IDH entre os estados (0,731), próximo ao do Brasil (0,727).
O Censo também indica o estado como aquele que mais se assemelha à composição étnica da população brasileira, com 45% dos mineiros autodeclarados brancos, 44% pardos, 9% pretos e 1% indígenas.
“É claro que a eleição tem seu contexto propriamente político, mas é razoável se esperar que haja um reflexo. Esses fatores contribuem na formação da população e, consequentemente, em suas opções e comportamentos, também na hora do voto”, avalia Fernandes.
O demógrafo ressalta, por exemplo, que Minas pertence à região Sudeste, mas possui 249 de seus 853 municípios circunscritos na área de atuação da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) devido a suas características climáticas e socioeconômicas.
Os dados eleitorais mostram que esse perímetro, formado basicamente pelas mesorregiões Norte, Jequitinhonha e Vale do Mucuri, vota como o Nordeste brasileiro desde 2006.
Com isso, o estado espelha uma polarização observada nacionalmente: nas últimas quatro eleições, o PT foi vitorioso em todos os estados da região e saiu derrotado em todos do Sul.
Se, nas palavras de Guimarães Rosa, o mineiro é “um idealista prático, otimista através do pessimismo”, a resposta nas urnas também tem sido mais pragmática e menos ideológica, na avaliação dos cientistas políticos Felipe Nunes, professor da UFMG e diretor da Quaest Pesquisas, e Malco Camargos, professor da PUC Minas e diretor do Instituto Ver.
Com comportamento de um estado-pêndulo, Minas ajudou a eleger ora candidatos à esquerda, ora à direita. Depois de Bolsonaro, apresenta agora predileção por Lula em níveis similares às estimativas nacionais.
Pesquisa Genial/Quaest de maio apontava o petista com 44% das intenções entre os mineiros, contra 28% de Bolsonaro e 5% de Ciro Gomes (PDT) na enquete estimulada para o primeiro turno, com margem de erro de 2,5 pontos percentuais.
Segundo o Datafolha, esses candidatos tinham 48%, 27% e 7% no país, respectivamente, com margem de 2 pontos. Lula conta com maior vantagem em alguns setores, como entre mulheres, negros, pobres e nordestinos.
“A polarização política se transformou em polarização social”, afirma Nunes. “Como Minas tem uma população parecida com a média do Brasil, acaba servindo, sim, como amostra do que pode acontecer no país. Agora, isso só é verdade porque existe um padrão regional e social. Há uma divisão clara na sociedade.”
Camargos alerta que aspectos contextuais da disputa política local influenciam o histórico de Minas como espelho da eleição presidencial e acredita que o fenômeno tende a se repetir neste ano.
“A palavra é ‘coincidência’. Até hoje, coincidiu. Não quer dizer que seja uma regra, mas, sim, que alguns fatores aumentam essa probabilidade. Talvez, o principal deles seja, de fato, essa diversidade que faz de Minas um ‘mini-Brasil’. Mas isso não é condição suficiente para determinar que os resultados serão sempre iguais”, completa Camargos.