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sábado 11 de setembro de 2021 às 05:51h

Temos que acreditar na boa-fé de Bolsonaro e apoiadores, diz Gilmar Mendes

DESTAQUE, JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Decano do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Gilmar Mendes disse à Folha que é preciso acreditar na boa-fé do presidente Jair Bolsonaro ao divulgar uma nota na qual afirma que os ataques feitos à corte no dia 7 de Setembro resultaram do “calor do momento”.

Na Declaração à Nação, Bolsonaro disse não ter tido “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”. Gilmar concedeu entrevista à Folha nesta sexta (10), dia seguinte à divulgação do texto pelo Palácio do Planalto.

A mudança no tom do mandatário ocorreu após seguidos xingamentos a integrantes do Supremo. No Dia da Independência, Bolsonaro chegou a chamar Alexandre de Moraes de canalha e falou que não cumpriria decisões do ministro.

Para Gilmar, os apoiadores do presidente vivem uma ilusão de que o STF ameaça a governabilidade de Bolsonaro e até integrantes do governo dizem acreditar em notícias falsas a respeito da corte.

“Não cumprimos a meta de vacinação e estamos a praticar esse novo esporte de agressões contínuas e alguns delírios”, afirmou.

Gilmar ainda defendeu o inquérito das fake news e afirmou que, se não houvesse a investigação, o Brasil teria “derrapado para um modelo de perfil muito autoritário”.

Há poucos dias, no 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro fez discursos em protestos de apoiadores em que proferiu ataques ao STF, sobretudo aos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O sr. acha que o presidente se excedeu em críticas à corte e antes também? É notório que isto tem sido excessivo. E mais do que isso, é inútil. Tira o foco do que realmente a gente precisa fazer.

Estamos vivendo um quadro inflacionário que há muito não tínhamos. E por quê? Também por causa dessa conflituosidade. O dólar sobe e afeta o preço do petróleo. Está se pagando R$ 7 ou mais pela gasolina. Isso está afetando a vida das pessoas.

É isso que queremos? Vamos ficar nos debatendo sobre isso, agravando a vida das pessoas, que já está muito afetada. Nós estamos falando de quase 600 mil mortos.

Em qualquer lugar nós temos uma família enlutada. Nós perdemos amigos, entes queridos e tudo mais e estamos desafiados a reconstruir. A Europa está discutindo a sua reconstrução econômica. Nos Estados Unidos, veja o programa Biden de reconstrução econômica. E nós?

Discutimos o receio de haver um golpe. É. E, a partir de fantasmagoria, de que o Judiciário está impedindo a governabilidade, quando nada disso se cuida. Pelo contrário, se nós tirarmos a ação do Supremo neste processo da pandemia, certamente, eu não consigo projetar, nós teríamos muito mais milhares de mortos.

O Supremo atuou exatamente neste sentido: fortalecendo o isolamento social, fortalecendo a vacinação, fortalecendo as hospitalizações, a ampliação de vagas nas UTIs. E não o seu contrário.

O sr. acha que o presidente tem uma postura diversionista, então? De novo, não quero fulanizar. Mas, se têm esse ambiente e a busca de bodes expiatórios. E o tribunal é um vistoso bode expiatório, não é?

As instituições podem dar credibilidade à nota do presidente? Vamos aguardar. Temos de acreditar na boa-fé da manifestação e vamos aguardar os desdobramentos.

Eu tenho a impressão de que foi a forma que se concebeu de se fazer uma revisão em relação a isso [aos ataques do presidente]. Eu não vou fazer questionamentos a propósito de estratégias políticas ou estratégias político-eleitorais. Cada qual terá a sua.

E é notório também, não vamos ser ingênuos, que de alguma forma antecipamos o processo eleitoral. O que deveríamos estar discutindo em 2022 nós já estamos discutindo em 2021.

Eu só quero deixar claro que nós estamos cumprindo rigorosamente o nosso papel. Nós nos dedicamos às coisas que, de fato, valem a pena e que podem ter resultados animadores até do ponto de vista eleitoral.

Então, precisamos de diálogo e precisamos verter nossa energia para esse imenso desafio de reconstrução nacional, de superação desse estado de coisa. Não cumprimos a meta de vacinação e estamos a praticar esse novo esporte de agressões contínuas e alguns delírios.

Que delírios? É como se fôssemos fazer um “happening” no dia 7 de Setembro e no dia 8 não haverá mais Supremo, não haverá mais Congresso, o mundo estará em outra dimensão.

Delírios por parte dos apoiadores do presidente? Parece que há esse tipo de percepção da realidade ou de um mundo paralelo. É como se o mundo ficasse mais fácil a partir disso. Nós temos de saber que depois do dia 7, vem o dia 8, o dia 9, continuamos a ter contas para pagar, que a inflação está aí.

O sr. fala em delírios dos apoiadores, mas o próprio presidente não delira em declarações? Eu não vou fulanizar. Temos mais de 30 anos de práticas democráticas contínuas.

Nós não podemos imaginar que amanhã as instituições vão se dissolver porque nós vamos reunir 10, 15, 20 mil pessoas em Brasília, São Paulo, seja aonde for.

