Na maioria das vezes, a chuva é sinônimo de colheita farta para os produtores rurais, no entanto, segundo reportagem do BNews, para agricultores do sul, extremo sul e sudoeste da Bahia, o grande acúmulo de água que caiu nas regiões, em dezembro de 2021, não foi bem-vinda. Quem tanto já pediu pela chuva não imaginava que um dia ela acarretaria diversos prejuízos. As enchentes que destruíram casas e deixaram milhares de desabrigados também castigaram diversas lavouras espalhadas pelo estado.
Os danos causados no campo já refletem também no bolso do consumidor que já passou a pagar mais caro em alguns produtos. O uso do tomate e cenoura no preparo de algum prato, por exemplo, já representa o resultado de um sabor muito mais salgado. Na Feira de São Joaquim, uma das mais tradicionais de Salvador, já é possível encontrar os produtos por R$ 8 o quilo. E ao que tudo indica, os preços podem aumentar ainda mais nos próximos dias.
“Hoje mesmo eu fui comprar o tomate e o rapaz já avisou que a partir de amanhã vai ficar R$ 25 mais caro. Antes a caixa do tomate custava entre R$ 60 e R$ 70, e hoje custa R$ 120, ou seja, um aumento de quase 100%. A cenoura também aumentou muito porque a cenoura não gosta de chuva. Eu comprava a saca da cenoura a R$ 40, hoje eu já comprei de R$ 80”, afirma o feirante Eric Xavier.
Os clientes do feirante, que trabalha no local há mais de 20 anos, chegaram a pagar R$ 5 no quilo tomate antes das enchentes, ou seja, R$ 3 mais barato do preço cobrado atualmente. Na barraca do feirante, o único produto que ainda não teve um aumento significativo foi o chuchu.
“Na verdade, a maioria dos produtos aumentou. Tirando o chuchu, os outros produtos aumentaram em média 80%.”, relatou o feirante à reportagem enquanto ainda arrumava as mercadorias.
Em outro corredor da feira, as frutas chamam a atenção no box do feirante Samuel Almeida. No entanto, além de belas, elas também estão custando mais caro assim como os produtos comercializados por Eric.
“Abacaxi, ameixa e maçã subiram muito. Está saindo bem mais caro pra mim. No caso do abacaxi ficou mais caro por causa da palha lateral para transportar a mercadoria”, explica o comerciante.
A situação não é diferente no Centro de Abastecimento da Bahia (Ceasa), que fica às margens da BA-526. Por lá, a frase “está tudo mais caro”, com certeza, é uma das mais pronunciadas pelos feirantes.
“Tomate, cebola, pimentão, em geral, está tudo mais caro. Só pra se ter uma ideia, a diferença do valor hoje da caixa da cebola e da cenoura chega a R$ 20 a mais do que eu pegava antes. Já o tomate a diferença é ainda maior, chega a R$ 50”, afirma o feirante Ícaro de Jesus.
De acordo com comerciantes do Ceasa, a caixa com 28 quilos de tomate chegou a custar R$ 180 no mês de dezembro, no entanto, para o alívio deles, e dos consumidores consequentemente, o preço caiu nos últimos dias. Hoje a caixa do produto custa entre R$ 120 a R$ 150.
Já na rede de supermercados Atakarejo, uma das maiores da Bahia, a alternativa para driblar a alta dos preços foi comprar os produtos em estados onde não ocorreram registros de chuvas.
“Como os nossos produtores perderam tudo que tinham de cebola, por exemplo, a gente correu para trazer de outros estados. Quando você corre para comprar em outro estado os preços desses estados se mantêm os mesmos porque foram locais que não foram afetados pelas chuvas. Esse é um dos motivos de não haver uma grande variação de preços aqui”, explica o diretor comercial e de marketing do Atakarejo, Milton Amorim.
Prejuízos e adoção de medidas
De acordo com o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), Humberto Miranda, além das enchentes o período da entressafra contribuiu para o aumento no preço do tomate relatado pelos feirantes da Feira de São Joaquim e do Ceasa.
Algumas culturas têm o período de safra onde os preços geralmente caem e têm o período da entressafra que os preços sobem. Claro que teve também o problema das enchentes porque algumas regiões que possuem produção de tomates foram afetadas pelas chuvas, mas esse aumento imediato do preço é mais pela questão da entressafra do que propriamente das enchentes.
Ainda conforme Miranda, a produção de leite também sofreu o impacto da chuva no interior da Bahia. Ele explica que os estragos causados pelas chuvas nas estradas, principalmente as vicinais, dificultaram a escoação do produto.
