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terça-feira 28 de dezembro de 2021 às 19:47h

Por que partidos de esquerda querem se juntar em federações em 2022

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Nas últimas semanas, partidos de esquerda passaram a discutir a possibilidade de criar federações partidárias a partir de 2022. Diferentemente das coligações, as federações segundo o Estadão, vão muito além da disputa eleitoral: criam uma “fusão” temporária entre as siglas envolvidas, que precisa durar pelo menos quatro anos. Para legendas menores, como a Rede Sustentabilidade e o PCdoB, o objetivo da federação é escapar das punições aplicáveis a quem não cumprir a chamada cláusula de barreira nas próximas eleições. Já partidos com mais representação no Congresso, como o PT e o PSB, veem no mecanismo uma possibilidade de obter mais cadeiras no Legislativo.

As federações partidárias serão uma das novidades das disputas de 2022. Foram criadas pelo Congresso em setembro deste ano, e regulamentadas por uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicada no último dia 14 de dezembro, sob a relatoria do presidente da Corte eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso. Assim como as coligações, a federação permite que os partidos atuem em conjunto no período eleitoral, inclusive somando os votos para conquistar mais vagas na Câmara e nas assembleias. Mas as semelhanças acabam por aí: a federação exige que as siglas continuem juntas, por, no mínimo, mais quatro anos.

Hoje, os partidos de esquerda somam 131 deputados federais, considerando as bancadas do PT (53 nomes), do PSB (31), do PC do B (8), do PSOL (9), do PDT (25), do PV (4) e da Rede (1). Por enquanto, a discussão mais avançada é sobre um bloco com PT, PSB, PC do B e PV; outra possibilidade é a união de PSOL, Rede e PCdoB. Dirigentes dessas legendas consideram que é possível alcançar o número de 200 deputados se o bloco incluir todas as siglas do campo, inclusive o PDT – que por enquanto está fora das conversas.

As projeções feitas pelos partidos consideram, por um lado, que o conjunto das agremiações passaria a ocupar um número maior das chamadas “sobras” partidárias, que são as cadeiras restantes no Legislativo depois da divisão feita por meio do quociente eleitoral. Por outro, há a ideia de que atuando em conjunto os partidos poderão concentrar recursos (dos fundos Partidário e Eleitoral) nos candidatos com mais chance em toda a coligação; e se beneficiar dos “puxadores de votos” em cada Estado. Alguns políticos consideram também que há um “efeito psicológico” em reunir todas as siglas em uma frente ampla contra o presidente Jair Bolsonaro (PL).

A disputa de 2022 será a primeira eleição geral sem coligações para os cargos de deputado estadual e federal. O advogado especialista em direito eleitoral Fernando Neisser explica que uma diferença muito marcante em relação às coligações é que a federação implica em que os partidos sejam consideradas uma legenda só em todas as instâncias do Legislativo, inclusive assembleias estaduais e câmaras municipais. “É uma liderança só; uma orientação só”, observa ele, que preside a comissão de direito político e eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

Para valer nas eleições de 2022, as federações precisam ser formalizadas na Justiça Eleitoral até seis meses antes da disputa, isto é, até 2 de abril do ano que vem. Ou seja: os partidos terão de decidir se formarão ou não a federação antes das convenções partidárias, nas quais as candidaturas são oficializadas. Em 2022, o período das convenções vai de 20 de julho a 5 de agosto, conforme calendário aprovado pelo TSE na semana passada. As candidaturas precisam ser registradas até o dia 5 de agosto.

“A aliança vale para o Brasil todo; e a partir daí eles estarão juntos em todas as eleições. Tanto na eleição geral, quanto nas nacionais dali a dois anos”, diz Neisser. “A Federação também tem que ter um estatuto comum, registrado no TSE, e um programa político comum”, afirma. “E se um partido sai da federação antes dos quatro anos, a punição é muito dura. Fica sem dinheiro do Fundo Partidário e não pode entrar em outra federação. Isso é para impedir que a federação seja usada como uma coligação disfarçada”, afirma o advogado.

