A primeira vez que uma mulher negra passou a atuar como juíza foi em 1962 com a posse da magistrada Mary de Aguiar Silva conforme o Acesse Política publicou no último mês. Nesta quarta-feira (28), cerca de 56 anos depois, ela recebeu a Medalha do Mérito Judiciário como forma de reconhecimento.
De acordo com a Associação dos Magistrados da Bahia (Amab), Mary, que hoje tem 93 anos, atuou como juíza de 1962 a 1995. Antes disso, ela foi também promotora de Justiça.
A condecoração foi proposta pelos membros da Comissão de Igualdade, Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos Humanos (Cidis), por meio de seu Presidente, o Desembargador Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto, e aprovada por unanimidade durante sessão judicante do Tribunal Pleno realizada no último dia 24 de outubro. Na época da aprovação, o presidente do TJ-BA, desembargador Gesivaldo Britto, afirmou que tentaram “usurpar” essa homenagem da primeira juíza negra.
Por muitos anos, o reconhecimento informal foi dado à desembargadora Luislinda Valois. Uma reportagem da Folha de São Paulo de fevereiro de 2017 informa que a juíza Mary foi nomeada para o cargo em 1962. Já Luislinda foi a terceira juíza negra, nomeada para a magistratura em 1984.
Biografia
Nascida em 1925, em Salvador, Mary de Aguiar Silva é filha do motorista de táxi José Catarino de Aguiar Silva e da dona de casa Guiomar Brito de Aguiar Silva. Apesar das dificuldades financeiras, a família valorizava os estudos, e Mary se formou em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 1952. Seus irmãos também conseguiram concluir a graduação na mesma universidade – um se tornou médico, e a outra, enfermeira. Em 1954, Mary começou a atuar como promotora. Passou pelas comarcas de Uauá, Tucano e Condeúba, todas no interior da Bahia, até se tornar juíza.
A carreira de juíza teve início em 1962 em Remanso, às margens do Rio São Francisco, a 716 km de Salvador. Em 1967, transferiu-se para Belmonte, no litoral sul do estado. Em 1978, seguiu para Salvador, onde atuou até se aposentar compulsoriamente em novembro de 1995, quando completou 70 anos.
Mary não tem filhos. Suas principais companhias eram a mãe, Guiomar, e a irmã, Vera. Depois da morte da mãe, também passou a contar com a companhia assídua da sobrinha Sheila Aguiar.
Em entrevista, a sobrinha Sheila disse que Mary encontrou dificuldades para exercer seu trabalho, nem tanto por ser negra – a Bahia tem a maior população negra do país –, mas muito por ser mulher em um espaço de poder predominantemente masculino. “Era uma época em que os coronéis comandavam a região”, afirmou a sobrinha.
De toda forma, as dificuldades raciais e de gênero que Mary enfrentou não devem ser ignoradas. Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dos mais de 17.600 magistrados em atividade no Brasil em 2018, apenas 37% são mulheres. Juízes e juízas negros e pardos representavam, em 2013 apenas 15% dos magistrados brasileiros – apenas 1,4% do total se declarava preto e 14% se declaravam pardos.