Uma delação premiada feita por representante da concessionária Ecovias atinge políticos de grandes partidos, como PSDB, PT e União Brasil, com implicações para um tema sensível nas eleições deste ano ao Governo de São Paulo.
As acusações envolvem a concessão responsável pelas rodovias Anchieta e Imigrantes, ligações da capital do estado com o litoral sul e que abrigam as praças de pedágios com a tarifa individual mais alta do estado: R$ 30,20 para carros.
O valor cobrado dos motoristas na malha rodoviária paulista é alvo de seguidos embates políticos ou eleitorais desde a década de 1990, quando os primeiros contratos foram firmados, inclusive com a Ecovias, pelo governo Mario Covas (PSDB).
Desta vez, a discussão pode ser ampliada pelo conteúdo da delação da concessionária, que levou ao Ministério Público Estadual relatos de pagamento de propina e caixa dois para políticos paulistas em 1999 e 2014, conforme trecho ao qual a Folha teve acesso.
Entre os nomes citados estão o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, vereador Milton Leite (União Brasil), o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando (PSDB), e os atuais deputados estaduais Edmir Chedid (União Brasil), Roberto Morais (Cidadania) e Luiz Fernando (PT), além de ex-deputados que se notabilizaram por críticas às concessões paulistas.
Lançado pelo governador João Doria (PSDB), o atual vice, Rodrigo Garcia (PSDB), deve ser candidato ao comando do Palácio dos Bandeirantes neste ano com apoio da União Brasil. O PT, por sua vez, pretende lançar o ex-prefeito Fernando Haddad para a disputa estadual.
Pelo acordo de delação, a Ecovias aceita ressarcir R$ 650 milhões aos cofres paulistas.
O nome do executivo da concessionária que listou as acusações é mantido em sigilo. A delação está inserida em investigações espalhadas nas esferas eleitoral, cível e criminal —neste último caso, porém, parte das acusações já prescreveu.
Em 2020, a Ecovias assinou acordo cível com a Promotoria paulista em que afirma ter havido formação de cartel, pagamento de propinas e repasses de caixa dois em 12 contratos de concessão rodoviária firmados em São Paulo.
As irregularidades, segundo a empresa, duraram de 1998 a 2015, período que inclui as gestões Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, todos governos do PSDB.
O acordo está na casa dos R$ 650 milhões, sendo R$ 450 milhões em obras e R$ 200 milhões para o erário. Ainda há pendência no Conselho Superior do Ministério Público e falta a homologação judicial.
O documento na área criminal a que a reportagem teve acesso menciona apenas uma parcela dos casos relatados à Justiça. Em relação aos relatos mais antigos, o Tribunal de Justiça decretou em junho de 2021 a extinção de punibilidade, mas outra parcela dos citados deve responder à Justiça Eleitoral.
O delator da Ecovias falou ao Ministério Público sobre a atuação de deputados estaduais da Assembleia Legislativa durante CPI para apurar critérios de concessões de rodovias e cobranças de pedágio, em 1999.
De acordo com o relato, faziam parte da comissão os deputados Geraldo Vinholi (PSDB, à época no PDT), Edmir Chedid (União), Claury Alves Silva (à época no PTB), Roberto Morais (Cidadania), José Zico Prado (PT) e José Rezende (à época no PL).
Segundo o delator, “todos os parlamentares acima identificados teriam sido beneficiados pelo pagamento de vantagens ilícitas, arcadas pelas 12 concessionárias” de São Paulo na época. O pagamento, segundo ele, ocorreu “sob pena de elaboração de um relatório final [da CPI] desfavorável a elas”.
O delator afirmou que as concessionárias resistiram às exigências, mas depois cederam após ameaças de convocação de sócios, dirigentes de bancos financiadores.
“Intimidados, os representantes das concessionárias cederam às criminosas exigências daqueles parlamentares, que, após o recebimento da propina, acabaram confeccionando relatório favorável às empresas”, diz o documento.
O delator disse ainda que a Ecovias pagou R$ 400 mil ao deputado José Rezende, que faria parte do relatório final que tocava nos interesses da empresa.
Segundo o documento, “os valores foram entregues ao vereador Milton Leite, em três lugares distintos da capital [paulista]”. Leite é político influente no estado, atualmente aliado da gestão Doria e presidente da Câmara Municipal paulistana.
De acordo com o delator, o relatório final teria sido positivo para interesse da empresa.
Desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo afirmaram que o caso relativo à CPI de 1999 prescreveu e, por isso, houve extinção da punibilidade dos políticos citados e arquivamento.
O documento, porém, volta a citar a Assembleia Legislativa no contexto de nova CPI relacionada aos pedágios das rodovias, ocorrida em 2014, na qual teria havido pagamento. Desta vez, a título de caixa dois, e não com a promessa de qualquer vantagem à empresa.
De acordo com o delator, as doações seriam para “manter um bom relacionamento com os parlamentares”.
