O primeiro voo comprovado de um avião capaz de decolar pelos próprios meios foi realizado pelo brasileiro Alberto Santos Dumont a bordo do 14-Bis, em 23 de outubro de 1906 no campo de Bagatelle, em Paris, na França. Quatro anos depois, por ironia do destino, coube a um francês executar o voo inaugural de uma máquina mais pesada do que o ar no Brasil.
O primeiro avião inteiramente projetado em solo brasileiro foi construído por Dimitri Sensaud de Lavaud, inventor francês radicado no Brasil. O aeroplano, batizado como “S. Paulo”, voou em Osasco, no estado de São Paulo, há mais de um século, no dia 7 de janeiro de 1910. O voo aconteceu diante de um grupo de curiosos e jornalistas onde hoje fica localizada a avenida dos Autonomistas.
Na edição do dia 8 de janeiro, o jornal “O Estado de São Paulo” descreveu a façanha do inventor francês, dizendo que ele conseguiu “realizar um voo, na extensão de 103 metros em 6 segundos e 18 milésimos, numa altura que variou entre dois e quatro metros.”
O artigo também detalhou o projeto do avião, que foi construído apenas com matéria-prima brasileira. O motor de 45 hp foi fundido e usinado na capital paulista, e a estrutura do avião, com 10,2 metros de comprimento por 10 metros de envergadura, usava madeira de pinho e peroba coberta por cretone (um tipo de tecido) envernizado.
Ainda segundo a publicação, Lavand construiu seu aeroplano inspirando-se nas linhas do “Blériot” (projetado pelo aviador francês Louis Blériot), um dos primeiros aviões do mundo de uso civil e militar.
Apesar da decolagem bem-sucedida após uma corrida de 70 metros por uma ladeira, o que aconteceu em seguida com o S. Paulo pode ser considerado o primeiro acidente aéreo do Brasil. “Nesse ponto o motor, terrível traidor dos aeronautas, que já proporciou a Lathan (Hubert Latham, primeiro aviador que tentou cruzar de avião o Canal da Mancha, entre a França e a Inglaterra) um inesperado banho em plena Mancha, para de repente e o aparelho cai sobre as rodas, amassando-as.”
Mesmo com o avião avariado no pouso brusco, o feito de Lavand, que não se feriu no incidente, foi considerado na época um “êxito retumbante”, como descreveu o historiador aeronáutico Roberto Pereira de Andrade no livro “Construção Aeronáutica no Brasil”. O voo do avião de Lavand também foi o primeiro da América Latina, um dia antes de Alberto Braniff, aviador mexicano que voou nos arredores da Cidade do México com um monoplano Voisin importado da França.
Uma semana após o voo em Osasco, o S. Paulo, devidamente reparado, foi exposto na entrada do antigo Cine-Teatro Polytheama, no centro de São Paulo. Mais adiante, Lavand executou outros voos com o monoplano, sendo o mais notório deles no Jockey Club de São Paulo. Posteriormente, o inventor francês vendeu seu avião a um desconhecido, que se acidentou com o aparelho e morreu.
Inventor dedicado
O aeroplano S. Paulo foi apenas um dos diversos projetos de Dimitri Sensaud de Lavaud, que teve mais de 1.200 patentes registradas. Cidadão francês nascido na Espanha em 1882, o inventor estudou em colégios tradicionais na França, Grécia e Turquia antes de desembarcar no Brasil com seus pais, em 1903, fixando-se em Osasco, que naquela época ainda era um bairro de São Paulo.
A invenção mais famosa de Lavaud foi o câmbio automático para automóveis, o que lhe rendeu o prêmio Montyon de Engenharia da Academia de Ciências de Paris, em 1927. Ele criou ainda o primeiro sistema diferencial de tração independente para veículos blindados, um equipamento hoje comum em veículos 4×4.
O inventor francês também foi pioneiro no desenvolvimento de turbinas a gás e foguetes. Sua última invenção, registrada em 1946, foi a embreagem elétrica.
De volta à França na década de 1940, Lavand acabou preso após a ocupação da Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Após a libertação de Paris pelas forças Aliadas em 1944, o inventor voltou para a prisão depois de ser acusado de ter colaborado com os inimigos, suspeita que nunca foi comprovada.
Lavand seria solto somente em 1946, aos 64 anos de idade e com a saúde bastante fragilizada, vindo a morrer no ano seguinte empobrecido e desacreditado.