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segunda-feira 15 de novembro de 2021 às 19:08h

Demanda aquecida por commodities gera benefícios e desafios ao Brasil

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Os dados de setembro do Índice de Comércio Exterior (Icomex) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) reforçaram uma tendência de anos: o aumento da participação de commodities nas exportações do Brasil. Naquele mês, 69,7% de todas as exportações foram de produtos ligados às commodities.

O valor foi o maior na série histórica do índice, que começou em 1998, com soja, petróleo e minério de ferro sendo responsáveis por mais de 40% das exportações. Para especialistas, o cenário reflete uma demanda global de alta e traz benefícios para o Brasil.

Entretanto, também gera desafios. O primeiro é lidar com a crescente perda de espaço da indústria de transformação. Além disso, questões ambientais e uma dependência da China, grande importadora de commodities, são riscos para a economia brasileira.

O caminho até os 70%

A expansão das commodities nas exportações do Brasil está ligada tanto a fatores de curto como de longo prazo. Pensando apenas no ano de 2021, a retomada econômica com recuperação após a pandemia gerou um grande aumento na demanda por esses produtos.

“Há um crescimento mundial na demanda, e ela sempre anda na frente da oferta. A produção de soja, por exemplo, cresceu no Brasil, mas também no Canadá, Estados Unidos, Rússia, exatamente pela demanda mundial”, afirma Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira de Agronegócio (Abag).

Outra commodity de peso na pauta exportadora brasileira, o minério de ferro, também refletiu essa demanda. Segundo Flávio Penido, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), as exportações do minério já são 110% maiores em relação ao mesmo período de 2020, totalizando US$ 36,5 bilhões até 30 de setembro.

“A China atrai 60% das nossas exportações de minério, e foi afetada pela pandemia em um primeiro momento, reduziu a produção de aço, o que reduziu a importação de minério e o preço caiu”, diz.

Entretanto, quando o país tomou medidas para conter a pandemia e aquecer a economia, o cenário mudou, com a construção civil crescendo, a demanda por minério subindo e o preço aumentando.

Apesar disso, a China chegou a paralisar alguns fornos de produção de aço como parte de suas políticas de redução de poluição. Com isso, a demanda caiu e os preços têm sido ajustados. Do pico de US$ 220 por tonelada, a expectativa é que o preço médio em 2021 seja de US$ 160.

Exportação de minério de ferro foi beneficiada por alta recente no preço
Exportação de minério de ferro foi beneficiada por alta recente no preço / REUTERS/David Gray

“A demanda, seja de qualquer produto, tem que ser atendida pelo mercado, não pode guardar produtos, não oferecer ao mercado, tem que gerar emprego, ter impostos. A atividade econômica faz com que a economia gire. Isso se aplica a qualquer commodity, temos que atender”, considera Penido.

Já pensando em um período maior, a China também foi um fator essencial para essa expansão das commodities. “Desde a década de 1990, ela tem aumentado as exportação, o que demanda minérios, proteínas, soja, e isso repercutiu favoravelmente para o Brasil em termos de demanda”, diz Dante Mendes Aldrighi, professor da FEA-USP.

Luciano Nakabashi, professor da FEA-RP-USP, afirma que o desenvolvimento tecnológico também foi importante para a expansão do agronegócio no Brasil, em especial no Centro-Oeste. “Foi uma expansão bastante significativa, que envolveu plantar especialmente soja em regiões onde antes não era possível”.

O professor lembra que o Brasil também é um país com muita terra e recursos naturais, o que também se tornou uma vantagem competitiva.

As oportunidades

O crescimento da parcela das commodities na exportação liga-se aos superávits comerciais do Brasil, ou seja, o país exporta mais do que importa. O minério de ferro, por exemplo, é responsável por quase 50% do superávit, segundo o Ibram.

“É importante exportar até para gerar divisas, há uma tendência de que a economia mundial se expanda, em especial nas relações comerciais entre países. Se exporta mais, pensando nas cadeias globais, mais nos inserimos nelas, e especializamos em partes delas”, afirma Nakabashi.

Para o professor, o cenário também permite importar mais, por exemplo, maquinário para a indústria, e aumenta a disponibilidade de produtos para a população. Desse modo, o país consegue compensar a falta de especialização em certas áreas.

Outra vantagem é que, quando um bem é exportado, o exportador traz o valor da venda de volta para o Brasil, e então é tributado. Ou seja, quanto maior o superávit comercial, melhor para a arrecadação.

Aldrighi considera que um governo poderia traçar políticas de investimento e desenvolvimento partindo dessa arrecadação maior, e investindo em áreas como educação e infraestrutura, mas nem sempre esse é o caso.

“É importante exportar porque se a economia fica baseada na exportação, a economia fica menos dependente da economia interna, pode expandir produção pela demanda mundial. O Brasil é voltado para si próprio, então o crescimento depende mais da renda dos brasileiros. O peso das exportações é baixo, cerca de 15% no PIB”, diz.

