O Brasil é dependente de insumos para fertilizantes, e a Rússia é um dos principais fornecedores. Com a Ucrânia, as relações comerciais envolveram, em 2021, a compra de metais e polímeros de cloreto de vinila. Os insumos importados desses países são essenciais para agricultura e indústria brasileira, e nem todos, necessariamente, de fácil substituição. Se por um lado, é verdade que a tragédia humanitária é a principal preocupação em qualquer guerra, por outro, é certo que o conflito também atrapalha a reorganização de cadeias de produção, e a economia, no Brasil e no mundo.
A pandemia provocou um excepcional desajuste nas cadeias de fornecimento, pelo mundo. Inúmeras indústrias foram afetadas globalmente, pela escassez de matérias-primas, de componentes e de dificuldades logísticas. Qualquer um que tentou comprar um computador, ou um veículo com eletrônica embarcada, soube da escassez de microchips – e esse não foi o único item. Além das bruscas viradas de demanda, por conta da repentina mudança de hábitos e de emergências de saúde, eventos climáticos e a obstrução do Canal de Suez provocaram um desajuste profundo nas cadeias de fornecimento, impactando contratos pelo mundo.
Apesar da expectativa de oscilação nos preços do petróleo, e da pressão da inflação no mundo, para 2022, a atenção das companhias para adequação conceitual de suas estruturas de fornecimento – com ênfase na resiliência – já aparentava trazer bons resultados. De fato, já era possível reconhecer certa acomodação – embora ainda com distorções de preços e escassez de alguns produtos – tirando as preocupações com cadeia de fornecimentos da cabeça da lista de desafios para 2022.
No entanto, o conflito na Ucrânia reacende preocupações nesse sentido. A situação sugere novos desafios para o comércio internacional, o que deve trazer consequências sensíveis para a atividade produtiva e à economia brasileiras. Não é apenas uma expectativa de comprometimento de demanda e disponibilidade de Rússia e Ucrânia, mas de todas as consequências, para comércio o internacional, que são geradas no contexto do conflito.
Há sanções econômicas sendo anunciadas e implementadas, e há diversos outros atores internacionais em movimento de alinhamento e tomada de partido. Isso significa que as interferências no comércio mundial terão uma proporção muito ampla.
O comércio é gerador de trabalho, propulsor da circulação das riquezas e, sobretudo, é meio de aproximação e promoção da paz. A persistência da situação conflituosa e a intensificação das oposições tendem a gerar obstáculos às relações comerciais de forma rápida e, às vezes, com efeitos surpreendentes. O conflito, e as sanções relacionadas a ele, no campo comercial, tem potencial de afetar cada um desses aspectos positivos do comércio de maneira incalculável e imprevisível.
Se por um lado a questão humanitária é a principal preocupação, e atrai olhares do mundo para o sofrimento das pessoas naquela região, por outro, os efeitos globais do conflito merecem muito atenção, porque podem comprometer de maneira consistente o comércio e a economia mundial. Da perspectiva do Brasil, que mantém relações comerciais importantes com nações que se alinham com os oponentes deste conflito, será importante a atenção e colaboração permanente do governo e das autoridades diplomáticas, e será benéfico um posicionamento alinhado com os princípios constitucionais da promoção da paz e do diálogo entre as nações.
* Saulo Stefanone Alle é doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo e sócio do escritório Peixoto e Cury Advogados