Menos transporte, educação e saneamento, mais defesa, saúde e segurança. A composição dos investimentos públicos mudou substancialmente nos últimos anos.
Em 2022, a Defesa passou a ser o principal destino desses recursos, abocanhando 21% dos R$ 42,3 bilhões previstos no orçamento sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no fim de janeiro.
Em 2012, a fatia detida por essa área era de 15%, 6 pontos percentuais a menos que hoje.
Com o ganho de espaço, a Defesa superou Transporte e Educação e passou a ocupar o primeiro lugar da lista, conforme o levantamento feito pelo consultor legislativo do Senado Vinícius Amaral nas bases de dados do SIGA Brasil e do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP) e passado com exclusividade à BBC News Brasil.
Principal foco dos investimentos em 2012, Transporte viu sua participação cair de 22% do total para 15% em 2021, percentual que se repetiu em 2022.
Educação encolheu de forma ainda mais expressiva, de 19% para 8% do total. Essa área tem reservados no orçamento R$ 3,4 bilhões em 2022, valor próximo do da Saúde (R$ 4,6 bilhões) e menos da metade dos R$ 8,7 bilhões da Defesa.
Além da mudança na ordem de prioridades, outra tendência chama atenção: os investimentos públicos vêm se reduzindo de forma contínua desde 2012, ano em que atingiram o último pico.
“Temos ao mesmo tempo uma enorme redução do montante e piora da composição”, destaca Amaral.
‘Bolo’ menor
De 2012 a 2021, os números apontam uma queda de 59% no investimento público federal, de R$ 115,5 bilhões para R$ 47,4 bilhões, considerando os valores já corrigidos pela inflação. Em 2022, o montante reservado para investimentos é ainda menor, R$ 42,3 bilhões, retração de 63% em relação a 2012.
Praticamente todos os setores têm hoje menos dinheiro para investir do que tinham 10 ou 11 anos atrás. Alguns, contudo, perderam mais do que outros. O orçamento da defesa para 2022, por exemplo, é 50% menor em termos reais do que em 2012. O de transporte é 74% menor, o da educação, 84%, e de saneamento, 93% menor.
“O bolo como um todo fica menor, e a divisão dentro do bolo muda”, ilustra o consultor legislativo, que acompanha de perto os números do planejamento e execução do orçamento.
Amaral lembra que a política econômica do atual governo tem como objetivo aumentar o investimento privado e reduzir o gasto público em algumas áreas.
Isso poderia explicar o cenário desenhado pelos números do orçamento para 2022 – mais investimento privado no setor de Transportes, por exemplo, com uma menor demanda de dinheiro público nessa área. Não há, no entanto, indicativo de que o capital privado esteja substituindo o investimento público em nível suficiente para suprir a queda observada na última década, muito menos para fazer frente às necessidades do país.
“O setor privado, sozinho, não consegue substituir [o público]”, pontua Amaral.
Isso fica mais evidente quando se observam outras estatísticas econômicas – a própria taxa de investimento em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), por exemplo.
Um estudo recente do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) destacou que os investimentos despencaram depois da crise de 2014 e se mantiveram em patamar muito baixo, inferior a 16% do PIB, até o terceiro trimestre de 2020.
Depois desse período, a taxa tem uma aparente retomada e alcança 19% no terceiro trimestre de 2021 – as causas desse fenômeno, contudo, não indicam uma recuperação.
De acordo com os pesquisadores, alguns eventos “fortuitos” e bastante técnicos explicam a melhora do número: a “nacionalização” de plataformas de petróleo que já estavam no Brasil e que passaram a ser reconhecidas de outra forma por questões tributárias; e a aceleração maior dos preços dos investimentos do que PIB de uma forma geral, um reflexo da inflação, que subiu mais para esse grupo do que a média da economia.
“Não é esse tipo de investimento que trará crescimento sustentado ao Brasil”, diz o texto.
Há pelo menos três décadas o país mantém uma taxa baixa de investimento – público e privado. Na média entre 1990 e 2020, ela foi de 18,6% do PIB, desempenho que coloca o Brasil nas últimas posições em uma lista de 49 países, ainda conforme o Ibre-FGV.
Entram nos investimentos os gastos com construção civil, compra de máquinas e equipamentos, caminhões, tratores – é a chamada Formação Bruta de Capital Fixo dentro do cálculo do PIB.
Os investimentos são importantes porque têm influência direta na capacidade de um país de crescer.
À medida, por exemplo, que amplia e adensa seu sistema de transportes, que leva saneamento às cidades e aumenta o número de máquinas nas fábricas, uma economia consegue aumentar seu “PIB potencial”, uma medida calculada por economistas para tentar quantificar a capacidade produtiva de que um país dispõe para crescer sem gerar pressões inflacionárias.
De volta aos dados do orçamento do governo para 2022, Amaral pontua que a redução dos investimentos públicos em mais de 60% nos últimos 11 anos “dificulta ainda mais qualquer retomada da economia”.
“Já há vários anos o investimento é insuficiente sequer para repor a depreciação da capacidade instalada – a gente vai retrocedendo em termos de infraestrutura”, destaca o especialista.