Líder do governo de Jair Bolsonaro no Congresso Nacional, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) avalia que o Legislativo deve ter não mais que 90 dias de serviço efetivamente útil este ano até a eleição. Por isso, nada de grandes reformas no horizonte: Gomes prevê um esforço em torno de uma “pequena reforma tributária” focada nos impostos que incidem sobre combustíveis e diz que reforma administrativa, votada e aprovada, só para 2023.
Gomes, que assumiu o cargo em outubro de 2019, substituindo a deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP), simboliza o pragmatismo do Centrão que passou a dominar as ações do governo em detrimento da ala ideológica do bolsonarismo: discreto nas redes sociais, é um dos parlamentares mais ativos nas negociações de bastidor do Congresso.
O estilo também se vê em sua leitura política. Gomes acredita que a eleição será tão polarizada entre Lula e Bolsonaro que se transformará em um “par ou ímpar”, podendo ser liquidada já no primeiro turno “para um ou para o outro. Se a economia der o mínimo de recuperação, acredita que Bolsonaro se reelegerá.
A seguir, os principais temas da entrevista ao jornal Valor:
Balanço
“Quem não acompanhasse a mídia diária e só visse resultado ia imaginar que existe uma harmonia muito grande entre Executivo e Legislativo. Aprovamos Lei do gás, marco do saneamento, capitalização da Eletrobras, a reforma da Previdência, independência do Banco Central, Pronampe. Temos um resultado de três anos que não é para ser visto, mas lido. O cara que está viajando na Antártida lê e pensa: ‘É um show, esse Bolsonaro deve ser educado demais com os parlamentares [risos]’”.
Pauta possível
“Ainda tem tempo, principalmente depois do anúncio da carta-convite da OCDE, de fazer alguma coisa de introdução de reforma tributária. Não acredito em reforma mais ampla agora. Outros fatores começaram a motivar debates que não tinham espaço para serem feitos, como rediscutir os impostos estaduais. Sempre foi uma barreira intransponível. Mas, como entrou [no cenário] o debate dos combustíveis, acabou abrindo um ambiente em que esse assunto vai ter de ser discutido. Tem um contexto ali para que a gente possa aprovar alguma coisa, mas o prazo é muito pequeno. Acho que vamos ter 90 dias de serviço útil de Congresso nesse ano até a eleição.”
Prioridade
“Vejo o governo com muito mais interesse em resolver a questão dos combustíveis, pelo tempo disponível e pelo efeito que isso tem na eleição, do que entrar em outros debates que precisam de mais tempo, como a reforma administrativa. Todo mundo sabe que tem de fazer a reforma administrativa, todo mundo quer fazer, mas não vai fazer em ano de eleição. Aposto mais nas pautas de recuperação econômica e de ambiente de saída da crise. Já é muito assunto pra três meses: PEC dos Combustíveis, vetos da BR do Mar e pode surgir uma ou outra coisa para adaptar o governo a esse convite da OCDE. Na pauta econômica, é mais ou menos isso.”
Reforma administrativa
“Tem um período de debate que é imprescindível, tem que preparar. Acho que até o meio do ano a gente consegue um avanço, para deixar algo já maduro para dois períodos interessantes: pela primeira vez, vamos ter junto eleição e Copa do Mundo. Dependendo do resultado, quem ganha vai para dentro do Congresso estimular comissão de transição. Se o presidente se reelege, aproveita o calor das urnas para chegar com uma liderança já estabelecida. Vamos ter coisas preparadas no primeiro semestre para serem disparadas no final do segundo semestre, a depender do resultado da eleição.”
Ômicron
“Uma coisa que pode afetar é o pico da ômicron. A tendência é que tanto Câmara quanto Senado fiquem remotos até o Carnaval, isso evita alguma votação mais contundente.”
Agenda de costumes
“Não acredito em nada novo que já não foi apresentado. Tem muito assunto na Câmara e no Senado que já está amortecido e que eventualmente vai ser votado, mas não quer dizer que seja agora.”
Bate-cabeça no governo
“Existe, não tenha dúvida. Já foi pior, lá atrás foi pior. É questão de estilo e acho que foi mudando com a minha chegada, com a do Ciro [Nogueira, senador licenciado e hoje ministro da Casa Civil].”
Veto ao Refis do Simples
“Está aí uma coisa que é absolutamente sensível ao governo. O presidente não só gerou ambiente para a criação do Pronampe como sua ampliação e perpetuação como política pública. Se tiver algum saldo positivo da pandemia, é este. É uma política central para este governo e será dada uma solução.”
Alto índice de derrubada de vetos
“Não vou discutir veto que foi feito por questão jurídica. Eu posso concordar com o conceito, mas o presidente não pode aprovar, vira pedalada. Isso aconteceu com algumas questões. O presidente foi consultado, disse que também aprovaria, mas explicou que do jeito que o Congresso fez ele não conseguiria sancionar.”
Veto a trecho do Orçamento
“Aprendi que você comemora o que passou e se concentra na solução do que não passou. Vão dar um jeito de achar espaço para boa parte das coisas que foram vetadas agora. Vai ter recomposição. Para ser bem sincero, eu acho que ficou fácil de resolver. É pouca coisa esses R$ 3 bilhões [de despesas vetadas”. Foi pior nos anos anteriores.”
