A menos de um ano do próximo pleito presidencial, não só a disseminação de desinformação no WhatsApp continua sendo um desafio como outra ferramenta tem ganhado espaço e se tornado alvo de preocupação de especialistas: o Telegram.
Em relação aos disparos em massa, embora o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tenha proibido a prática após as eleições de 2018 e o próprio WhatsApp vete em suas regras o envio automatizado, serviços terceirizados seguem sendo oferecidos na internet.
Outra lacuna apontada por especialistas é diminuir as possibilidades de viralização dos próprios aplicativos, algo visto como um problema ainda maior no caso do Telegram.
Entenda o que se sabe, o que mudou de 2018 para cá e quais os desafios até 2022.
DISPAROS EM MASSA
Depois de reportagens da Folha revelarem em 2018 que empresas estavam comprando pacotes de disparo de mensagens em massa contra o PT no WhatsApp, no ano seguinte o TSE proibiu a prática.
O uso de envio massivo ou automatizado, porém, já era vedado pelos termos de uso do próprio WhatsApp. Tanto é que a empresa admitiu ter banido mais de 400 mil contas do Brasil naquelas eleições por terem violado suas regras. Os dados vieram a público na CPMI das Fake News.
Quase três anos depois das eleições, o TSE julgou ações que pediam a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão com base nos casos revelados. As ações foram rejeitadas. Corregedores do TSE, contudo, negaram diversos pedidos de produção de prova e oitivas de testemunhos
Apesar do resultado, os ministros mandaram recados explícitos para 2022 durante o julgamento e firmaram entendimento de que a participação em esquema de disparo em massa de fake news é passível de cassação do mandato.
Qual o impacto da proibição dos disparos em massa? Apesar da proibição do TSE e de serem vedados pelo WhatsApp, os disparos seguiram acontecendo em 2020, como mostrou reportagem da Folha. Não se sabe, porém, a dimensão deste uso.
Basta uma rápida pesquisa na internet para encontrar diversos anúncios oferecendo pacotes de disparo em massa. O WhatsApp inclusive move ações judiciais contra empresas que oferecem esse tipo de serviço.
Para especialistas, a falta de punição serve de incentivo tanto para que campanhas sigam utilizando o mecanismo quanto para que empresas continuem oferecendo o serviço.
“Eu me pergunto: qual foi o resultado dessa previsão na eleição de 2020? O TSE de fato puniu candidaturas que se utilizaram de disparo em massa? Isso melhorou a qualidade da disputa eleitoral?”, questiona Paulo Rená, que é professor de direito no UniCeub e integrante da Coalizão Direitos na Rede.
Para Thiago Tavares, presidente da SaferNet, entidade de segurança cibernética, é importante tanto punir aqueles que fazem uso dos disparos em massa como cortar os incentivos econômicos para os intermediários.
“O que aconteceu com as empresas que anunciaram disparo em massa no período eleitoral?”, pergunta.
“Se não há uma sanção para este tipo de atividade que é ilícita —a resolução do TSE definiu que é ilícito—, mas não há sanção aplicável, ou ninguém foi punido por isso, significa dizer que há um incentivo econômico para que essa atividade ilegal continue a acontecer.”
Em 2020, o WhatsApp figurou como um dos parceiros do TSE no programa de enfrentamento à desinformação e implementou um canal de denúncias de disparo em massa exclusivo.
No contexto da parceria, 1.042 contas reportadas pelo canal de denúncia foram banidas. Ao todo, porém, o número de contas banidas foi muito maior —a empresa baniu mais de 360 mil no Brasil de setembro a novembro daquele ano.
O que esse número indica? Além dos dados do período eleitoral, não há uma divulgação contínua do número de contas banidas pelo WhatsApp no Brasil ou em outros países.
Uma exceção é a Índia, onde, em resposta a uma nova lei, a empresa passou a publicar estes dados e revelou remoções de mais de 3 milhões de contas em períodos inferiores a dois meses.
“Esses números revelam que há sim tentativa persistente de manipulação da plataforma”, avalia Tavares, da SaferNet.
A versão do projeto de lei das fake news aprovado em grupo de trabalho da Câmara busca tornar obrigatória a publicação desses dados pelas empresas.
E o Telegram? Apesar de o WhatsApp continuar sendo o aplicativo com maior número de usuários no Brasil, o Telegram tem aumentado sua fatia do bolo.
Conforme mostrou a Folha, em 2018, apenas 15% dos celulares no Brasil tinham o aplicativo instalado, número que cresceu para 45% atualmente. Já o WhatsApp está em praticamente todos os aparelhos no país.
Além disso, Jair Bolsonaro é líder na plataforma. Em outubro, seu canal atingiu a marca de um milhão de inscritos. Até o momento, seu principal rival, Lula, não atingiu os 50 mil seguidores.
Em seus termos de serviço, o Telegram prevê que os usuários podem ter suas contas limitadas por envio de spam.
No entanto, ao contrário do WhatsApp, a empresa não diz realizar uma detecção proativa de contas de spam. Pelo contrário, o Telegram informa em seu site que a limitação de contas se dá após análise de moderadores humanos, a partir de mensagens denunciadas.
