O setor industrial minerário está atento à reutilização de resíduos. A partir do investimento em pesquisas científicas, substâncias que antes poderiam ser descartadas passam a ter utilidade em outro processo produtivo. Assim, impactos ambientais são reduzidos e as empresas ainda podem ampliar a lucratividade com a comercialização de produtos com maior valor agregado.
“Muito além de seguir os preceitos da sustentabilidade, que é parte da agenda internacional e considerada como questão de competitividade, o aproveitamento de rejeitos é consequência de avanços científicos e tecnológicos. A nossa expectativa é grande para a criação de novos negócios, geração de postos de trabalho e renda, a partir das diversificações nas produções”, diz Antonio Carlos Tramm, presidente da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM).
As aplicações que são desenvolvidas para os resíduos da mineração se destinam à indústria química, à agricultura e à construção civil. Segundo a pesquisadora e líder técnica do Senai Cimatec, a engenheira química Fernanda Torres, todos os resíduos têm algum potencial de reaproveitamento. Alguns exemplos são: o uso do minério de ferro em siderúrgicas e na construção civil; os resíduos finos de rochas ornamentais na produção de argamassas, tijolos, telhas, vidro, tintas, corretivos de solo, entre outros; os resíduos grossos de rochas ornamentais usados em fábricas de cimento, brita, areia artificial, pavimentação, filetes para muros e outros.
“O que define a possibilidade de aplicação são as rotas tecnológicas. Para o resíduo ser reutilizado é necessária a classificação e a sua diferenciação de acordo com suas características”, explica a pesquisadora do Senai Cimatec, instituição que atende empresas da Bahia e de várias partes do Brasil realizando análises de rotas de reaproveitamento de resíduos: a pirometalurgia (utiliza calor para obtenção e refinação de metais) e a hidrometalurgia (utiliza água na separação de minerais).
Regulamentação
Em janeiro de 2022, entrou em vigor a Resolução nº85/2021 com regras para o reaproveitamento de rejeitos. O dispositivo foi aprovado pela Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Mineração (ANM) em dezembro do ano passado, conforme divulgação no site da agência. O diretor Tasso Mendonça Junior foi relator do documento e destaca que o conjunto de normas é resultado de um trabalho colaborativo e promove um norteamento para ações sustentáveis na atividade mineradora.
“A nova Resolução contou com refinamento trazido pelas contribuições colhidas em processo de Consulta Pública, com participação de toda a sociedade, além de ter passado por uma extensa Análise de Impacto Regulatório (AIR). O setor mineral tem agora um parâmetro que com certeza vai fazer as empresas terem mais foco no reaproveitamento, reciclagem e reuso, o que é fundamental para o Brasil do ponto de vista ambiental”, disse o diretor.
No caso da aplicabilidade na agricultura, a cadeia produtiva dos resíduos de minérios tem duas abrangências distintas a depender da incidência ou não de ações químicas no mineral: remineralizadores e condicionadores de solo. “Ressaltando sempre a importância dos contaminantes estarem dentro dos limites toleráveis pelo Ministério da Agricultura para sempre garantir a qualidade dos solos, do que for plantado e para o consumidor final. Dessa forma, estamos aplicando um processo de sustentabilidade verde onde o nosso objetivo é trazer toda nutrição (micro e macronutrientes) disponível nos subprodutos de volta para os solos na forma de condicionadores ou remineralizadores e evitando assim acúmulos de passivos ambientais os quais seriam “improdutivos” e subaproveitados pelas mineradoras e indústrias do nosso Estado”, explica o especialista em solos e raízes Maurício Carnevali, CEO da Cumbe Consultoria e membro do International Humic Substances Society (IHSS).
Economia circular
As empresas que optam pelo reaproveitamento acabam incorporando a chamada economia circular, nesse caso elas agregam valor a um material que geraria apenas despesas. “O alto preço das commodities metálicas, associado à crescente consciência ambiental justifica o reprocessamento de rejeitos que são acumulados nas barragens. O lucro obtido com a comercialização dos produtos obtidos fomenta o investimento das empresas no estudo e desenvolvimento de tecnologias que visam transformar os resíduos em produtos comerciais com maior valor agregado”, diz a pesquisadora Fernanda Torres.
O reaproveitamento é capaz de produzir importantes insumos para várias indústrias. Dentro do conceito de economia circular, a Largo Vanádio de Maracás (LMVSA) tem dois projetos em fase implantação na Bahia: a produção de ilmenita em Maracás, no Centro-Sul do estado, e de pigmento de titânio no Polo Industrial de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (o titânio é um dos concentrados do rejeito do beneficiamento do vanádio). A ilmenita é usada em indústrias de pigmentos, ligas metálicas e proteção do revestimento de alto forno. Já o pigmento de titânio é usado na indústria química, em tintas, revestimentos, plásticos, papel, tintas, fibras, alimentos, cosméticos, entre outros.
A previsão é que a produção ilmenita seja iniciada no primeiro semestre de 2023. O projeto de Maracás vai gerar 270 vagas de emprego na fase de construção e mais 50 postos de trabalho na operação. A estrutura que fica em Maracás tem capacidade para produzir 145 mil toneladas por ano. “O diferencial é que para produzir o minério, que será destinado como matéria-prima para a produção de pigmento de titânio da própria Largo, não haverá nenhum impacto adicional ou aumento de mineração, uma vez que a Ilmenita já está presente na mineração do próprio vanádio”, explica Paulo Misk, CEO da Largo Vanádio de Maracás.
Já a área de produção de pigmento de titânio, em Camaçari, será implantada em três fases, a primeira vai até 2024, no total serão investidos 365 milhões de dólares e a produção total será de 120 mil toneladas pigmento de titânio. Toda operação vai gerar 400 empregos diretos.
II Fórum de Inovação e Sustentabilidade na Mineração
Além da economia circular, as mineradoras se adequam ao ESG (Ambiental, Social e Governança), que é um conjunto de ações de empresas que buscam maneiras de minimizar impactos ao meio ambiente, procuram ter cuidado com as pessoas e adotam boas práticas administrativas. Nesse contexto, as empresas também contribuem para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, que são metas elaboradas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e parceiros no Brasil e no mundo “para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade”.
Conectada com tais ideais, a Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) vai promover na quinta-feira, 09/06, às 9h, o II Fórum de Inovação e Sustentabilidade na Mineração. Durante o encontro que será realizado no auditório da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB), no bairro do Stiep, em Salvador, o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Raul Jungmann, vai discutir sobre o cenário da mineração brasileira, perspectivas, desenvolvimento e a realização de pesquisas. Outro assunto que será tratado é o “potencial do aproveitamento de resíduos de mineração na agricultura”, tema da palestra do doutor em geologia e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Eder Martins.
Para o pesquisador a expansão do reaproveitamento de subprodutos da mineração terá um impacto muito positivo, pois o Brasil ainda depende da importação de adubo mineral (composto por nitrogênio, fósforo e potássio), que é usado na agricultura para garantir o crescimento saudável das plantas. “Fontes regionais podem aumentar a eficiência de uso de nutrientes e substituir parcialmente estas commodities fertilizantes. As fontes regionais podem vir, em parte, de resíduos de mineração, desde que sejam agronomicamente eficientes e seguros do ponto de vista da presença de metais pesados”, destaca Martins.