Em janeiro, o governo dos EUA divulgou um alerta incomum: “Há um número excepcional de vistos baseados em trabalho disponíveis neste ano fiscal (outubro 2021 a outubro 2022). Estamos comprometidos a usar todos eles. Há mais vistos disponíveis para as categorias 1 e 2 do que processos pendentes. Se você é elegível, por favor, considere se candidatar”.
O alerta foi feito pelo Uscis, serviço dos EUA que cuida de imigração e cidadania. O país vive uma crise de falta de trabalhadores, e vem facilitando a entrada de estrangeiros.
O aviso mencionava duas categorias voltadas a profissionais com habilidades extraordinárias (EB 1) ou acima da média (EB 2) em áreas como ciência, arte e negócios.
Há certa elasticidade nos conceitos de habilidade extraordinária, o que abre espaço para que profissionais de várias áreas possam se candidatar.
Quem é aprovado recebe um “green card”, como é chamada a permissão para morar e trabalhar nos EUA por dez anos. O documento pode ser renovado e abre caminho para pleitear cidadania.
A maior disponibilidade de vistos é consequência da pandemia: a cada ano, os EUA determinam uma cota de aprovações. Se o total não for usado, a sobra fica para o ano seguinte. Como a pandemia dificultou a realização de análises, houve menos aprovações.
Com isso, deverão ser ofertados cerca de 280 mil green cards por motivos de trabalho, o dobro da média de anos anteriores. No entanto, não há garantia de que esse número de concessões será atingido.
Os EUA terminaram 2019 com 2,5 milhões de solicitações na fila –já no final do ano passado, esse número era de 8,84 milhões.
No ano fiscal de 2021, foram concedidos 738 mil green cards, sendo mais da metade (449.425) com base em laços familiares. Houve 178.498 petições de vistos EB, dos quais 105.565 foram aprovadas. O Brasil foi o 5º país com mais aprovações, somando 1.650. No período, houve 5.416 pedidos de brasileiros nessa categoria, e muitos ainda estão com análise pendente.
O andamento dessa fila segue regras complexas: imigrantes de um mesmo país não podem representar mais de 7% do total de green cards concedidos por ano.
O tempo entre abrir o processo e obter o documento, no caso das opções EB 1 e 2, tem sido em torno de um ano, de acordo com assessorias de visto.
Essas empresas ajudam candidatos a organizar os documentos e encontrar pontos positivos a serem ressaltados. O serviço pode custar mais de US$ 15 mil, fora os gastos com traduções e taxas. A média de gasto total para uma aplicação EB 2 é de US$ 20 mil.
“Fiz várias entrevistas com o escritório de imigração que cuidou do meu caso. Eles acabaram descobrindo que eu era o maior produtor de conteúdo cristão infantil do mundo”, comenta Samuel Mizrahy, 46, criador do projeto 3 Palavrinhas, que soma 6,4 milhões de inscritos no YouTube, e obteve um visto EB 1. Ele mora em Orlando, na Flórida, onde também é pastor evangélico.
Outro morador da Flórida, Rodrigo Nascimento, 29, lutador de MMA conhecido como Zé Colmeia, obteve um visto EB 2 com ajuda de cartas de recomendação de lutadores famosos do UFC, como Rodrigo Minotauro e Júnior Cigano.
Ele obteve a resposta do pedido em cerca de dez dias, e recebeu o documento após seis meses. Nascimento fez a opção pelo Premium Processing, um fura-fila oficial. Por uma taxa extra de cerca de US$ 2.500, a resposta ao pedido é dada em até 15 dias úteis.
Já Tatiana Fernandes, 41, levou três anos e quatro tentativas até conseguir ser aprovada. Da primeira vez, em 2016, buscou ajuda de um advogado. Ele tentou enquadrá-la na categoria L1, como empresária que queria abrir uma filial nos EUA, mas o pedido foi negado duas vezes.
Fernandes buscou então outra advogada, que a orientou a sair dos EUA às pressas e voltar ao Brasil para tentar o processo a partir do exterior.
“Tive de fechar empresa, quebrar contratos de aluguel e de casa. E depois que saí dos EUA, a advogada passou a demorar a me responder”, conta. O pedido foi negado de novo, após 11 meses de espera.
Fernandes conseguiu o documento só na quarta tentativa, em 2019, ao tentar na categoria EB 2. Foram três meses para obter a autorização de trabalho e mais quatro até o green card. Hoje, ela trabalha como gerente de logística no setor industrial em Milwaukee, no Wisconsin, e tem lidado com a falta de trabalhadores nos EUA do outro lado da mesa.