Além disso, o aplicativo permite a criação de grupos de até 200 mil integrantes e facilita o uso de ferramentas automatizadas, pois permite a integração de serviços de terceiros à sua aplicação.
A empresa tampouco colabora ou responde a autoridades. De origem russa e baseado em Dubai, nos Emirados Árabes, a empresa não tem representante legal no Brasil e, de acordo com o TSE, não respondeu às tentativas de contato do órgão.
Uso indevido de dados pessoais
Para viabilizar a realização de disparos em massa, é preciso ter em primeiro lugar listas de contatos para o envio.
Em 2018, a Folha revelou que, além de usarem CPFs de idosos para registros de chips, as agências de marketing utilizavam bancos de contatos comprados, algo que já violava as regras, dado que a legislação eleitoral já proibia a compra de base de terceiros, só permitindo o uso das listas de apoiadores do próprio candidato.
Estratégias mais sofisticadas podem envolver a raspagem de dados de redes sociais, por exemplo, para o envio de conteúdos direcionados por grupos de afinidades.
Como será nas próximas eleições? Poucos meses antes das eleições de 2020, entrou em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira, que se aplica não só a partidos, mas aos mais diferentes segmentos, como empresas e o setor público.
Mariana Rielli, que é formada em direito e pesquisadora da associação Data Privacy Brasil, explica que a LGPD impõe uma série de regras, procedimentos e princípios a que os atores envolvidos nas campanhas têm que se adequar.
Rielli ressalta que é preciso avançar e que falta muita transparência sobre como os dados das pessoas são usados. “O cidadão não tem a menor ideia de quais são esses atores que estão usando seus dados e porque uma determinada mensagem, mais específica, está chegando para essa pessoa”, diz.
Especialistas destacam também que ainda há muitas dúvidas quanto à aplicação da lei no contexto eleitoral.
Além disso, 2022 será o primeiro pleito em que estará valendo a possibilidade de sanções a quem descumprir as regras —que podem chegar a multas de R$ 50 milhões.
Um dos problemas neste caso é que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável por aplicar as penalidades, acabou ficando subordinada ao governo federal, o que é visto como problemático, já que partidos no poder podem ser parciais e buscar favorecer ou prejudicar determinados candidatos.
Estrutura
Desde 2018, o WhatsApp vem adotando o que é chamado de mecanismos de “fricção”, para tentar diminuir o nível de viralização da plataforma.
As primeiras mudanças ocorreram na Índia após uma onda de linchamentos motivados por fake news divulgadas pelo aplicativo. O limite de encaminhamento de uma mesma mensagem passou a ser de cinco contatos ou grupos, o que depois foi aplicado mundialmente.
A empresa criou também o conceito de “encaminhado várias vezes”, em que a mensagem recebe uma seta dupla e só pode ser encaminhada para até um contato ou grupo por vez.
Para o professor de ciência da computação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Fabrício Benevenuto, apesar de positivas, essas alterações por si só não vão evitar que o aplicativo continue a ser um vetor de desinformação em 2022.
“As mudanças foram benéficas, porém elas ainda podem permitir com que o WhatsApp seja explorado da mesma maneira para compartilhamento de conteúdo durante o período eleitoral, durante toda a corrida eleitoral do ano que vem”, diz.
Desde 2018, Benevenuto comanda o WhatsApp Monitor que, por meio do monitoramento de grupos públicos, ajuda a desvendar um pouco sobre como se dá o compartilhamento de fake news no WhatsApp. Para 2022, a iniciativa da UFMG está sendo expandida para o Telegram.
Se as possibilidades de viralização no WhatsApp já são motivo de preocupação, no caso do Telegram, elas têm acendido um alerta vermelho para o ano que vem.
Enquanto no WhatsApp cada grupo comporta até 256 usuários, o Telegram permite até 200 mil membros. Ambos têm a possibilidade de criação de grupos públicos ou privados.
Já os canais de transmissão do Telegram, que se assemelham a redes sociais, não têm limites de usuários. Aliado a isso, a moderação de conteúdo feita pela empresa é pouco ou nada expressiva, ficando restrita a casos de terrorismo.
Apesar de não ter canais, o WhatsApp possui as listas de transmissão. Ainda que elas tenham como teto o disparo para 256 usuários por vez, há um aspecto bastante criticado das listas: quem recebe a mensagem não sabe que faz parte dela. Isso porque o conteúdo chega como uma mensagem normal dentro do chat com o contato que enviou.
Regras para diminuir a capacidade de viralização em aplicativos de mensagem estão sendo discutidas no projeto de lei das fake news, que pode ser votado em 2022 na Câmara. Por ora, não há qualquer regra a que as empresas devam obedecer sobre o tema.
Paulo Rená é cético em relação ao impacto das medidas que buscam diminuir a capacidade de viralização, pois avalia que elas são facilmente burláveis. Para ele, é preciso mais dados para avaliar a eficácia das medidas
“A proibição do disparo em massa foi mais ou menos eficiente do que o WhatsApp colocar o [limite para] encaminhamento frequente? O que foi melhor? A gente não sabe, a gente não tem nem como comparar”, afirma.