A filiação de Sergio Moro ao Podemos, nesta quarta-feira (10), e a cogitada candidatura dele à Presidência em 2022 se converteram em uma espécie de celebração do legado da Lava Jato, enquanto nos bastidores o juiz-símbolo da operação busca contornar entraves no universo político.
Movimentos que apoiaram as investigações conduzidas pelo ex-magistrado em Curitiba, políticos de outras legendas e presidenciáveis de centro-direita que tentam costurar a chamada terceira via foram convidados para o ato em Brasília, que marcará a entrada formal de Moro na política partidária.
No novo papel, um dos desafios do ex-juiz e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro será o de exibir domínio sobre temas além da pauta de combate à corrupção, com a qual ascendeu no debate público desde 2014 —como herói ou vilão, a depender do ponto de vista.
Ele não deve assumir formalmente seu ingresso na disputa presidencial, hoje polarizada entre Jair Bolsonaro (que deve se filiar ao PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas discursará como pré-candidato ao Planalto. A fala, segundo auxiliares, vai girar em torno de propostas para o Brasil e da bandeira de um país mais justo para todos.
Se confirmadas as três candidaturas, Moro enfrentará os arquirrivais Lula —que foi condenado e preso por ele quando era juiz, tirando-o do pleito de 2018— e Bolsonaro —com quem rompeu ao se demitir do ministério em abril de 2020, acusando o ex-chefe de tentativa de interferência na Polícia Federal.
Neste ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou Moro parcial nos processos em que atuou como juiz federal contra Lula. Com isso, foram anuladas ações dos casos tríplex, sítio de Atibaia e Instituto Lula pela Lava Jato.
Diferentes pontos levantados pela defesa do petista levaram à declaração de parcialidade, como condução coercitiva sem prévia intimação para oitiva, interceptações telefônicas do ex-presidente, familiares e advogados antes de adotadas outras medidas investigativas e divulgação de grampos.
A ida para uma cadeira no ministério de Bolsonaro também pesou, assim como os diálogos entre integrantes da Lava Jato obtidos pelo site The Intercept Brasil e publicados por outros veículos de imprensa, como a Folha, que expuseram a proximidade entre o juiz e os procuradores da Lava Jato.
Em resumo, Moro indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre Lula, orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.
O ex-magistrado sempre repetiu que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, ainda que fossem verdadeiras, não contêm ilegalidades.
Com uma imagem incontornavelmente associada à Lava Jato, Moro tem na operação um trunfo e um ponto fraco: se em partes do eleitorado o trabalho do ex-juiz é o chamariz para atrair votos, no leque de potenciais aliados políticos sobram mágoas entre aqueles que foram alvos de apurações.
Interlocutor de Moro e um dos que trabalham para a consolidação de uma alternativa a Bolsonaro e Lula, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) diz que quebrar resistências partidárias é um dos obstáculos para o ex-magistrado, mas o jogo para ele ainda vai começar para valer.
“Ele está começando a fazer agora o que a gente vem fazendo há muito tempo”, afirma, em alusão aos 11 pré-candidatos que orbitam na terceira via. “Ele [Moro] estava impedido [por razões contratuais com a consultoria Alvarez & Marsal]. Agora vamos ver qual a visão dele para economia, saúde, educação.”
Mandetta, que defende um afunilamento desse campo e a necessidade de composições, ecoa em parte a cautela adotada por outros agentes políticos diante da hipótese Moro.
Até aqui nenhum dos candidatos do polo contrário a Bolsonaro e Lula tem se mostrado competitivo. A mais recente pesquisa Datafolha, divulgada em setembro, mostra o petista com 44% das intenções de voto contra 26% de Bolsonaro no primeiro turno.
Ciro Gomes (PDT) aparece com 9%, João Doria (PSDB) tem 4% e Mandetta, 3%. No último levantamento do instituto que testou o nome do ex-juiz, em maio, ele apareceu com 7% das intenções de voto, empatado tecnicamente com Ciro, que tinha 6%.
Se Moro será o nome capaz de aglutinar outras forças, vai depender de “sustentação política e trânsito”, na avaliação de Mandetta, mas também de sua estatura nas pesquisas até 2022. “Não é somente o que tem de potencial hoje, mas o que ele terá de votos no momento adequado”, diz.
O deputado federal Junior Bozzella (PSL-SP), que é entusiasta da candidatura de Moro e um de seus conselheiros, diz que o ex-juiz “está bem empenhado na construção de um arco de alianças” e acredita que devem ser esgotadas todas as tentativas nesse sentido, mas faz uma ponderação.
