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segunda-feira 29 de novembro de 2021 às 05:07h

Presidente eleito ou reeleito em 2022 enfrentará maior risco desde o Plano Real

NOTÍCIAS, POLÍTICA


O próximo presidente da República enfrentará o mais complexo desafio econômico desde o Plano Real: reformar o Estado para que ele caiba no Orçamento, abortando a deterioração em curso —com baixo crescimento, alta do dólar, da inflação e da dívida pública.

Segundo a Folha apurou, há consenso nas equipes dos prováveis candidatos à Presidência de que a consolidação fiscal será a prioridade em 2023. Sem ela, o país continuaria em uma crise permanente ou mais grave que a atual, minando rapidamente o capital político de quem for eleito.

A divergência está em como alcançá-la: mais rápido ou em um período estendido, com regras para que o Brasil volte a gerar superávits primários para estabilizar ou reduzir a dívida pública.

Em nenhum outro período desde o Plano Real (1994), o Brasil cresceu por vários anos seguidos e gerou empregos como nos anos em que produziu superávits primários —o saldo a mais entre o que o setor público arrecada e gasta, exceto a despesa com juros da dívida pública.

Com poucas exceções, os melhores anos para a economia se deram entre 1998 e 2013, período em que o Brasil enfrentou crises internacionais e domésticas sem impactos de longo prazo. No auge, em 2010, o país chegou a crescer 7,5%, com a inflação sob controle.

Desde 2014, no entanto, o Brasil acumula déficits primários, o que levou a uma explosão do endividamento público. O resultado tem sido o baixo crescimento e o aumento do desemprego e da pobreza extrema.

Para tentar controlar o gasto, o Brasil tem desde 2016 o chamado teto de gastos, que limita o aumento da despesa à inflação. Mas essa regra está sendo burlada agora com a aprovação da PEC dos Precatórios, que possibilitará gastos “extra teto” superiores a R$ 106 bilhões.

Assim como no Plano Real, que domou a hiperinflação, a consolidação fiscal demandará atacar várias frentes. Repetindo a experiência do plano antiinflacionário, o destino da reforma fiscal pode determinar o futuro do país nos próximos anos.

Mas, segundo especialistas, ao contrário de mudanças cruciais recentes —como a reforma da Previdência (2019) ou a lei que instituiu o teto (2016)— desta vez não se trata só de aprovar uma ou outra PEC (propostas de emenda à Constituição). Mas de construir acordos políticos e sociais para mexer com grupos de interesse.

Entre eles, sindicatos ligados ao funcionalismo público, que resistem a uma reforma administrativa; empresas e setores que absorvem o equivalente a cerca de 4% do PIB (R$ 320 bilhões/ano) em subsídios; e parlamentares, que se apropriam cada vez mais de recursos do Orçamento com emendas para suas bases.

À frente da equipe econômica de Jair Bolsonaro (sem partido), o ministro Paulo Guedes (Economia), afirmou na semana passada, em audiência no Congresso, que o furo no teto foi consequência de decisão “da classe política”. Mas que seguirá perseguindo a consolidação fiscal.

Guedes promete entregar a despesa primária do governo (sem contar juros) em 18,4% como proporção do PIB no último ano de governo —um pouco abaixo dos 19,5% de 2019.

Recentemente, auxiliares do ministro chegaram a propor ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que encampasse a articulação política em torno de um grande ajuste. Mas a ideia não prosperou diante da decisão de Pacheco de apresentar-se como candidato à Presidência no ano que vem.

O economista Affonso Celso Pastore, articulador do programa de Sergio Moro (Podemos), também sinalizou que a construção de um novo arcabouço fiscal será prioridade. Segundo ele, o programa de Moro deve se dar em torno desse objetivo.

No PT, que deve ter Luiz Inácio Lula da Silva candidato, há reconhecimento de que os melhores anos do partido na Presidência foram aqueles em que o país gerou superávits primários.

Segundo o economista Nelson Barbosa, ligado ao partido (mas que diz não falar em nome do PT), a necessidade da consolidação fiscal “vai se impor”.

“Quem vencer no ano que vem terá de reduzir a incerteza. A dúvida é se a consolidação fiscal será pró-povo ou pró-mercado”, afirma Barbosa, que é colunista da Folha.