Cláusula de barreira. Para partidos com bancadas pequenas no Congresso, como a Rede e o PV, a federação é uma forma de escapar das punições da chamada “cláusula de barreira”, uma regra segundo a qual só partidos com um determinado desempenho nas eleições terão acesso a dinheiro do Fundo Partidário e tempo de rádio e TV. Em 2022, o requisito é conseguir pelo menos 2% dos votos para a Câmara dos Deputados em todo o País, ou eleger o mínimo de 11 deputados federais em pelo menos nove Estados – desempenho muito superior ao destes partidos em 2018.

Líder da bancada do PT na Câmara, o deputado Bohn Gass (RS) afirma que a formação de uma federação de esquerda permitirá a apresentação de um programa de ao menos quatro anos, com identificação programática. “Vamos despersonalizar a política, tratando de compromissos mais coletivos”, diz ele. “Ao mesmo tempo tem uma questão prática, formal, que é o fato de cada partido, individualmente, ter as suas sobras. Somadas, elas dão condições de a gente ter mais parlamentares”, afirma.

Ele evita fazer estimativas de números, mas diz que uma das vantagens da federação é ocupar um espaço maior nas cadeiras da Câmara que vão para as chamadas “sobras”, isto é, os assentos remanescentes depois que a divisão das vagas é feita entre os partidos que alcançaram quociente eleitoral. Este é o número de votos exigidos para que um partido obtenha uma vaga numa eleição proporcional. Em outubro deste ano, o Congresso aprovou uma lei que muda os critérios de distribuição das “sobras”, excluindo da divisão os partidos que não obtiveram um número mínimo de votos.

O cálculo não é tão simples. “Imagine que você tem três partidos (num determinado Estado) e cada um tenha conquistado votos o suficiente para eleger 1,3 deputado. Se eles estiverem juntos (numa federação), isto significa que eles contam como um partido só, com 3,6 deputados. Terão três cadeiras e uma sobra. Na hora de comparar com a sobra dos outros partidos, a chance dessa federação ocupar a cadeira ‘da sobra’ é maior”, detalha o advogado Fernando Neisser.

O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, diz que há “amplíssima maioria” na bancada socialista no Congresso pela formação da federação com o PT – também há maioria entre os presidentes estaduais do PSB, e a proposta em discussão entre os dois partidos foi formulada pelos socialistas. “Tudo indica que estamos encaminhando no sentido de formar (a federação). Achamos que as perspectivas são boas”, disse o presidente do PSB, Carlos Siqueira. Além do PT, as negociações são para o grupo incluir, a princípio, o PCdoB e o PV.

Em dezembro, o Diretório Nacional do PT autorizou a Executiva do partido a negociar os termos da federação com o comando do PSB. Ao final de uma reunião de quase dez horas, 72 integrantes do Diretório petista se pronunciaram a favor de uma resolução que permite o início das negociações formais. Outras duas propostas contrárias à federação tiveram, juntas, 10 votos. A partir de agora, as negociações serão conduzidas pela presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR); pelo vice, o deputado José Guimarães (CE); e pelo secretário-geral, o também deputado Paulo Teixeira (SP). Ao fim, o Diretório Nacional terá de aprovar novamente a federação.

Uma decisão parecida já tinha sido tomada na semana passada pela Executiva Nacional do PSOL, que aprovou a abertura de conversas com os partidos Rede Sustentabilidade e PCdoB para analisar a possibilidade de formar uma federação. Dias antes da reunião, o presidente do PSOL, Juliano Medeiros, afirmou que a Rede tem “muita identidade” com as posições de sua sigla sobre questões ambientais. “O PCdoB é um tradicional partido de esquerda que também vê no diálogo com o PSOL uma possibilidade”, disse. “São sondagens informais até agora, mas ambas no sentido positivo de mostrar interesse em federar com o PSOL.”

Em nota, após a decisão da Executiva, o PSOL informou que a bancada do partido na Câmara “apoiou o projeto que cria as federações partidárias”. “Reconhecemos que essa é uma medida democrática diante das novas restrições da legislação eleitoral. Consideramos que as federações permitem, ainda, o enfrentamento da cláusula de barreira, medida antidemocrática criada para asfixiar os partidos ideológicos com a justificativa de combater a “pulverização” do sistema partidário brasileiro”, afirmou a sigla.

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