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domingo 10 de abril de 2022 às 09:47h

População da França vai as urnas neste domingo para escolher presidente

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Emmanuel Macron e a extremista Marine Le Pen devem passar para o segundo turno, numa repetição do duelo de 2017. Apatia de parte do eleitorado e crescimento da ultradireita adicionam incerteza sobre resultado final.Os eleitores franceses decidem neste domingo (10) quais serão os dois candidatos que vão passar ao segundo turno das eleições presidenciais. Doze postulantes se apresentam, porém as mais recentes pesquisas eleitorais indicam um cenário de déjà vu. Os dois lugares da segunda rodada devem ser ocupados pelos mesmos personagens da eleição de 2017: Emmanuel Macron, de centro-direita e vencedor do pleito anterior, e Marine Le Pen, veterana política de extrema direita.

Segundo o DW, em terceiro lugar no primeiro turno aparece outro rosto conhecido: Jean-Luc Mélenchon, populista de esquerda, que ficou pouco atrás de Le Pen no primeiro turno da eleição passada. Tanto o socialista quanto a radical Le Pen disputam a Presidência pela terceira vez.

Macron, que tomou de assalto a eleição de 2017, apresentando-se como jovem independente com um discurso otimista pró-europeu, também já não pode contar com a vantagem de se vender como uma novidade no sistema político.

E novamente partidos tradicionais de esquerda e direita, que por décadas dominaram a política francesa e se alternaram no poder, devem voltar a agonizar nas urnas, ficando mais uma vez de fora do segundo turno. Combinados, o Partido Socialista (PS) e os Republicanos mal devem passar de 10% dos votos neste domingo.

E novamente o pleito francês levanta preocupações sobre o crescimento da extrema direita na França e acende o alerta em outros países da União da Europeia. Essa também é a terceira vez que um candidato de extrema direita deve passar para o segundo turno, repetindo os pleitos de 2002 e 2017, que transformam a próxima rodada, em diferentes escalas, não só em disputas de projetos, mas em corridas para deter a direita radical.

Sai o terrorismo, entra o poder de compra

Alguns temas que encabeçam as prioridades dos eleitores também permanecem os mesmos nesta campanha: emprego, saúde, aposentadorias. Mas tópicos como meio ambiente e combate ao terrorismo perderam espaço em relação a 2017 (à época a França saía de uma longa série de atentados).

Agora, a queda no poder de compra encabeça as preocupações dos franceses, diante da inflação e aumento dos preços de energia.

O pleito também volta a ocorrer em meio a um cenário externo tumultuado. Em 2017, eram acontecimentos recentes como o Brexit e a eleição de Donald Trump nos EUA que forneciam apreensão adicional. Desta vez, são os efeitos da pandemia e a guerra de agressão russa na Ucrânia.

No entanto, o cenário na França desta vez se apresenta menos embolado do que no primeiro turno de cinco anos atrás, quando quatro candidatos chegaram à reta final com chances de passar para o segundo turno, tornando a composição da rodada final mais imprevisível.

As eleições francesas raramente são decididas no primeiro turno: desde o início da Quinta República, em 1958, apenas o general Charles de Gaulle conseguiu o feito.

Um segundo turno que se desenha imprevisível

Mas se os personagens do segundo turno já podem ser identificados de antemão, o resultado da próxima rodada de votação, marcada para 24 de abril, mostra-se mais complicado.

Em 2017, as pesquisas davam como certo que Macron, que se vendia como centrista reformista, facilmente derrotaria a eurocética e pessimista Le Pen no segundo turno. Macron venceu aquela segunda rodada com 66,06% dos votos válidos, contra 33,04% de Le Pen.

Agora, Macron ainda aparece à frente em praticamente todos os levantamentos. Mas sua vantagem no segundo turno é raquítica se comparada a 2017: maioria das pesquisas o mostra apenas entre dois e seis pontos percentuais à frente de Le Pen.

Apatia do eleitorado e enfraquecimento do “cordão sanitário”

O segundo turno de 2017 ainda havia sido marcado por um comparecimento mais fraco do que no primeiro – o oposto do que havia ocorrido em 2002. Ao todo, 25,8% dos eleitores deixaram de comparecer às urnas nesse turno; no primeiro foram 22,23%.

