Representantes de sindicatos e analistas convidados pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) criticaram o processo de privatização da Refinaria Isaac Sabbá (Reman), em Manaus (AM), e de seus ativos logísticos. O assunto foi debatido em audiência pública nesta quarta-feira (23), a pedido do senador Plínio Valério (PSDB-AM).
Eles alegam que o complexo industrial foi avaliado por um preço abaixo do valor de mercado e acreditam que a geração de emprego e renda no estado será prejudicada. Para os debatedores, ao contrário do que diz a estatal, não haverá aumento da concorrência, mas um monopólio privado, e o preço dos derivados lá produzidos pode aumentar.
Os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Jean Paul Prates (PT-RN) apoiaram parte das críticas e também questionaram a negociação. Para Jean Paul, a lógica da Petrobras mudou completamente após o governo Michel Temer, e a companhia não é mais uma estatal encarregada de abastecer o país da melhor forma possível e com menos custo à sociedade brasileira.
— Venderam toda a logística de gás, depois a BR Distribuidora. Ora, lucrar assim eu também lucro […] Eles anunciam lucros oportunistas em cima da mera venda de ativos. Estamos sendo enganados o tempo todo com essa conversa. Vendem terminais, postos de gasolina, refinarias… Claro que há lucro, mas fugaz e enganoso, que vai levar a empresa virar uma empresa microscópica.
Jean Paul ainda fez duras críticas ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que, segundo ele, foi omisso e conivente em relação aos processos de venda de refinarias pela Petrobras.
— Não disse isso até hoje, mas tenho que dizer. O Cade é conivente, omisso e se acovardou. Não investigou mercado nenhum; não emitiu um relatório sequer provando que a Petrobras é dominante em qualquer mercado de refino de qualquer produto — disse.
Omar Aziz, por sua vez, relatou que, quando foi governador do Amazonas, pediu insistentemente à estatal, presidida na época por Graça Foster, que investisse na unidade industrial. O parlamentar ainda se colocou à disposição dos sindicalistas, mas chamou a atenção para o fato de que não dá pra culpar quem compra, pois a empresa está no mercado e, se lhe oferecerem algo atrativo, ela tem o direito de comprar.
— Quando fui governador, cansei de pedir à Petrobras que fizesse investimento para melhoria na planta. Há muitos anos a companhia não investe, e nós sabemos que no Amazonas tem petróleo e gás […] A responsabilidade não é da empresa que compra, é de quem vende. O debate não pode ser baseado na empresa compradora, mas na política que o Brasil tem hoje nessa questão — argumentou.
Importância estratégica
Para a pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) Carla Ferreira, a refinaria é um complexo de renda e emprego relevante, com peso fiscal para o estado e municípios, e tem influência na cadeia de fornecedores, nas relações de trabalho e na comunidade local, que pode ser prejudicada em função da venda.
Ainda segundo ela, um estudo do Ineep constatou que o ativo foi negociado por 70% de seu valor de mercado. O valor de partida seria US$ 279 milhões, e não US$ 189 milhões, como acordado entre Petrobras e o grupo Atem.
Analista do Departamento intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Cloviomar Cararine lembrou que a Reman é estratégica. pois é a única refinaria da Região Norte e ainda conta com atuação diversificada, produzindo nafta, GLP, gasolina, querosene de aviação, óleo diesel, óleos, óleo leve para turbina elétrica e asfalto.
O especialista mostrou aos senadores gráficos refletindo a diminuição gradual da produtividade da planta nos últimos anos. Em 2021, o nível de ocupação da refinaria foi de 66%. Para ele, isso revela a perda de interesse da Petrobras e uma estratégia para facilitar a venda do empreendimento.
Exemplo baiano
O coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, disse que o que está ocorrendo agora na Bahia serve de exemplo para o que está para acontecer no Amazonas, caso a venda da Reman seja concluída.
Segundo ele, a estatal vendeu a Refinaria Landulpho Alves (RLAM), em São Francisco do Conde (BA), e logo em seguida surgiu o primeiro problema, que foi o desabastecimento. Agora os baianos ainda pagam uma gasolina mais cara.
— Está faltando óleo combustível para navios que chegam à Baía de Todos os Santos. Além disso, as distribuidoras reclamam que não conseguem ter a compra garantida. A Bahia tem hoje uma das gasolinas mais caras do Brasil, e já chega a R$ 8,90 em alguns postos, por conta do monopólio privado e da falta de compromisso da empresa que adquiriu a refinaria. Quem sofre com isso? A população — afirmou.
O sindicalista informou que há ações na Justiça questionando o negócio e pediu ajuda do Senado para que o processo de privatização não seja concluído.
Ausência
No fim da reunião, o senador Plínio Valério disse que o objetivo da audiência pública foi dar espaço e voz aos petroleiros e àqueles que são contrários à privatização da Reman.
O parlamentar informou ainda que representantes do grupo Atem, responsável pela compra, foram convidados para que os dois lados pudessem ser ouvidos. Inicialmente eles aceitaram o convite, mas depois alegaram que não poderiam se manifestar, por conta das ações judiciais envolvendo a negociação.