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terça-feira 7 de junho de 2022 às 07:55h

Boom do agrotech esbarra na falta de acesso por pequenos produtores

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Logo que a doutora em nanotecnologia Carime Rodrigues percebeu o potencial segundo matéria de Gustavo Basso, do Yahoo Notícias, que a substância desenvolvida por ela e colegas em laboratórios da UnB (Universidade de Brasília) tinha para a agricultura, procurou os pequenos produtores de chuchu Maria das Graças e Ozair, de Brazlândia – na região noroeste do DF – para testar em campo a descoberta.

Maria das Graças e Ozair, pais de Carime, se surpreenderam com os resultados obtidos com a Arbolina – uma nanopartícula biológica que estimula o crescimento das plantas, funcionando como biofertilizante natural ecológico – e indicaram a filha para outros agricultores familiares da região.

“Um dos primeiros testes foi com um produtor de morango; dividimos a área dele em duas iguais, aplicando a arbolina em metade, e usando a outra como controle, e aquela onde foi aplicada produziu 290 caixas, contra 130 da outra”, conta a agora empreendedora. “Ainda assim, enfrentamos alguma resistência por parte do produtor, por motivos que não sabemos ao certo, o que nos levou a buscar órgãos estatais de assistência técnica para levar nosso produto aos pequenos produtores”.

Para ela, ser filha de agricultores familiares – a primeira da família a entrar no ensino superior – a leva a focar o esforço de divulgação e propagação da produção para os pequenos produtores. “Nossa ideia é justamente expandir para os mais vulneráveis; para um grande agricultor, ganhar mais produtividade pode representar mais lucro, uma Hilux nova nada garagem; para estes pequenos, pode significar uma mudança de vida.

A iniciativa da KrillTech – Agrotech de biotecnologia criada pela filha de agricultores do DF – é minoria entre as startups do Agro. Ela mesma diz não conhecer outra que busque fortalecer os pequenos produtores por via de órgãos como Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) ou governos estaduais.

Uma parceria estabelecida em 2020 com o governo baiano permitiu que Carime e sua equipe testasse a substância junto a plantadores de cacau do sul da Bahia. Naquela região, a produção é feita em pequenas propriedades em meio à área de Mata Atlântica, no entanto o ambiente propiciava o aparecimento de uma praga chamada Vassoura de Bruxa. Causada por um fungo, a doença é uma das de maior impacto econômico nos países produtores de cacau da América do Sul.

“Muitos produtores estavam abandonando a prática da Cabruca, desmatando as áreas, ou mesmo deixando de plantar cacau como faziam a décadas”, conta a pesquisadora. Com os resultados positivos obtidos por ela, há um início de retorno e manutenção do cultivo tradicional. Hoje é na Bahia que é feita a produção da Startup, que tem capacidade de fertilizar atualmente 100.000 hectares por mês.

Falta de assistência técnica

A falta de assistência técnica é um problema difundido na agricultura no Brasil. Atualmente, cerca de 80% das propriedades rurais não contam com algum apoio de assistência técnica agronômica para aumento da produtividade, explica o agrônomo Leonardo Menegatti, criador de uma startup que busca baratear este serviço para que mais produtores tenham acesso.

“Fazendo um paralelo com a medicina, as classes mais ricas possuem plano de saúde com todos os benefícios possíveis, melhores hospitais, etc; a classe média possui algum plano de saúde, enquanto a população mais carente recorre somente ao SUS”, compara. “Acontece que não existe um SUS para o agricultor”, conclui.

Criado em 2010, o Pronater (Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural) ainda hoje não foi capaz de ganhar espaço em todo o país e é uma das políticas públicas voltadas à agricultura familiar prejudicada nos últimos anos pelo Governo Federal.

Entidades que reúnem agricultores familiares em níveis municipal, estadual e federal criticam a falta de políticas públicas que permitam a esses pequenos produtores acesso às novas tecnologias desenvolvidas pelo Agro 4.0 em polos como em Piracicaba, no interior de São Paulo.

“Nós vemos as novas tecnologias digitais e biológicas que vem facilitando a vida no campo e aumentando a produtividade como muito importantes e essenciais para os próximos passos, mas atualmente as agrotechs são uma realidade extremamente distante do produtor que não possui sequer internet na produtividade, e alguns não conseguem mesmo um financiamento”, reclama Vânia Pinto, secretária de políticas agrícolas da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares).

Vânia destaca os sucessivos cortes em programas de fortalecimento dos pequenos produtores, como o Pronaf (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). Em 2017, o governo anunciou R$ 30 bilhões de crédito até 2020 para o Plano Safra da Agricultura Familiar – o que daria cerca de R$ 7,5 bilhões por ano. Em contrapartida, para médios e grandes produtores, foram liberados R$ 190 bilhões ao ano.