“Agregar apoios e coligações tem o seu peso, mas existe o outro lado da moeda, que é o conceito do eleitor. E é isso que, no fim das contas, vai decidir. Às vezes o eleitor vê que a classe política não adere [a um candidato] e isso pode ser positivo, porque ele pode achar que aquela pessoa é diferente”, afirma.
Com a ressalva de que cada eleição tem um contexto, Bozzella cita o exemplo de 2018: praticamente sem apoio formal de outras siglas, Bolsonaro (então no PSL) deslanchou e venceu, ao passo que Geraldo Alckmin (PSDB), que atraiu todo o centrão para sua chapa, terminou com resultado vexatório.
A filiação de Moro ao Podemos, marcada em um dos principais centros de convenções de Brasília, é organizada com a pretensão de ser um ato político amplo, com a presença de nomes de outros partidos, apoiadores e militantes lava-jatistas aborrecidos com o ocaso da operação e as derrotas nos tribunais.
Um dos que confirmaram presença, o general e ex-ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz diz que o ex-juiz, apesar de ser uma figura hoje polarizadora, deve se apresentar como um nome capaz de unir o país.
“O projeto dele é um projeto de Brasil, não só no tema da corrupção, e é contra esse populismo danado que estamos vendo hoje, onde só há objetivos pessoais”, afirma o general, que cogita candidatura a um cargo legislativo no ano que vem, provavelmente também pelo Podemos.
Segundo ele, Moro vem para ser um candidato nacional. “É uma opção equilibrada. Alguém que diga que quem ganhar tem de ser presidente daqueles que perderam também”, diz o ex-auxiliar de Bolsonaro.
Entre os presidenciáveis convidados, estão os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (que disputam neste mês as prévias do PSDB), Mandetta e Luiz Felipe d’Avila (Novo).
Após as rodadas de conversas dos últimos dias, o ex-ministro e seu entorno têm mantido em sigilo o teor da fala no evento, mas publicações dele em redes sociais dão pistas. A previsão é que ele dê ênfase a problemas econômicos e sociais, deixando a zona de conforto das questões criminais e éticas.
O slogan “por um Brasil justo para todos” apareceu nas postagens em que Moro festejou sua filiação, ao lado de expressões como “juntos para uma nova história do Brasil” e “para um Brasil inclusivo”. O evento será registrado e terá transmissão aberta ao vivo em cinco plataformas virtuais.
Aliados ouvidos pela Folha dizem que o combate à corrupção será um dos motes caso a campanha vingue, mas o ex-juiz não ficará refém da Lava Jato. A informação é que ele tem estudado temas com os quais tem menos familiaridade e formará uma equipe com especialistas para assessorá-lo.
Desde o início da semana, apoiadores de várias partes do Brasil estão se deslocando para a capital federal para prestigiar o ingresso do ex-magistrado nas fileiras do Podemos.
“Vai rolar um coro de Moro presidente, já estamos preparando como vão ser os cânticos”, diz o empresário Fábio Aguayo, de Curitiba, que chegou a Brasília nesta terça-feira (9) em um avião com cerca de 40 apoiadores do ex-juiz no Paraná.
Aguayo é um dos coordenadores do movimento Cidadão Democrático de Direito, que reúne admiradores do personagem central da Lava Jato. “Eu nunca duvidei de que ele será candidato, mas no nosso grupo tem muita gente que é igual são Tomé, só acredita vendo”, diz.
Participante de diversos grupos de mensagens de moristas, o empresário prevê presenças de pessoas de diversos estados, numa espécie de catarse dos lava-jatistas. “Nós sabemos o que a Lava Jato produziu, o que deu ao país, o dinheiro subtraído que trouxe de volta. Foi uma operação que teve coragem de fazer uma mudança, e depois acabou engolida pelo sistema”, afirma.
O evento deverá ter a presença de estrelas da operação, como o procurador aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima.
Há a expectativa também da participação do ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, que anunciou sua saída do Ministério Público e deve se candidatar a deputado federal em 2022. Procurado, Deltan não comentou.
Pelo Brasil, apoiadores também têm se organizado a distância, bancando outdoors em defesa de Moro. Já há peças previstas ou colocadas em cidades como Araçatuba (SP), Ribeirão Preto (SP), Sertãozinho (SP), São Sebastião do Paraíso (MG), Petrolina (PE) e Juazeiro (BA).
RAIO-X DO PODEMOS
– ano de fundação: 1995, como PTN (o nome atual foi oficializado em 2017)
– presidente: Renata Abreu, deputada federal (SP)
– deputados federais: 10
– senadores: 9
– governadores: nenhum
– prefeitos: 102 (eleitos em 2020)
– fundo partidário (2020): R$ 32 milhões
– fundo eleitoral (2020): R$ 78 milhões