“Tivemos produtores de leite que foram extremamente afetados com os problemas nas estradas, falta de energia e a própria enchente que carreou toda a alimentação do gado nas regiões baixas. Os produtores ficaram muitos dias sem poder sair com as suas produções de leite para entregar”, afirma Humberto que assegurou ainda que apesar dos danos, a Bahia não corre risco de desabastecimento.
“A Bahia é um estado bastante diverso na sua produção agropecuária. Outras regiões do estado que não foram afetadas pelas chuvas continuam produzindo e suprindo o abastecimento de produtos”, tranquiliza.
Ele ressaltou ainda as ações desenvolvidas pela Faeb para amenizar os danos ocasionados pelo mau tempo para os produtores rurais como a distribuição de cerca de 30 mil cestas básicas e colchões.
No segundo momento vamos cobrar das políticas públicas para refazer as estradas para que o trânsito volte à normalidade para que as pessoas possam ir e vir para as propriedades e levar os seus produtos das suas atividades agropecuárias para serem comercializadas.
De acordo com o chefe de gabinete da Secretaria de Desenvolvimento Rural da Bahia (SDR), Jeandro Ribeiro, a recuperação das estradas citada por Humberto Miranda foi priorizada pelo governo do Estado.
“Adotamos como ação de emergência a recuperação das estradas vicinais, que são as estradas que dão acesso as propriedades rurais. Fizemos ontem uma reunião com o governador Rui Costa e ele já liberou isso com as nossas secretarias e agente já está em campo atuando”, assegura.
Segundo Ribeiro, desde a última quinta-feira (30), a SDR está realizando levantamentos em diversos municípios a fim de obter um número exato do prejuízo.
Só na cidade de Belo Campo choveu 430 milímetros em dois dias. O que costuma chover no ano lá são de 630 a 680 milímetros. Realmente, foi gigante o impacto das chuvas. Diferentemente da zona urbana onde os prejuízos afloram imediatamente, no ambiente rural temos um pouco de dificuldade principalmente por conta dos acessos.
O chefe de gabinete SDR acrescenta ainda que outra ação já adotada como prioridade foi a prorrogação do prazo de vencimento para quitação de débitos com o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) junto ao Banco do Nordeste.
“As operações que venceram no dia 30 de dezembro e as que irão vencer no dia 30 de janeiro de 2022, por exemplo, o produtor terá mais 12 meses para poder pagar, ou seja, automaticamente esses prazos foram prorrogados para quitação dos débitos”, enfatiza.
O que diz a Seagri
Procurada pela reportagem, a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura da Bahia (Seagri) afirmou que ainda não é possível mensurar os números relacionados às perdas econômicas, mas salientou que “já foi possível identificar que as perdas foram nas culturas de ciclos curtos, no extremo Sul; hortifrutigranjeiro, na região de Jaguaquara; e na cadeia produtiva do leite, pela impossibilidade de levar a produção para os laticínios porque as estradas estão intransitáveis”.
A Seagri esclareceu ainda que foi criado um grupo de trabalho para coletar informações e acompanhar os impactos causados pelas chuvas nos municípios atingidos, bem como para construir um plano de ação para atender as regiões mais afetadas.
A pasta afirmou que iniciou processo de aquisição de cerca de 60 equipamentos que serão entregues a prefeituras municipais e consórcios com vistas a minimizar os impactos causados a produtores rurais, como, por exemplo, abrir estradas para escoar a produção.
“O investimento nestas máquinas é de aproximadamente R$40 milhões. Com esse montante, serão adquiridos rolo compactador, escavadeira hidráulica, pá carregadeira e motoniveladora”, diz a nota
Outra frente de articulações, conforme a secretaria será junto às instituições financeiras no sentido de tentar facilitar o acesso às linhas de créditos destas instituições para os produtores rurais.
Setor cacaueiro
As fortes chuvas que caíram no estado dificultaram o acesso dos trabalhadores às plantações. Além dos alagamentos, estradas e pontes foram destruídas.
Em Ilhéus, conhecida pela produção de cacau, a sede da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), do Ministério da Agricultura (Mapa), chegou a ficar isolada.
Em Itajuípe, onde a atividade cacaueira também é forte. A zona rural da cidade foi fortemente afetada pelo temporal. O prefeito Marcone Amaral (PSD) destacou que o prejuízo dos produtores rurais é “incalculável”.
Já em Gandu, estima-se uma perda de mais de 6 mil sacas de 50 Kg de cacau que estavam estocadas, somando um prejuízo financeiro aproximado de R$ 5 milhões.
Os agricultores também temem que ocorra uma forte estiagem após as tempestades, retardando a recuperação das plantações.