O valor para programas de segurança alimentar e nutricional estipulado para 2021 foi de R$ 279,6 milhões, um corte de mais de 75% em relação aos R$ 1,12 bilhão reservados em 2020, segundo declaração no Portal da Transparência do Governo Federal.

O PAA, Programa de Aquisição de Alimentos, foi criado em 2003 pelo governo federal para promover o acesso à alimentação e, ao mesmo tempo, incentivar a agricultura familiar. Em meio à pandemia, foram destinados R$ 168,2 milhões ao programa, dos quais apenas R$ 27,16 milhões foram efetivamente executados – cortes de 35% e 71% em relação a 2019, respectivamente.

“É preciso que os programas mostrem para a sociedade a relevância da agricultura familiar para a produção de alimentos que acabam na mesa dos brasileiros”, defende ela, ressaltando que este ganho de popularidade levaria aos empreendedores a voltar os olhos a estes produtores.

Massa produtora ou produção em massa?

A agricultura familiar é responsável por 77% dos estabelecimentos agrícolas do Brasil, segundo último Censo Agropecuário, realizado em 2017 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A prática emprega 10 milhões de pessoas, o que corresponde a 67% da força de trabalho ocupada em atividades agropecuárias.

Apresentando valores inversos, no entanto, o valor de produção da agricultura familiar representa 23% dos mais de R$ 462 bilhões de receita, contra R$ 356 bi do agronegócio. A maior crítica dos órgãos de defesa dos pequenos produtores é que pouco dessa produção agrícola vai para a mesa dos brasileiros. Em 2017, o Brasil aumentou o volume do produto mais vendido pelo país: a soja. Das 115 milhões de toneladas colhidas, 78% foram para a China. A exportação de milho também cresceu.

Os dados do IBGE mostram que quase 70% do feijão consumido pelos brasileiros é produzido pela agricultura familiar, assim como um terço de todo o arroz , quase metade do milho e mais da metade do leite. Alimento básico nas regiões norte e nordeste do país, a mandioca tem mais de 83% das suas plantações em pequenas propriedades, que segundo o mesmo levantamento do IBGE, sofrem ainda com a falta de sinal de telefonia e internet móvel.

O Brasil tinha, em 2017, 5,07 milhões de estabelecimentos rurais. Mais de 3,6 milhões delas não tinham acesso à internet, um percentual que passa de 71%. “O Brasil possui uma programa para democratizar o acesso à telecomunicações, mas nos últimos anos ele vem sendo capturado pelo agronegócio, que vem recebendo do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) verbas do governo federal que deveriam ser investidas em áreas menos favorecidas”, aponta Bruno Bassi, coordenador de projetos do observatório do agronegócio De Olho nos Ruralistas.

Conectividade falha

A falta de conexão no meio rural é uma reclamação mesmo entre as empresas, hubs e profissionais mais ligados à corporações do agronegócio que formam o ecossistema que permitiu o boom das agrotechs. De 2016 a 2022 elas passaram de cem para mil, de acordo com o hub AgTech Garage, situado em Piracicaba.

Sergio Barbosa, gerente executivo da EsalqTec – órgão de fomento às agrotechs ligado a Escola de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP – o Brasil é o maior movimento de startups do agronegócio do mundo, superando EUA, Canadá e Israel. Para ele, o avanço só não é maior pela falta de conectividade no campo, algo que demanda um maior investimento por parte das operadoras de telefonia.

“Temos ecossistemas de integração entre as grandes empresas, órgãos estaduais e jovens empreendedores espalhados por todo o país, além de uma nova geração de produtores que sabe lidar com a internet, com computadores”, defende.

Barbosa reconhece que os investimentos são focados nos grandes produtores em detrimento dos pequenos. “Tudo que está sendo criado são empresas, e no nosso sistema, o objetivo da empresa é lucro; então não tenha dúvidas que o empreendedor de uma startup vai buscar o que realmente tem escala pra ele, ele vai primeiro querer o peixe grande”, afirma.

A saída para os pequenos competirem em pé de igualdade pelo acesso à tecnologia seriam as cooperativas e associações de pequenos produtores, algo no entanto, que vem perdendo espaçø nos últimos anos, quando até mesmo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) vem perdendo verbas e espaço, para a defesa da propriedade particular.

“O desenvolvimento no campo é ótimo, mas é este modelo concentrado na mão de poucos produtores de soja e milho, gerando riqueza, mas poucos empregos, que queremos? Ou tecnologia que vise impedir o desmatamento e a distribuição de renda para populações que preservem o ambiente”, finaliza questionando Bassi.

O Yahoo! traz nos próximos episódios deste especial como uma parte das startups tem usufruído da tecnologia e da alta dos créditos de carbono para oferecer riqueza com as florestas e savanas do país mantidos de pé.

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