Agora, pesquisas indicam que 30% dos eleitores podem se abster neste domingo logo no primeiro turno – se confirmada, será a maior porcentagem da história das eleições presidenciais francesas. “A apatia dos eleitores está colocando um segundo mandato de Macron em risco”, avaliou o site Politico.eu.

Por outro lado, a alta abstenção também pode prejudicar Le Pen, já que uma boa parte dos eleitores que não pretendem votar inclui trabalhadores menos qualificados, que tendem a votar no partido da candidata.

A apatia ainda deve influenciar a formação de um eventual “cordão sanitário” para apoiar Macron no segundo turno. A quarta candidata mais bem posicionada nas pesquisas, com 8,5%, Valérie Pécresse, dos Republicanos, afirmou nesta semana que não pretende declarar apoio no segundo turno – em contraste com François Fillon, que em 2017 disputou a presidência pela sigla e se apressou em apoiar Macron.

Jean-Luc Mélenchon, por sua vez, já indicou que deve seguir a mesma estratégia de 2017: consultar sua base e no máximo sugerir que seus eleitores não votem na extrema direita, sem apoiar ativamente Macron.

No pleito de 2017, 36% dos eleitores de Mélenchon escolheram se abster ou votar nulo/branco no segundo turno; 53% votaram em Macron e 11% se distanciaram da ultraesquerda para votar em Le Pen. Desta vez, a proporção de eleitores de Mélenchon passíveis de votarem na extrema direita pode passar de 20%, segundo levantamentos. Já a abstenção/brancos/nulos arrisca ultrapassar 50%.

A força e a fraqueza de Macron

Apesar de não demonstrar a mesma força eleitoral de outrora, Macron ainda tem algumas armas que o mantém como favorito a conquistar um segundo mandato, algo que nenhum presidente francês conseguiu desde 2002.

A economia é seu principal argumento para convencer o eleitorado de que as reformas de seu mandato estão rendendo frutos.

A economia francesa se recuperou mais rápido do que se esperava da pandemia, com um crescimento de 7% em 2021, o maior em 52 anos. Por sua vez, a taxa de desemprego foi a mais baixa em uma década e os investimentos estrangeiros pouco a pouco voltaram a fluir.

Por outro lado, muitos se perguntam se os ganhos econômicos se refletiram no bolso dos cidadãos. Pesquisas entre o eleitorado citam como a principal preocupação a perda de poder aquisitivo em consequência da inflação.

Macron ainda se viu recentemente sob críticas ao apresentar projetos impopulares, como o aumento da idade mínima para aposentadoria dos atuais 62 para 65 anos, e reformas na concessão de benefícios de renda mínima pelo Estado.

O atual presidente ainda entrou tardiamente na campanha, anunciando oficialmente sua candidatura à reeleição no início de março, um dia antes do prazo final. Nas semanas seguintes, evitou eventos presenciais de campanha e participar de debates com outros candidatos, preferindo buscar protagonismo como um mediador na guerra na Ucrânia.

A estratégia foi inicialmente benéfica para Macron, que conseguiu imprimir uma imagem de estadista e subir nas pesquisas, mas o efeito logo passou, especialmente quando os franceses começaram a se mostrar mais preocupados com os impactos do conflito na economia.

“Normalização” da extremista Le Pen

Herdeira de um clã político que há décadas assombra a França, Marine Le Pen exibiu nesta campanha o produto de um longo e intenso trabalho de suavização da sua imagem radical.

Desta vez, focou em temas sociais, como diminuição dos impostos e aumento de salários e aposentadorias, com o objetivo de aumentar seu apelo junto ao eleitorado, até mesmo entre os que costumavam votar na esquerda. Em 2017, sua campanha focou especialmente no combate à imigração e na defesa de um “Frexit”.

Agora, as agendas anti-imigração e anti-UE passaram a ser abordadas com um vocabulário menos explicito. Com o choque causado pela guerra na Ucrânia, ela ainda tratou de minimizar sua admiração pelo presidente russo, Vladimir Putin.

Numa campanha personalista, ela também tentou se pintar como uma pessoa comum, oferecendo um contraste com o fundador da Frente Nacional, antecessora do Reagrupamento Nacional: seu pai, Jean-Marie Le Pen, que se destacava mais nas campanhas eleitorais por declarações antissemitas e abertamente racistas. Uma das primeiras medidas desse longo rebranding, iniciado antes mesmo da eleição passada, incluiu a expulsão em 2015 de Jean-Marie da legenda.

