A apresentação, pelo deputado federal Christino Áureo (PP-RJ), com aval do presidente Jair Bolsonaro, da proposta de emenda à Constituição (PEC) para reduzir conforme reportagem do O Globo os impostos sobre os combustíveis com um escopo bem maior do que fora acordado com o ministro da Economia, Paulo Guedes, intensificou a preocupação entre os técnicos da equipe econômica de que esta pode ser a primeira de várias ameaças fiscais deste ano eleitoral.
Há o receio de novos projetos que entram no Congresso com elevado risco para as contas públicas.
No mesmo dia, começou a tramitar no Senado uma PEC ainda mais ampla, já chamada por auxiliares de Guedes de “PEC Kamikaze”. Se a proposta da Câmara já teria um impacto robusto, de R$ 54 bilhões, o texto do Senado sobe a fatura para mais de R$ 100 bilhões.
Ela também permite a redução dos impostos federais sobre combustíveis, mas vai além: cria um vale-diesel de R$ 1.200 mensais para caminhoneiros, transfere recursos para o setor de ônibus urbano e amplia o vale-gás para famílias de baixa renda.
Também chamada por integrantes da equipe econômica de “PEC da Irresponsabilidade Fiscal”, a proposta conta com a simpatia do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), segundo a opinião de diversos parlamentares, sob sigilo. Para técnicos do Ministério da Economia, ela pode ter efeito contrário ao desejado pelo governo, ao fazer o dólar subir e prejudicar diversos setores.
Além dos combustíveis
A discussão sobre os combustíveis é mais evidente, mas outros projetos em tramitação no Congresso preocupam integrantes do Ministério da Economia, como o Refis para todas as empresas. Com a volta do Congresso, devem crescer as pressões por mais gastos e por renúncia de receita sem compensação.
O temor, também, é da alta imprevisibilidade dos parlamentares em ano eleitoral, quando deputados e senadores costumam concentrar seus trabalhos nos primeiros meses do ano. As possibilidades são amplas e, muitas vezes, imprevisíveis.
No horizonte, segundo o jornal, o Congresso deve derrubar na próxima semana o veto presidencial ao Refis para empresas inscritas no Simples Nacional, que representa impacto de R$ 1,7 bilhão. A Câmara tem entre suas prioridades um novo programa de renegociação de dívidas que favorece grandes empresas devedoras, cujo impacto líquido é de R$ 92 bilhões e o projeto já passou no Senado.
Na avaliação de lideranças parlamentares, ao mesmo tempo que a equipe econômica argumenta que é preciso garantir a arrecadação nesse caso, deve prevalecer o argumento do setor produtivo.
— O Ministério da Economia tem preocupação com a receita, mas o país tem batido recorde de arrecadação. O Congresso tem uma visão de que é hora de abrir mão de alguma arrecadação para valorizar quem produz no Brasil, principalmente os pequenos empresários, que geram mais empregos — disse o líder do DEM, Efraim Filho (PB).
Correligionário do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, Áureo protocolou uma PEC escrita no Palácio do Planalto, como atesta o próprio documento com o texto da medida distribuído pelo deputado a colegas da Câmara. Não houve qualquer aviso à Economia sobre o teor da proposta, e Bolsonaro deu aval ao projeto, de acordo com fontes do Planalto.
Para integrantes do governo, o episódio evidencia a imprevisibilidade que marcará todo e qualquer projeto a ser votado no Congresso este ano.
Mesmo dando publicamente a ideia de algum tipo de composição com o Ministério da Economia, o Centrão buscará “turbinar” todo e qualquer projeto que possa favorecer a popularidade do presidente e a formação de bancadas fortes nas eleições de 2022, na leitura de membros do governo e do Congresso.
Na avaliação de alguns parlamentares, Guedes mantém o discurso para dar uma sinalização favorável ao mercado, mas sabe que não vai conseguir segurar os anseios do Centrão, ainda mais em ano eleitoral.
Em outra frente, os governadores e prefeitos pressionam o governo federal a ajudar a pagar a conta criada por Bolsonaro quando ele decidiu dar um reajuste de 33% no piso salarial dos professores da educação básica.
O impacto total deste reajuste de acordo com o jornal O Globo, é estimado em R$ 30 bilhões para estados e municípios, que se movimentam para dividir a conta com a União.
— A condução errática da política fiscal gera custos relevantes, especialmente com a rolagem da dívida pública, e deve ser evitada, a exemplo da redução discricionária e casuística sobre combustíveis. O subsídio a combustíveis fósseis, mais poluentes, em plena transição global para uma economia de baixo carbono é inconveniente — disse Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS Capital.
Na próxima semana, a Câmara votará uma medida provisória (MP) que cria um programa habitacional voltado a policiais militares. O relatório da medida libera o financiamento com juros subsidiados para profissionais com o “nome sujo” na praça. Embora sem impacto fiscal, a proposta mostra o apetite por bondades em ano eleitoral.
Para completar, o governo ainda é pressionado por servidores a conceder reajustes salariais a todos o funcionalismo, depois da decisão de Bolsonaro de aumentar apenas os salários dos policiais federais.
Chegou a ser aventada a hipótese de trocar o aumento salarial por benefícios, mas a ideia, gestada na Economia, foi abandonada pela própria pasta. A decisão sobre reajuste de servidores deve ser tomada até o fim de março.
Fontes de tensão
PECs dos Combustíveis
- Duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) promovem uma ampla redução dos impostos federais e estaduais sobre os combustíveis. A primeira foi escrita no Palácio do Planalto e tem um impacto de R$ 54 bilhões.
- A outra proposta, do Senado, vai além: cria um “vale” de R$ 1.200 para caminhoneiros e socorre o setor de ônibus urbano. Com custo superior a R$ 100 bilhões, a medida é chamada de “PEC Kamikaze” na Economia.
Refis para todas as empresas
- O Congresso deve derrubar o veto do presidente Jair Bolsonaro ao programa de parcelamento de dívidas de micro e pequenas empresas, com impacto de R$ 1,7 bilhão.
- Ao mesmo tempo, os deputados articulam a votação de outra proposta, que promove um amplo Refis para empresas de todos os portes.
- O texto levaria o governo a arrecadar R$ 35,7 bilhões com as adesões. Mas a renúncia com descontos é bem maior, de R$ 127,8 bilhões.
Reajuste no piso dos professores
- Contrariando a orientação da equipe econômica, que queria fixar um reajuste de 7,5%, Bolsonaro decidiu aumentar em 33% o piso salarial dos professores da educação básica. Embora os salários dos professores dessa fase da educação sejam pagos por municípios e estados, governadores pressionam por uma ajuda federal.
- Caso essa ajuda seja efetivada, será mais um foco de tensão sobre as contas federais.
Aumento para servidores
- Após o Orçamento de 2022 ter reservado, a pedido de Bolsonaro, um espaço de R$ 1,9 bilhão para reajustar os salários de forças de segurança, as demais categorias passaram a pressionar por aumentos.
- Se houver reajuste para elas, será preciso cortar gastos de outras áreas. Chegou a ser aventada no Ministério da Economia a troca de reajuste por aumento de benefícios, mas sem força política foi deixada de lado pela pasta.