A Plataforma Brasileira de Políticas sobre Drogas (PBPD), a Associação Brasileira de Saúde Mental, a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas e outras instituições e representantes da sociedade civil divulgam nota técnica manifestando-se contrariamente às últimas ações do governo federal focadas no desmonte das políticas públicas voltadas à saúde mental e à instauração de lógicas manicomiais.
No último dia 28, o Ministério da Cidadania, representado pela Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, abriu o Edital de Chamamento Público nº 3/2022, que destina R$10 milhões para Organizações da Sociedade Civil (OSC) que prestam atendimento como hospitais psiquiátricos. A nota alerta que o chamamento do governo modifica os pressupostos estabelecidos na Lei Nº 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, extinguindo progressivamente a prática manicomial no Brasil.
Além disso, as organizações também citam outro componente do desmonte de políticas públicas voltadas à saúde mental: a Portaria 596/2022, que acabou com o Custeio do Programa de Desinstitucionalização, responsável pelo financiamento de equipes para garantir que pessoas com internações longas em hospitais psiquiátricos tenham cuidado integral, garantia de direitos e promoção da autonomia.
Para a socióloga Nathália Oliveira, co-fundadora da Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas, “essas ações do governo federal significam um retrocesso de décadas na luta pela garantia de direitos e dignidade a todos. O Brasil está retomando uma lógica manicomial para tratar sobre o uso de substâncias psicoativas e outras questões de saúde mental, algo muito violento e ultrapassado. Por outro lado, o financiamento às iniciativas ligadas ao cuidado, assistência e redução de danos está sendo desmontado, ferindo, inclusive, a legislação de saúde mental do SUS”.
Dentre as questões levantadas pela nota, é citado que a política nacional de saúde mental, álcool e outras drogas baseadas na desinstitucionalização e atenção psicossocial representa uma política de Estado, não só de governo, tendo sido consolidada em quatro conferências nacionais de saúde mental, com ampla participação social e reconhecimento pelas várias instâncias de controle social do Sistema Único de Saúde (SUS).
O documento também alerta que a abertura de linhas de financiamento para serviços de saúde oriundas de orçamentos que estão de fora do SUS constituem perigos para as instâncias de fiscalização, discussão e deliberação previstas pelo mesmo, assim como o Conselho Nacional de Saúde e a Comissão Intergestores Tripartite, podendo estas linhas desenvolverem práticas e perspectivas que ameaçam os direitos humanos e o bem-estar das pessoas a serem atendidas.
A antropóloga Luana Malheiro, da secretaria operativa da Plataforma Brasileira de Políticas sobre Drogas (PBPD) destaca que “esta nota técnica respalda a nossa atuação — e de todas que assinam ela — em defesa do direito ao cuidado em liberdade, pautado nos direitos humanos e redução de danos”. “É muito importante que nós, como representantes de vários setores da sociedade civil, nos posicionemos e tomemos parte na luta pela promoção e ampliação de políticas públicas que assegurem dignidade e cidadania a todos”, acrescenta.
A articulação feita pela sociedade civil também traz recomendações para a construção de uma agenda que amplie os direitos já garantidos. Entre eles, reivindica-se a sustação da Portaria GM/MS nº 595, bem como o cancelamento do Edital de Chamamento Público nº 3/2022. Além disso, as organizações pedem no documento a criação de medidas para o fortalecimento de ações voltadas ao cuidado em liberdade, atenção psicossocial, redução de danos e atenção especializada para pessoas usuárias de álcool e outras drogas e a criação de espaços de participação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas para pessoas que usam drogas.
Uma audiência pública no Senado Federal para discutir as alterações na Política da Rede de Atenção Psicossocial do Ministério da Saúde, em especial as ações que promoviam e estimulavam a desinstitucionalização de pacientes internados também integra a agenda da sociedade civil contra as movimentações governamentais. O evento, que conta com a participação do senador Humberto Costa, acontece no próximo dia 18, às 14h.
Segundo Léo Pinho, presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental, “agora é a hora de reunir e mobilizar todo o nosso campo para estar na audiência pública no Senado Federal como primeira agenda para combater este ataque ao Programa de Desinstitucionalização e a volta da lógica manicomial nas políticas públicas”.