O Norte e Nordeste têm em comum o fato de serem as duas regiões mais pobres do país, além de serem vizinhas. Mas em termos de opinião política, estão em espectros opostos.
É no Nordeste, conforme o canal BBC News, que o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem a pior avaliação. Lá, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera em intenções de voto na eleição de outubro. No Norte, esses dados se invertem: Bolsonaro tem a melhor avaliação, na comparação com outras regiões, e lidera nas pesquisas eleitorais.
Segundo pesquisa FSB-BTG divulgada em 25 de abril, 41% dos eleitores do Norte consideram o governo Bolsonaro ótimo ou bom. É o percentual mais alto do país. Na média nacional, 30% avaliam positivamente a gestão de Bolsonaro, enquanto 51% consideram o governo do presidente ruim ou péssimo.
O percentual alto de aprovação de Bolsonaro no Norte, segunda região com maior concentração de pobreza, pode surpreender à primeira vista, porque é exatamente entre os eleitores mais pobres que o presidente vai pior em avaliação. Apenas 6% dos que ganham até um salário mínimo consideram a gestão de Bolsonaro ótima, enquanto 54% a consideram péssima.
No Nordeste, região com a maior concentração de pobreza, essa tendência se manifesta claramente, com apenas 19% dos eleitores declarando que pretendem votar em Bolsonaro, contra 55% que dizem que votarão em Lula. Mas, no Norte, 40% dos eleitores declaram que pretendem votar no atual presidente na próxima eleição, e 31% no principal adversário dele, Lula. É a região, empatada com o Sul, onde Bolsonaro lidera com a maior margem.
Mas por que essa preferência tão acentuada dos moradores do Norte por Bolsonaro? Que aspectos do governo do atual presidente agradam a uma parcela considerável da população da região Amazônica?
Especialistas ouvidas pela BBC News Brasil citaram três fatores principais: apoio à política armamentista, o tipo de atividade econômica que movimenta a região e a grande presença de evangélicos no Norte. Entenda:
Apoio à política armamentista
A professora de Ciência Política Andréa Freitas, da Universidade Federal de Campinas (Unicamp), aponta a política armamentista de Bolsonaro – popular entre moradores da região Norte, segundo pesquisas – como um dos fatores que contribuem para adesão desse eleitorado.
Pesquisa Ibope realizada em março de 2019, após o primeiro decreto de Bolsonaro flexibilizando porte de armas, revelou que o Sul e o Norte são as regiões onde há maior apoio popular à ampliação do acesso a armamentos.
Segundo o levantamento, 73% dos brasileiros são contra flexibilizar o porte para cidadãos comuns e 26% são favoráveis. Os entrevistados também foram questionados sobre a posse de armas: 61% são contrários a uma maior facilidade para possuir arma em casa; 37% são favoráveis.
No Norte, o percentual dos favoráveis à flexibilização da posse de arma em casa é de 43%, atrás apenas do Sul (48%). E é no Norte o maior percentual de apoio à flexibilização do porte de armas, 34%, seguido pelo Sul, 29%.
A posse permite que o cidadão mantenha a arma em casa ou no trabalho. O porte permite que ele circule com arma de fogo fora de casa ou do trabalho.
“A questão das armas é muito importante na região Norte. Uma política de liberação de armas é muito bem vista para parcela da população de lá”, diz Freitas, que também coordena o Núcleo de Instituições Políticas e Eleições do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
A professora explica que o conflito agrário nesta região, que envolve disputas frequentes entre mineradores, ambientalistas, indígenas, extrativistas e madeireiros, permite um lugar de destaque à discussão sobre acesso a armas.
“Ali a violência é diferente da vivenciada nas grandes cidades. Não é a violência do assalto em áreas urbanas. É uma violência ligada à terra e ao fato de estar na fronteira, tanto no sentido da fronteira com outros países, mas também na fronteira do avanço da agricultura, da mineração, do desmatamento ilegal”, diz.