Ele afirmou ter dado R$ 300 mil para o então deputado Antonio Mentor (PT) em um hotel nos Jardins.
De acordo com o documento, o delator insistiu em dizer que o deputado não se “comprometeu a qualquer contraprestação à doação eleitoral, mesmo porque o relatório final da CPI não favoreceu as concessionárias, aludindo, inclusive, à instauração de inquéritos, à redução de tarifas de pedágio e outras questões que prejudicavam as empresas”.
No segundo semestre, novas doações irregulares teriam sido feitas a deputados que não integravam a CPI.
O delator disse que, em 1º de agosto de 2014, deu R$ 200 mil como doação não contabilizada ao deputado Orlando Morando (PSDB), hoje prefeito de São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
Ainda segundo o representante da Ecovias, na mesma época ele se comprometeu, também em esquema de caixa dois, a pagar R$ 300 mil aos deputados petistas Vicente Cândido e Luiz Fernando. Segundo ele, os valores foram entregues no ano seguinte.
Vicente Cândido, porém, não era deputado estadual na ocasião, mas sim federal. Diferentemente do que é dito no documento, ele se reelegeu para o cargo. Essa parte da delação, relativa à suspeita de pagamento via caixa dois aos deputados, foi enviada para a Justiça Eleitoral.
A Ecovias afirma que houve formação de cartel, pagamentos de propinas e repasses de caixa dois em 12 contratos de concessão rodoviária firmados com o Governo de São Paulo.
Na área cível, o acordo de delação entre a Ecovias e a Promotoria do Patrimônio Público de São Paulo foi inicialmente barrado em setembro de 2021, mas depois acabou sendo homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público paulista.
Para que seja consumado, porém, o acordo ainda precisará de aval do Judiciário, por meio de um juiz de primeira instância.
POLÍTICOS NEGAM ACUSAÇÕES, E CONCESSIONÁRIA NÃO COMENTA
A Ecovias foi procurada pela Folha, mas preferiu não fazer comentários sobre a delação.
O prefeito São Bernardo do Campo, Orlando Morando, afirmou que nunca recebeu nenhuma doação não oficial.
“É importante lembrar que foi Morando, enquanto deputado estadual, que fez duras acusações contra a Ecovias, inclusive, convocando membros da concessionária para depor. O prefeito lamenta profundamente que pessoas usem delações para inventar fatos e buscar acordos judiciais em benefício próprio”, afirma, em nota.
O deputado Luiz Fernando diz que as informações não procedem e que nunca recebeu financiamento eleitoral de qualquer executivo da Ecovias.
Edmir Chedid afirma que não foi comunicado de nenhum processo relativo às denúncias do colaborador e que desconhece processo neste sentido. “Também declaro não possuir nenhuma relação com empresas concessionárias de rodovias no estado de São Paulo”, afirmou.
O advogado Marco Aurélio de Carvalho, que defende o ex-deputado Antonio Mentor, afirma que o político recebeu “com surpresa e indignação a menção ao seu nome no relato mentiroso e leviano” da delação.
“Nunca, em momento algum, o deputado agiu fora dos parâmetros éticos e legais. Ao final das investigações, que confirmarão o quanto aqui alegado, buscaremos a devida reparação à honra e dignidade de um parlamentar que dedicou parte de sua vida às boas causas públicas”, afirma.
Carvalho também defende o ex-deputado Vicente Cândido. “A prestação de contas do deputado Vicente Cândido atendeu a todas as exigências legais estabelecidas legislação eleitoral vigente.”
“Não tivemos acesso a nenhuma das referidas declarações, mas estamos certos que são decorrentes de eventuais equívocos que serão esclarecidos no decorrer das investigações, que são sempre muito bem-vindas. O deputado permanece tranquilo e à disposição da Justiça Eleitoral”, completa o advogado.
Claury Alves afirmou que estranha o envolvimento do seu nome e disse que jamais participou de “qualquer conduta ilícita ou que tenha me beneficiado”.
O vereador Milton Leite diz que desconhece os fatos relatados e que considera “as afirmações do delator mentirosas e fantasiosas”. “Sou vereador desde 1997 e nunca ocupei cargo público na Assembleia Legislativa de São Paulo”, afirmou.
O deputado Roberto Morais afirmou desconhecer “qualquer assunto mencionado sobre pagamentos de propina”.
O ex-deputado Geraldo Vinholi chama a acusação de “incabível” e que isso pode ter colaborado para a extinção da punibilidade. “Vale reforçar que, segundo checagem da Folha de S.Paulo, o próprio Tribunal de Justiça (TJ-SP) reconheceu a prescrição do conteúdo e determinou, tempos atrás, o arquivamento do processo”, diz, em nota.
A reportagem não localizou os ex-deputados José Zico Prado e José Rezende.
O Governo de São Paulo afirmou apenas que foi consultado pelo Ministério Público sobre a forma de ressarcimento e respondeu que pode ser realizado por meio de obras.