“Os cristão estavam mudos. Agora, estão se levantando. Precisamos nos posicionar na política, porque a família está sendo ameaçada.” Essa é a visão da pastora Raquel Prado, de 40 anos, que roda o Brasil pregando para milhares de pessoas.
Para ela, a fé evangélica deve moldar todos os aspectos da vida, inclusive o voto nas eleições. Num culto lotado em Brasília, ela dizia em alto e bom tom: “Esse ano tem eleições. Temos que nos posicionar! Você tem o poder de influência. Influencie na sua casa, na sua empresa, na sua vida”.
Em vários momentos da pregação, a mensagem sobre a necessidade de a igreja se posicionar e se fazer ouvir era reforçada. “A igreja não nasceu para ser enfeite do mundo. Repita comigo: Eu me recuso a ser enfeite!”.
A BBC News Brasil foi a Taquara, no Rio de Janeiro, onde Raquel Prado mora, para entrevistá-la como parte do documentário O Que Pensam as Evangélicas, Que Podem Definir Eleição para Presidente.
Prado está entre os quase 70% de evangélicos que votaram em Jair Bolsonaro em 2018. Naquele ano, os evangélicos definiram o resultado eleitoral, dando 11 milhões de votos a mais a Bolsonaro na disputa com o candidato do PT, Fernando Haddad.
Mas, nas eleições deste ano, pesquisas de opinião mostram que homens continuam com Bolsonaro, mas a maioria das mulheres evangélicas está dividida entre ele e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pesquisa Genial/Quaest divulgada na quarta-feira (11/05) mostra que 33% apoiam Bolsonaro, enquanto 31% pretendem votar no petista. Outras 27% não querem nem Lula nem Bolsonaro.
Prado está entre as mulheres que pretendem repetir o voto no atual presidente.
“Não foi por ele ser um militar, não foi porque eu queria o Exército na rua. Não foi porque ele falou que vai defender ter a arma liberada dentro de casa. Não, não é. Foi porque ele propôs a preservação da família e Deus acima de todos, ou seja, o princípio da Palavra de Deus”, diz.
Perguntada sobre o que acha da política de flexibilização da posse de armas e se já ouviu declarações controversas do presidente sobre mulheres e quilombolas, a pastora respondeu: “Ele não é o cara perfeito. Não apoio ele pela perfeição dele, ou por estar dentro dos padrões. Eu preciso escolher um. Então, ele foi o meu escolhido. Todo mundo sabe que ele é um cara que não tem filtro. Mas em ações para o povo, o coletivo, ele é o melhor dentre as opções que existem”, diz.
‘Proteção da família’
Segundo especialistas, mulheres evangélicas, como Raquel Prado, que em sua maioria são pretas e pardas, poderão definir quem vai presidir o Brasil a partir de 2023. Afinal, elas são quase 60% dos evangélicos no Brasil.
“Eu não tenho dúvida de que as evangélicas negras vão decidir essas eleições”, diz a antropóloga Jacqueline Teixeira, professora da Universidade de São Paulo e autora de livros e artigos sobre crescimento evangélico no Brasil.
Na entrevista à BBC News Brasil, Raquel Prado e outras entrevistadas reforçaram que querem ouvir dos candidatos promessas de que vão “proteger a família”.
A ideia de proteção à família não está necessariamente associada a uma oposição a direitos LGBTQ+ — vai muito além da chamada pauta da moralidade. Ao serem perguntadas sobre que tipo de proteção desejam, as evangélicas entrevistadas enfatizaram desejo por mais creches, melhores escolas, acesso à saúde e controle da violência.
Mas elas falaram muito, também, do medo que têm de que na rua, na internet ou até na escola crianças e jovens possam receber conteúdos ou ensinamentos que façam com que deixem de ouvir ou respeitar os pais. Como se pairasse no ar um risco de perda de controle sobre a família.
“Eu vejo pessoas entrando para faculdades e famílias perdendo seus filhos por causa das ideologias esquerdistas que se aplicam lá dentro”, afirma a pastora Raquel Prado.
“Pessoas mudadas, transformadas, perdendo a sua identidade, tendo a sua identidade roubada por uma ideologia criada, uma mutação. É a ideologia de que você pode fazer o que quer e não assumir suas consequências.’Eu faço o que quero e vivo do jeito que quero’.”
A cientista política Ana Carolina Evangelista, diretora do Instituto de Estudos da Religião, observa que existem duas maneiras de se conectar com as mulheres por meio da demanda de “proteção da família”.
“Uma delas é propondo políticas de saúde e educação que atendam às necessidades delas. A outra é explorando medos. O medo de perda de controle, medo de extinção das igrejas evangélicas, o medo de que os filhos deixem de respeitar os pais ou possam ter acesso a conteúdos na escola com os quais elas não concordam”, afirma.