“E o acesso a armas é colocado para uns como necessário para defender essas terras ou defender uma atividade econômica ilegal ou legal.”
Agronegócio, mineração e extração de madeira
Outro aspecto do Norte que influencia no apoio a Bolsonaro é o tipo de atividade econômica que movimenta a região.
Maria do Socorro Braga, cientista política da Universidade Federal de São Carlos (UFScar), lembra que discursos de Bolsonaro sobre regularização de terras ocupadas ilegalmente, incentivos ao avanço do agronegócio e da mineração atendem a uma parcela importante dos moradores do Norte.
“Você tem naquela região grandes plantações e há uma relação conflituosa entre os donos dessas terras, indígenas e ambientalistas”, lembra a professora. “A defesa de Bolsonaro à regularização de terras públicas invadidas e à expansão do agronegócio na floresta atende a parte dos produtores.”
Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro vem defendendo a ampliação das atividades econômicas na Amazônia e a regularização de terras invadidas para produção agrícola.
Em 2021, o desmatamento na Amazônia foi o pior em dez anos, e 29% maior que em 2020, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), com base em dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD).
Segundo ambientalistas, o desmonte de órgãos de fiscalização durante o governo Bolsonaro e a defesa de regularização de terras pelo presidente estão por trás desse crescimento da destruição da floresta.
Socorro Braga lembra que o setor agrícola tem sido uma base importante de apoio a Bolsonaro. “Embora alguns setores estejam se voltando a Lula, o grosso do segmento da pecuária e soja, que são atividades fortes na região Norte, tem se mantido com Jair Bolsonaro. E a proximidade desses setores a partidos e políticos mais conservadores é algo antigo no Brasil e que permanece até hoje”, diz.
“São forças que querem manter o controle sobre o poder agrário e a estrutura de latifúndio.”
Andréia Freitas lembra ainda que pequenos produtores, mineradores e pessoas que atuam no extrativismo ilegal de madeira também se identificam com o discurso de Bolsonaro de que a Amazônia deve ser explorada economicamente.
O presidente já defendeu diversas vezes a expansão da mineração na Amazônia, inclusive em terras indígenas, embora nenhuma proposta nesse sentido tenha sido aprovada durante o governo dele.
“Você tem uma população grande de pessoas que sofrem com a precariedade do acesso a mecanismos econômicos e que enxergam a apropriação de recursos da Floresta Amazônica como uma solução. Por isso, se identificam com o discurso de Bolsonaro”, diz Socorro Braga.
Grande presença de evangélicos
O terceiro fator listado pelas especialistas é a grande presença de evangélicos no Norte. Foi naquela região que nasceu a Assembleia de Deus, denominação evangélica com o maior número de adeptos no Brasil.
Segundo pesquisa Datafolha de 2020, é no Norte que se concentra a maior proporção de fiéis. Lá, 39% da população é evangélica.
Os evangélicos também são considerados base importante de apoio ao atual presidente. Em 2018, quase 70% deles votaram em Bolsonaro no segundo turno – apoio maciço que, segundo especialistas, garantiu a vitória do atual presidente.
Atualmente, pesquisas de intenção de voto apontam que parcela das mulheres evangélicas está migrando votos para Lula, mas os homens evangélicos seguem votando em grande maioria em Bolsonaro.
O presidente tem como grande aliado o pastor Silas Malafaia, líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e nomeou um evangélico, André Mendonça, para o Supremo Tribunal Federal. Além disso, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, tem participado de uma série de encontros com mulheres evangélicas, pouco menos de seis meses antes da eleição presidencial.
“No Norte, não só há um percentual grande de evangélicos, como é lugar onde se fundou a Assembleia de Deus. Lá há uma tradição, por gerações, de presença do pentecostalismo”, diz Freitas.
“Essa vertente do protestantismo é a mais vinculada a um apoio ao governo Bolsonaro. Esse é outro fator significativo que ajuda a explicar a liderança e a aprovação do presidente nessa região.”