A tumultuada tentativa de filiar Jair Bolsonaro ao Patriota, no ano passado, fez com que o então presidente do partido, Adilson Barroso, fosse afastado do cargo, acusado de ter agido sem consultar os correligionários e sem respeitar o estatuto da legenda.
Mas o empenho de Barroso em filiar a família Bolsonaro não é nada comparado ao esforço dele, segundo Malu Gaspar, do jornal O Globo, para favorecer a própria família ao longo dos nove anos em que esteve no comando do Patriota – de 2012 a 2021.
Segundo uma análise da área técnica do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), obtida com exclusividade pela coluna, a legenda funcionava como um cabide de emprego para familiares de Adilson Barroso. O partido usava o dinheiro público até para comprar ração de cachorro e fogos de artifício.
Só em 2018, ano em que o partido recebeu R$ 7 milhões de dinheiro público, via Fundo Partidário, os técnicos do TSE descobriram despesas de R$ 9,4 mil com ração para cachorro, R$ 2 mil com fogos de artifício e R$ 40 mil com o combustível de apenas dois veículos de uma fundação ligada à legenda.
Esta foi a primeira vez que o TSE deparou com gastos de ração animal ao analisar prestações de contas partidárias.
Mas um dos maiores gastos foi mesmo com os salários da família Barroso: o próprio Adilson, que era o presidente da legenda, recebeu R$ 532 mil em salários. Outros R$ 590,4 mil para o pagamento de funcionários – a então mulher do presidente, a ex, dois filhos, quatro irmãos e cinco sobrinhos.
“A concentração de recursos no diretório nacional é possibilitada e evidenciada na perpetuação de seus membros, que são familiares do (então) presidente”, ressaltam os técnicos do TSE.
O relatório destaca um organograma da estrutura do Patriota que mais parece uma árvore genealógica da família de Barroso.
A análise da Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa) do TSE ainda constatou que a maioria das despesas do partido beneficiou a então mulher de Barroso, Cássia Barroso, que concentrou 94% dos gastos da legenda com hospedagem, 84% com passagens aéreas e 100% com locação de veículo. Cássia é presidente do Patriota Mulher, braço do partido voltado ao público feminino.
O relatório verificou que o partido pagou R$ 41 mil para a empresa de Claudiana Oliveira do Amaral fornecer carnes e alimentos, mas não encontrou nenhuma prova de que os produtos foram consumidos em eventos partidários. A empresa é de uma filiada da agremiação e não possui funcionários cadastrados no sistema do Ministério do Trabalho e Previdência.
“Tais pagamentos não cumprem princípios constitucionais, tais como o da moralidade e o da economicidade”, aponta o documento.
A Fundação Ecológica Nacional, fundada e mantida pelo partido, também entrou na mira do TSE devido à falta de atividades que deveriam justificar sua razão de existir.
“Não foi evidenciada a missão primordial da fundação, de preparação de futuros representantes do Legislativo e do Executivo, uma vez que inexistem na contabilidade despesas com a organização de eventos e seminários”, diz o relatório.
Ao longo de 44 páginas, a Asepa ainda acusa o Patriota de ter encaminhado a documentação “de forma desorganizada, desobedecendo a ordem cronológica dos pagamentos e juntando separadamente documentos comprobatórios dos gastos, tais como: comprovantes bancários, boletos e notas fiscais”.
“Tal procedimento é desrespeitoso com a Justiça Eleitoral, dificulta o exame, aumenta o tempo de análise e leva à morosidade o julgamento das contas”, critica a assessoria do TSE.
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O relatório obtido pela coluna ainda está sujeito a alterações, conforme os esclarecimentos que vierem a ser apresentados pelo Patriota.
O Ministério Público Eleitoral ainda vai se manifestar.
O documento final vai conter uma manifestação da área técnica sobre as contas de 2018 da legenda, que aguardam julgamento no plenário do TSE. O caso está sob a relatoria do atual vice-presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes.
Procurado pela equipe da coluna, Barroso disse que fez tudo de acordo com a lei. “A ração não foi do partido, foi para o canil da cidade. E os dois mil (reais) de fogos foram para convenção nacional das eleições de 2018. Sobre gastos com funcionários, a lei permite, pois não dá para administrar um partido sozinho”, tentou justificar.
Barroso disse que só empregou familiares porque ele demorou cinco anos para montar o partido. “Eles que me ajudaram a montar.”
O trabalho de fiscalização de gastos partidários exercido pelo TSE está na mira de um polêmico projeto em tramitação no Congresso – do novo Código Eleitoral -, que permite que as siglas contratem empresas privadas para auditar as suas contas, ao invés de terem os gastos esmiuçados por uma equipe do próprio tribunal.
Conforme revelou O Globo, o TSE já está cobrando R$ 65,1 milhões dos partidos por irregularidades nas prestações de contas no uso da verba do Fundo Partidário de 2016.
A fiscalização de 2018 ainda está sendo finalizada – não só no Patriota, mas nos demais partidos.
“Caso o novo Código Eleitoral seja aprovado pelo Senado como veio da Câmara, a identificação desse tipo de irregularidade ficaria totalmente inviabilizada, uma vez que a análise realizada pelos técnicos da Justiça Eleitoral teria de ficar restrita a aspectos contábeis meramente formais e seria autorizado realizar qualquer tipo de gasto, mesmo sem relação com a atividade político-partidária”, alerta o advogado Marcelo Issa, diretor do Movimento Transparência Partidária.
“E mesmo que se considerasse que alguma despesa é irregular, não se poderia aplicar nenhuma penalidade caso esse gasto não superasse 20% do total recebido, o que pode significar uma verdadeira licença para usar irregularmente dezenas de milhões de reais de dinheiro público.”