No primeiro caso, diz, poderia haver aumento do gasto em 2023 para reforçar programas sociais, mas que seriam cobertos por economia em outras áreas ou aumento da arrecadação a partir de mudanças na tributação.

Conselheiro de Ciro Gomes (PDT), o economista Mauro Benevides defende alterar o atual teto de gastos, retirando da conta os investimentos públicos, que passariam a variar de acordo com a receita.

Mas Benevides defende a consolidação fiscal e já sugeriu corte de 15% em subsídios tributários a empresas e a taxação de dividendos para aumentar a arrecadação.

O economista Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, é um dos que defendem até algum aumento da carga tributária no caminho da consolidação fiscal.

“Após a eleição, vai ficar mais claro quanto a sociedade vai querer gastar. Pode-se mudar o teto, mas será preciso aprovar reformas que garantam a sustentabilidade das contas públicas”, diz Pessôa, também colunista da Folha.

“Parece haver um consenso. A discussão é sobre a composição do ajuste, com mais carga tributária ou a partir de um enxugamento do Estado.”

Para o economista e ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, “na campanha eleitoral, os candidatos vão fazer o de sempre [promessas que demandam gastos]. Mas, no privado, vão ‘beijar a cruz’ [da austeridade fiscal]”, acredita.

“O que não está claro é como fazê-lo. E não podemos nos iludir de que isso se faz da noite para o dia; ou que três pontos [percentuais] a mais de superávit resolvem. Será preciso rever prioridades em um Estado que gasta 79% com folha salarial e Previdência”, diz Fraga, que também assina coluna no jornal.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, afirma que, dada a fragmentação partidária atual, o próximo presidente terá dificuldades políticas enormes para obter consenso em torno de um novo arcabouço fiscal.

“Em 2002, quando tínhamos uma crise de confiança e Lula venceu, ele manteve a austeridade e os superávits com uma base suprapartidária, com PT, PSDB, [e os então] PMDB e PFL. Havia também a pressão externa do FMI [o Brasil era devedor no Fundo] e um clima internacional reformista. Isso não está presente agora”, afirma.

Vale acredita, no entanto, que o tamanho da dívida pública e os oito anos consecutivos de déficits primários (desde 2014) levarão a “alguma acomodação” em 2023. “Nada muito relevante e duradouro, mas é possível que haja um freio de arrumação de curto prazo”, afirma.

Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria, também não aposta em reformas ambiciosas que levem a uma consolidação fiscal mais profunda e permanente.

“No geral, a classe política não parece preparada para esse tipo de discussão, de revisar as bases de gastos, como os sociais ou em saúde e educação. O normal tem sido sempre mudar as regras para poderem gastar mais”, afirma.

A Tendências já abandonou a estimativa de que o Brasil deixaria de ter déficits primários a partir de 2025 —sobretudo por causa da expectativa de crescimento menor da economia em 2022 e do furo no teto de gastos provocado pela PEC dos Precatórios.

Para Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, um ponto positivo é que tem ficado claro que “a sociedade não tolera mais inflação elevada”.

Embora tenha causas ligadas à pandemia e ocorra em vários países, o surto inflacionário brasileiro tem relação direta com a disparada do dólar, que já subiu quase 45% desde que o início do governo Bolsonaro —pressionando commodities como alimentos e petróleo.

A constante instabilidade política provocada pelo presidente e as dúvidas sobre a sustentabilidade das contas públicas têm levado investidores a se proteger no dólar. Agora, com a alta dos juros em curso, a dívida pública subirá mais rápido, podendo deteriorar um quadro já muito desfavorável.

“Parece bastante claro que o Brasil terá de recuperar a disciplina fiscal. Apesar dos discursos [que possam ter na campanha], os candidatos sabem que esse é o elemento fundamental”, diz Latif.

A economista lembra, no entanto, que a aplicação do teto não evitou “a má gestão fiscal” recente. E mesmo que medidas complexas e abrangentes sejam tomadas, o Brasil terá mais dificuldade do que no passado para sustentar um crescimento mais elevado.

“Na comparação com outras crises [como em 2002 e 2015-2016], o Brasil não tem mais o mesmo bônus demográfico [percentual de jovens entrando na força de trabalho], os indicadores de qualidade no ensino médio estão estagnados e a taxa de desemprego estrutural ficará mais alta. Tudo isso reduz o crescimento potencial do país”, diz Latif.

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