O presidente da Abag considera que o Brasil também tem outra oportunidade importante pensando nas commodities: a de levar tecnologia e inovação para propriedades menores.

“O agronegócio exportador se concentra em cerca de 20,25% das propriedades, o resto ainda produz para o mercado local, com pequenos produtores. Eles estão longe do acesso à melhor tecnologia, semente, inovação e financiamento”, diz.

Com investimentos nesse sentido, o Brasil seria capaz de “transformar um desafio em oportunidade”, e inserir ainda mais quase 4 milhões de propriedades rurais na economia.

Ele afirma que a expectativa atual é de mudança nos modelos de produção de alimentos como forma de conter as mudanças climáticas, e será necessário acompanhar esse processo para se beneficiar.

Já em relação à mineração, o presidente do Ibram afirma que a expectativa é de alta nas exportações nos próximos anos. “Existe toda uma tendência de usar minerais estratégicos para baterias, usar aços mais leves como lítio e nióbio. A perspectiva do Brasil é de ser um grande fornecedor desses materiais, domesticamente e no exterior”, diz.

Ele destaca que o solo brasileiro ainda é pouco conhecido, com apenas 4% da área total mapeada em relação a jazidas. Ao mesmo tempo em que é um agente limitador, a expansão desse conhecimento permitiria aumentar ainda mais as exportações brasileiras.

O ganho maior é pensando em geração de empregos, impostos e taxas. Isso tudo faz a economia girar. Falando em minérios em geral, podemos ver que os municípios mineradores tem um benefício com a mineração, pelos royalties. De cada 10, 7 tem um IDH superior ao do estado”, afirma.

Os desafios

Nakabashi considera que uma das principais desvantagens de uma dependência maior de commodities é a grande oscilação de preços, mais do que de produtos industrializados. “As exportações variam pelos preços. E quanto mais concentradas em poucos produtos, maior esse efeito, além de gerar uma dependência de poucos mercados consumidores, como a China”.

Além disso, a variação dos preços das commodities está ligada a um mercado global, ou seja, um acontecimento em outro país, como um evento climático reduzindo produção, afeta o preço em todos os países.

O professor também considera que, em geral, o agronegócio “espalha menos a riqueza” em momentos de alta nos preços das commodities em comparação a outros setores. A indústria de transformação, por exemplo, tem capacidade de gerar mais empregos se estiver em expansão.

Já o presidente da Abag considera que não é um problema o Brasil ser um grande produtor e exportador de uma quantidade limitada de produtos, uma especialização comum entre países. O problema, segundo ele, é o fato de o país ainda não conseguir estruturar o uso de terra para diversificar ainda mais sua produção, aproveitando um potencial que já existe.

Ele também aponta que, apesar do agronegócio ser bastante associado com o desmatamento ilegal, os números mostram que a relação entre os dois tem caído, com o agro ocupando mais áreas de pasto.

“Desmatamento ilegal, como diz o nome, é uma questão de polícia, se é alto, envolve falha do Estado, da Justiça, em não coibir a criminalidade que patrocina essa criminalidade”, afirma.

Desmatamento Amazônia
Desmatamento na Amazônia pode afetar produção e exportação de produtos agrícolas / Victor Moriyama/Amazônia em Chamas/Divulgação Greenpeace

Ele diz que “avançar em floresta é avançar em áreas que não são aptas para a agricultura, menos de 5% da agricultura brasileira vem da Amazônia. O desmatamento liga-se mais à pecuária”.

Mesmo assim, ele considera essencial uma política para conter o desmatamento ilegal, principalmente na Amazônia. Isso seria importante não apenas para melhorar a reputação do Brasil e evitar perda de mercado, mas também para regularizar os fluxos de chuva que surgem da Amazônia e vão para as principais áreas produtoras do país.

Brito afirma que as mudanças climáticas ainda são as maiores ameaças ao setor no curto e médio prazo, com um aumento em eventos extremos como secas e geadas que prejudicam a produção.

No setor de mineração, a preocupação ambiental também está presente. Flávio Penido afirma que “a mineração aqui sempre teve um cuidado em relação ao meio ambiente, e devido aos acontecimentos recentes, ela duplicou, triplicou”.

Segundo ele, as empresas do setor tem investido em formas de reduzir consumo de energia, consumir menos água, usar barragens menores e aumentar a inclusão de gênero e social. “Hoje não existe escolha entre adotar ou não o ESG, é uma questão que as empresas terão que adotar, até para sobreviver, já é algo demandado pelo setor financeiro”.

Ele aponta que o setor enfrenta como maior risco a dependência com a economia da China. Quedas na demanda do país, por exemplo devido à crise energética atual e seus efeitos na produção, impactam diretamente o setor e, por consequência, as exportações brasileiras. Outro caso recente foi a suspensão de importação de carne bovina.

“Fornecemos praticamente para o mundo inteiro, Japão, Europa, somos bastante competitivos, mas pelo gigantismo, a China é o maior”, diz o diretor do Ibram.

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