Fundão Eleitoral
“Esse valor [de R$ 4,9 bilhões] é suficiente, embora tenha uma corrente que defenda o fim do Fundo Eleitoral para novas medidas que tragam o financiamento privado para as campanhas. Aí tem vários modelos. Por exemplo: tem países que o cara faz uma doação para você e ele se obriga a doar o mesmo valor para outro fundo que vai abastecer o adversário. A regra do Fundo Eleitoral, pelas experiências das últimas eleições, você sabe pelo menos quanto custa [o pleito]. Quando você não tem o fundo eleitoral, a eleição custa R$ 30 bilhões, R$ 40 bilhões, foi o que aconteceu no petrolão.”
Reajuste dos servidores
“O governo vai mostrar uma filosofia nessa área. Tinha ficado impedido por conta da PEC Emergencial, mas agora vai ser a primeira experiência com autorização para promover reajuste. Acho que o governo vai criar um modelo para promover reajustes, que pode gerar credibilidade ou não. A forma como ele tratar é que vai gerar credibilidade com o funcionalismo ou não. E com o mercado também. Muita coisa do funcionalismo mudou nesse governo. Tem um desgaste do governo com os funcionários públicos, mas não necessariamente do Bolsonaro.”
Emendas de relator
“Duas coisas são importantes. Bolsonaro não fez resistência às emendas impositivas individuais, que era um processo que vinha do [ex-presidente Michel] Temer e ele ratificou, e com as emendas impositivas de bancada. O que mudou é a questão do formato. Mas já era uma política de evolução sobre o controle do Orçamento de dez anos para cá. Eu confio que haverá uma mudança nos critérios de distribuição. Mas acho, sim, que as emendas de relator vieram para ficar.”
Tônica das eleições
“Vai ser a vida das pessoas e qual governo pode estabelecer um processo de retomada efetivo. Existe um campo de 20% do eleitorado que vai se digladiar nas questões ideológicas, mas não vejo a população envolvida nisso. Vejo temas de qualidade de vida, de acesso à educação, saúde. Eu acho que esta eleição vai ser bem sem graça. Se não tiver uma mudança muito drástica, esta eleição está entre Lula e Bolsonaro.”
Lula ou Bolsonaro
“O Bolsonaro está apanhando dia, noite e de madrugada e o Lula está sem apanhar ainda. Eu fico rindo muito quando falam do Nordeste: depois de quatro anos de governo, o presidente tem o dobro de votos que ele teve na eleição passada. Eu até desconfio que a gente pode ter uma eleição de primeiro turno. Para um ou para o outro. Pode ser um par ou ímpar. Se a economia der o mínimo de recuperação, pode esquecer que o Bolsonaro é presidente por mais quatro anos.”
Candidatura do PSDB
“Eu tinha uma outra opinião há pouco tempo. Achava que quem ia levar esta eleição era o Eduardo Leite [governador do Rio Grande do Sul], um candidato fortíssimo: jovem, liberal, novo, nome bom, de um Estado importante, onde o Bolsonaro é forte. Com ele, ia ser uma eleição pegada. Eu acho o Leite um cara perigoso demais.”
Sergio Moro
“Não vejo consistência. Quem está melhor para isso [construir terceira via] já tem dificuldades para montar grupo político, como é o caso do Ciro Gomes. Teve bons governos, mas a forma como ele conduz isso [montagem da chapa] já é uma confusão.”
Simone Tebet
“Estou analisando pesquisas e não vi ninguém ganhando na CPI uma projeção de cunho majoritário, em nenhum Estado. Não sei se a Simone conseguiu isso. Ela representa um Estado com vínculo muito forte com o agronegócio, que hoje tem uma opção [Bolsonaro]. Ela tem desempenho para fazer. Não deu tempo ainda tempo para ela se mostrar, mostrar suas propostas.”
Rodrigo Pacheco
“O governo entende que, se pulverizar demais [as candidaturas], a tendência de Bolsonaro ir para o segundo turno é maior. Por exemplo, o Moro é forte com 8%, mas ele já teve 18% lá atrás. Agora, se o Rodrigo [Pacheco] aparecesse com 5%, ele seria forte porque é de Minas Gerais. O [ex-governador de São Paulo Geraldo] Alckmin e o [senador licenciado José] Serra, quando foram candidatos, tinham quadro de liderança nas pesquisas ou, no mínimo, desempenho acima de 20%. Candidato para ser lançado tem que estar perto de 10%.”
Reforma ministerial
“A reforma ministerial de abril é um teste para Bolsonaro. Saem dez ministros e, pelo que entendi, vai ser utilizada a área técnica para não ter problema. Vai pegar o cara técnico que está tocando para assumir e não ter problema.”
Candidatura a governador
“Eu não tenho nenhum tipo de dificuldade de enfrentar os desafios que se colocarem, mas, por enquanto, eu considero a situação no Estado como tranquila para fazer a campanha do Bolsonaro. Não só por mim, mas há um grupo muito grande de lideranças e partidos. Lá nós teremos um candidato forte, independente de eu ser candidato ou não.”
Mudança do MDB para o PL
“Não falei ainda com o presidente [Bolsonaro], vou conversar com ele. Estou no MDB. Apesar de ser um partido que briga muito com o presidente, também ajudou nos momentos mais difíceis.”