Ao longo da campanha, Marine Le Pen chegou a ser ameaçada pela candidatura de Eric Zemmour, comentarista televisivo que ganhou notoriedade por defender uma agenda ainda mais radical que a de Marine, atraindo eleitores que se sentiam órfãos do estilo violento de Jean-Marie.

Em 2021, Zemmour chegou a aparecer à frente de Marine em algumas pesquisas, mas a ascensão dele não seria duradoura. O jornalista acabou perdendo fôlego, em parte devido a sua inabilidade em abordar a apreensão do eleitorado com a inflação. E no longo prazo, longe de causar danos duradouras a Le Pen, com seu radicalismo aberto Zemmour acabou por ajudar a normalizar ainda mais a imagem da rival, oferecendo um contraste negativo involuntário.

Mas se o estilo de Marine pareceu mais palatável que o de Zemmour, o conteúdo não difere tanto assim, avaliam adversários. “Seus fundamentos não mudaram: é um programa racista que visa dividir a sociedade e é muito brutal. É um programa de saída da Europa, embora ela não o diga claramente”, afirmou Macron recentemente.

Embora tenha ficado em segundo plano na sua campanha, Marine Le Pen ainda defende deter o que chama de “imigração descontrolada” e “erradicar as ideologias islâmicas”. Ela também não esconde que pretende recorrer a ferramentas populistas como referendos para mudar a Constituição, contornando a Assembleia Nacional. Em vez de se referir explicitamente a tirar a França da UE, ela fala de renegociar tratados e diminuir as contribuições financeiras do país ao bloco.

Mélenchon e a fragmentação da esquerda

Único candidato que nesta semana final ainda mostrou capacidade de ameaçar a ida de Le Pen ao segundo turno, o esquerdista Jean-Luc Mélenchon ampliou nos últimos dias apelos pelo “voto útil” entre o campo fragmentado da esquerda francesa, dividida nesta eleição em seis candidaturas, que vão da ecologia ao anticapitalismo.

Mélenchon, que aparece com até 17,5% das intenções em pesquisas recentes, havia ficado apenas dois pontos percentuais atrás de Le Pen no primeiro turno de 2017. Sem ele, as outras cinco candidaturas de esquerda mal somam 11% dos votos.

Ao longo da corrida, ocorreram tentativas de formar uma “frente única de esquerda” para contrabalancear a força da direita neste pleito. Militantes chegaram a organizar o que chamaram de “primárias populares” em janeiro, para escolher um candidato único no campo. A enquete deu vitória à ex-ministra Christiane Taubira. No entanto, os demais candidatos não aceitaram a iniciativa. Nesta semana, a própria Taubira pediu “voto útil” para Mélenchon.

Líder do movimento França Insubmissa, Mélenchon passou os últimos dias numa trajetória ascendente, semelhante a que ocorreu em 2017. Ele defende um programa mais ousado que a maioria dos seus adversários na esquerda, com vários contornos populistas, como uma “refundação” da República, congelamento de preços, saída da França da Otan e instituição do voto obrigatório a partir dos 16 anos.

Derrocada interminável dos partidos tradicionais

O primeiro turno também confirma mais uma vez o declínio de duas legendas tradicionais de esquerda e direita da França: o Partido Socialista (PS) e Os Republicanos – este último o sucessor de uma série de partidos de direita gaullista.

Neste pleito, o PS está representado pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, que deve amargar apenas 2% dos votos – um resultado ainda pior do que os 6,36% de seu correligionário Benoît Hamon no pleito de 2017, quando a legenda penou por causa da impopularidade do então presidente François Hollande. Com diminutas intenções de voto de 5%, Hidalgo arrisca nem mesmo ter os custos de campanha reembolsados pelo Estado.

Entre Os Republicanos a situação não é muito melhor: a candidata da legenda, Valérie Pécresse, aparece com no máximo 8,5 % das intenções, bem abaixo dos 20% obtidos por François Fillon em 2017.

Sucessores da antiga União por um Movimento Popular – legenda dos ex-presidente Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy –, os Republicanos penaram nessa campanha no campo congestionado da direita e com a consolidação do outsider Macron como a figura preferida do eleitorado pró-negócios. A presença dos extremistas Le Pen e de Zemmour na corrida também tornou ineficaz a estratégia de Pécresse de fazer acenos para eleitores mais radicais em temas como imigração.

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