Segundo reportagem do jornal Estado de S. Paulo, de cada R$ 10 recebidos pelos partidos de dinheiro público em 2015, R$ 1 foi gasto de forma questionável. Esse foi o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao julgar as prestações de contas das siglas. Entre as despesas que a Justiça Eleitoral reconheceu como irregulares estão compras de itens de luxo, festas, reforma em imóveis de dirigentes, viagens injustificadas, pagamentos em duplicidade e honorários para advogados de réus da Lava Jato, além de indícios de falsidade ideológica.
Embora as despesas sejam de quase sete anos atrás, esse é o período mais recente analisado pela Justiça Eleitoral. Toda a movimentação do Fundo Partidário desde então ainda está passível de apreciação pelo TSE. O tribunal prioriza a avaliação de gastos eleitorais, principalmente dos vencedores, mas as despesas dos derrotados e dos partidos não seguem o mesmo ritmo, até porque os prazos são menos exíguos.
Dos R$ 811 milhões disponíveis para os partidos em 2015, R$ 76,8 milhões foram considerados irregulares pelo TSE. Naquele ano, nenhuma sigla passou incólume pelo crivo. Tiveram as contas reprovadas 20 legendas. Outras 13 foram aprovadas com ressalvas.
As informações sobre o Fundo Partidário foram reunidas pela iniciativa Freio na Reforma, composta por entidades da sociedade civil, diante da discussão no Congresso de projetos que modificam os sistemas de prestação de contas. As propostas estão em tramitação no Senado – inclusive a que acaba com o prazo de cinco anos para a apresentação de documentos referentes às despesas do Fundo Partidário.
Questionamento
Enquanto alguns partidos tiveram irregularidades em menos de 1% dos recursos recebidos, outros tiveram a metade do dinheiro aplicada de forma questionável, segundo o TSE. Depois da apresentação das contas, há uma análise pela área técnica da Justiça Eleitoral e as legendas são instadas a apresentar justificativas. Só então as prestações vão a julgamento.
Quando a irregularidade é confirmada, há a obrigatoriedade da devolução dos recursos, que são depositados no próprio fundo. Já para a responsabilização dos envolvidos, a legislação prevê que ela só ocorrerá se for dolosa (intencional), que signifique enriquecimento ilícito e que represente lesão ao patrimônio do partido. Além da dificuldade de cumprir todos esses critérios, ainda demanda a proposição de ação pelo Ministério Público Eleitoral. E, muitas vezes, o tempo transcorrido entre a descoberta da ilicitude e a conclusão do processo é tão grande que o caso prescreve.
Aeronave
A lista das legendas que mais gastaram valores do Fundo Partidário de forma irregular é encabeçada pelo PROS, com R$ 10,7 milhões considerados como despesas irregulares. Do total, chama a atenção o investimento de R$ 3,1 milhões que o partido fez na compra de aeronaves. Segundo a Justiça Eleitoral, 60% dos deslocamentos ocorreram entre as cidades de Formosa e Goiânia, ambas em Goiás. Além de Formosa fazer parte do reduto eleitoral do então presidente do partido, Eurípedes Júnior, os dois municípios estão a apenas 280 quilômetros de distância. Os gastos com manutenção e combustível passaram de R$ 140 mil.
Como mostrou o Estadão, a compra de um helicóptero R66-Turbine foi o motivo da destituição de Eurípedes da presidência da sigla em 2020. Na ocasião, também foi revelada a compra de um avião. O TSE identificou uma terceira aeronave nas contas do PROS, um avião EMB810D Seneca III, da Embraer. O TSE afirmou que é preciso coibir “práticas recorrentes quanto à atuação de líderes partidários que agem como ‘donos’ das agremiações, em perfeita confusão entre seus interesses e fins partidários.” Procurado, o partido não respondeu à reportagem.
Também o PT teve as contas desaprovadas por não comprovar de forma satisfatória o uso de R$ 8,3 milhões. O montante inclui o gasto de quase R$ 500 mil para a contratação de advogados de réus da Lava Jato, entre eles o ex-tesoureiro do partido Paulo Ferreira. A Justiça identificou que os serviços advocatícios não tinham vínculo com a atividade partidária. “Constitui irregularidade grave, na medida em que recursos públicos estão sendo utilizados ao amparo de causas individuais e personalíssimas, de evidente afronta aos princípios da administração pública.” Em nota, o PT afirmou que apresentou, em outubro, recurso ao Supremo Tribunal Federal contra o acórdão do TSE.
Conforme o jornal, o mau uso de R$ 7 milhões do Fundo Partidário colocou o Patriota no pódio das siglas que tiveram as maiores quantias questionadas. Uma chácara no município de Barrinha (SP) “ganhou” R$ 50 mil em benfeitorias, como TV, frigobar, ar-condicionado e câmera de segurança. O dinheiro público também foi usado para compras de supermercado e a contratação de uma pessoa para fazer a limpeza do local. A chácara pertencia ao então presidente do partido, Adilson Barroso.
À Justiça, o partido alegou que a chácara cumpria o papel de sede administrativa da sigla, mesmo localizada a 343 quilômetros da capital. O TSE afirma que a legenda não comprovou tal vinculação. Procurado, Barroso não respondeu.
Sem controle
“Há uma sanha por uso de dinheiro público sem controle”, disse o diretor do movimento Transparência Partidária, Marcelo Issa. Integrante da Freio na Reforma, ele defendeu a necessidade de um controle maior. “O aumento exponencial de recursos públicos não se fez acompanhar de investimentos em recursos humanos e tecnológicos para fazer essa fiscalização.”
Para a coordenadora da Transparência Eleitoral Brasil, Ana Claudia Santano, a reprovação das contas não significa ilicitude. “Se a Justiça Eleitoral não consegue visualizar para onde foi o dinheiro, pode existir irregularidade formal, que precisa ser confirmada se é também material.”
O TSE não se manifestou sobre medidas de controle que são adotadas. Todos os outros partidos que tiveram as contas desaprovadas foram procurados. O PTB informou que “notas fiscais, cheques e extratos foram devidamente apresentados”. O PL disse que irregularidades no pagamento das despesas cartorárias foram detectadas pela própria agremiação, que “imediatamente solicitou instauração de investigação”.
O Podemos afirmou que a responsabilidade de gestões anteriores não pode ser imputada ao atual partido. O PDT, em nota, disse que nunca agiu de “má-fé” na prestação de contas. As demais siglas não responderam.