Enaltecido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, o modelo que substituiu forças-tarefas como as da Lava Jato e da Greenfield (contra desvios em fundos de pensão) sofre com falta de servidores e com estruturas improvisadas, além de sobrecarga de seus integrantes em outras atividades.
Implantados por Aras no âmbito do Ministério Público Federal em 2020, os chamados Gaecos (Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) eram apontados como meios promissores de enfrentamento a crimes como corrupção e tráfico de maneira menos informal e mais institucional que as forças-tarefas.
Ao contrário do formato de força-tarefa, que é temporário e precisa de renovação constante, os Gaecos seriam, em tese, permanentes, com integrantes designados para um mandato de dois anos, renováveis.
Os grupos não cuidam de um único caso, mas dão suporte a outros procuradores do MPF nos estados que precisarem de reforços em apurações de combate ao crime organizado e casos complexos, a exemplo da Lava Jato.
Seu objetivo, porém, tem esbarrado nos meios que a PGR (Procuradoria-Geral da República) encontrou de instalar os grupos, dizem seis integrantes de cinco Gaecos ouvidos pela Folha, em caráter reservado.
A reportagem também ouviu dois subprocuradores-gerais que integram as câmaras de coordenação e revisão, responsáveis por avaliar posicionamentos das instâncias iniciais, e dois outros membros do MPF que são interlocutores dos componentes desses grupos.
Esses representantes do Ministério Público Federal apontam que, embora considerado positivo, o modelo não tem funcionado corretamente devido à precariedade da sua estrutura. Procurado pela reportagem, Aras não quis se manifestar sobre o assunto.
O principal responsável por organizar nacionalmente a criação desses Gaecos era o então vice-procurador-geral da República Humberto Jacques. No dia 4 deste mês, ele deixou o cargo e foi substituído por Lindôra Araújo.
A PGR afirmou que a saída foi a pedido, mas integrantes do Ministério Público dizem que Jacques criou conflitos e estava desgastado internamente por seu estilo de trabalhar. A organização dos grupos de atuação especial passou a ser centralizada na 2ª Câmara de Coordenação e Revisão.
A Procuradoria divulgou nota no dia 7 para comunicar a conversão em permanente de 12 Gaecos provisórios, após a Folha procurar um posicionamento do órgão sobre o tema por algumas semanas e não obter resposta.
Agora, são 19 Gaecos permanentes. Em outros sete estados e no Distrito Federal o assunto é objeto de análise e tratativas. A recente iniciativa acaba abrindo uma nova perspectiva para o funcionamento do modelo.
O caráter precário dos grupos agora transformados em permanentes vinha dificultando o trabalho de procuradores, que afirmam ter tido problema até mesmo na interlocução com outros órgãos como Polícia Federal ou CGU (Controladoria-Geral da União) com o objetivo de iniciar uma investigação. Isso porque não havia como saber se os grupos seriam renovados.
Procuradores que atuam exclusivamente nos Gaecos, em apurações complexas relacionadas a corrupção e lavagem de dinheiro, são menos remunerados do que os que acumulam o serviço com seus locais de atuação de origem.
Isso foi feito por uma modificação criada por Aras na forma de compensar quem trabalha tanto nos grupos de combate ao crime organizado quanto em outros locais.
Além disso, ao contrário do que previu resolução de 2013 que normatizou a criação desses Gaecos, estados importantes não têm sequer servidores que ajudem os procuradores em áreas como contabilidade e análise judicial.
Um dos exemplos é o de São Paulo, maior estado do país, que tinha 13 procuradores até o início de abril —menos do que o esperado inicialmente, por falta de interesse— em um Gaeco que estava provisório até a semana passada. Como faltam servidores e estrutura adequada, integrantes do Ministério Público veem pouco benefício em atuar em conjunto com eles.
Procuradores lembram que o braço paulista da Lava Jato avançou nas apurações e conseguiu resultados contra políticos quando seus integrantes passaram a atuar de forma exclusiva.
Criar Gaecos sem propiciar os meios de trabalho, comparou um integrante do MPF, é como instaurar “investigações preliminares” e nada fazer.
Foi uma referência às apurações preliminares usadas por Aras como álibis frente às cobranças da oposição por apurações contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus auxiliares. Apesar das centenas de casos, o número de inquéritos efetivamente instaurados é mínimo.
Em reunião de fevereiro passado, Aras juntou coordenadores dos Gaecos e cobrou resultados, o que parte deles viu como uma atitude deslocada da realidade.
O encontro foi descrito por participantes como uma “cilada” do procurador-geral para gerar notícia positiva para si próprio. Foi praticamente o único a falar no encontro.
Para São Paulo, por exemplo, ele apontou a necessidade de maiores investigações a respeito da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
Membros de diferentes áreas do MPF apontam que mesmo que houvesse estrutura e exclusividade, seria impossível apresentar resultados robustos de uma investigação sobre o PCC em seis meses.
A menção ao PCC remete a outro aspecto importante. Os integrantes dos Gaecos lidam com uma dificuldade de caráter normativo, que é saber em quais casos os grupos do MPF podem ou não atuar. Contra a mesma facção criminosa, por exemplo, existe um trabalho histórico e forte por parte do Gaeco do Ministério Público estadual de São Paulo.
Outra frente de atuação que carece de normalização diz respeito aos crimes ambientais, em quais episódios os Gaecos devem atuar e em quais não devem.
O regulamento em vigor é defasado e insuficiente, apontam integrantes do MPF ouvidos pela Folha, causando um ambiente de insegurança jurídica para quem pretende trabalhar no enfrentamento ao crime organizado e contra a corrupção.
É preciso delimitar, por exemplo, o campo de atribuições dos Gaecos e do NCCs (núcleos de combate à corrupção) existentes nos estados. Integrantes do MPF entendem que os Gaecos e os NCCs, encarregados também da improbidade administrativa, podem conviver.
Há proposta com o objetivo de atualizar as normas sobre os Gaecos em tramitação no Conselho Superior do MPF, presidido por Aras, mas o debate não tem avançado.
Para suprir a deficiência de servidores e deixar as investigações mais eficientes há, ainda, uma discussão a respeito de se criar Gaecos regionais, que abarquem mais de um estado em locais com menor estrutura do Ministério Público Federal.
Em razão das estruturas herdadas das forças-tarefas da Lava Jato, os Gaecos do Paraná e do Rio de Janeiro são apontados como os que melhor têm funcionado.
Além da herança material e de servidores, o Paraná tem sete procuradores, dos quais dois atuam de forma exclusiva para o Gaeco.
O próprio Aras usou Curitiba como exemplo, em seminário promovido pelo site Conjur, afirmando que diferentemente do que “a imprensa muitas vezes tem explorado”, ele estaria institucionalizando as forças-tarefas, não acabando com elas.
“O Gaeco do Paraná não tem um dono, como tinha a força-tarefa. Tem cinco procuradores, com atribuições específicas, direitos e garantias e prerrogativas para trabalhar nas questões que digam respeito ao combate à corrupção, especialmente.”