As instituições têm mecanismos de funcionamento. É legítimo o protesto, importante que haja debates e propostas de mudança.

Por outro lado, a mim me parece que há um estado de tal confusão e desorganização intelectual, mental até, que leva a gente a uma grande perplexidade.

Protesta-se contra o quê? O Supremo está impedindo o Executivo de governar? Em que ponto? Quais são as decisões do Supremo que impediram o governo de governar?

Não me parece que essas queixas são justificáveis. Me parece que estamos mais desenhando um fantasma e contra ele nós vamos lutar. São esses falsos quixotes que estão aí a ver dragões em moinhos de vento.

Onde há ameaça à governabilidade? O governo tem suas dificuldades. A mim me parece que nós temos que ser precisos e cuidarmos das questões que são de fato relevantes e dedicarmos todas as nossas energias a tirarmos o país dessa crise.

Dá para acreditar em um presidente que fala que não vai cumprir decisões judiciais de um determinado ministro e chama um colega do sr. de canalha? O sr. considera golpista essa declaração? Não vou fazer ligação sobre isso. Você trouxe a questão da nota em que essas considerações foram retiradas. Portanto, eu vou ficar com a nota.

A respeito dessa relação Supremo e governo, o presidente e os apoiadores reclamam dessas medidas nos inquéritos polêmicos, como a prisão do Roberto Jefferson e do Daniel Silveira. E há também juristas que questionam as decisões. Não houve excesso por parte do Judiciário nas ações? Ou foram inoportunas? Os casos específicos não quero ficar fazendo exames até porque nós vamos ter de emitir juízo concreto sobre alguns casos, mas, se alguém vai às redes e diz que vai atacar um dado ministro e diz que vai dar uma surra, isso não tem nada a ver com liberdade de expressão.

Esses casos estão em outro patamar que nada tem a ver com liberdade de expressão nem com exercício do mandato parlamentar.

O inquérito das fake news é justamente um dos alvos de críticas do presidente e de apoiadores. Não é uma anomalia a abertura do inquérito e há tanto tempo? Não tenho dúvida sobre a juridicidade e legitimidade e foi por ampla maioria a aprovação do inquérito no Supremo.

Não fosse o inquérito das fake news, nós provavelmente já teríamos derrapado para um modelo de perfil muito autoritário, porque nós estávamos vivendo um quadro de crescente crise, ameaça de invasão do próprio tribunal a partir de fundamentos falsos. Atribuem ao tribunal feitos dos quais ele não participou.

Me parece que entre os próceres do presidente há essa ideia de que tudo compõe esse âmbito de proteção de liberdade de expressão, quando nós sabemos que não é assim.

Não quero exagerar, não quero agora eu ser o porta-voz de uma teoria conspiratória, mas poderíamos daqui a pouco ter grupos paramilitares nessas ações políticas. Acho que o inquérito evitou isso.

Ao que o sr. atribui os ataques que são disparados pelo presidente? Por conversas que já tive com o presidente e interlocutores importantes do governo, eu imagino e percebo, a partir de fatos, que o governo é muito suscetível, ele acaba sendo vítima, para usar uma ironia, de suas próprias fake news ou das fake news que são engendradas.

Tanto que aí há atores que levam informações, falam “ah, existem setores de informação”, uma Abin do B e coisas do tipo.

E eu já ouvi uma série de fatos, a propósito disso, que o TSE estava preparando a cassação da chapa, em algum momento se falou isso, lá atrás, ou cassava a cabeça de chapa e deixava o vice e coisas do tipo. Considerações fantasiosas. Ou que o ministro Alexandre estava prestes a decretar a prisão do Carlos Bolsonaro. Isso eu ouvi de próceres governamentais importantes.

Cria-se uma rede de intriga e passa-se a operar a partir dela e reagir a fatos.

Por isso eu disse [ao presidente] que é fundamental que se busque as fontes primárias, que tenhamos canais e possamos conversar para não criarmos uma guerra a partir desses fantasmas que passamos a construir. A partir daí cria-se uma caricatura do Supremo.

Os próprios militantes passam a ver o Supremo como uma fantasmagoria e a partir daí passam a reagir ao Supremo. “Supremo decidiu isso, aquilo.” Supremo não decidiu nada.

Se pegar a pandemia, o Supremo agiu de maneira muito responsável. Supremo exigiu imunização, quando o governo batia cabeça nessa questão das vacinas. O tribunal ajudou muitíssimo o governo a resolver problemas.

O sr. falou sobre a importância do diálogo. O governo tentou construir uma saída para os precatórios que passava pelo STF e pelo CNJ. Com os ataques do presidente ao STF, o sr. vê essa saída como plausível, essa reconstrução via CNJ e via STF? Em algum momento, seja isso formulado pelo Congresso, seja isso formulado pelo governo, isto acabará sendo questionado e virá aqui, para que nós deliberemos. Então, não me parece que sejamos nós o “locus” desse tipo de questão, de maneira inicial.

O ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estiveram com o sr. nesta semana, certo? Eles vieram aqui tentar restaurar essa interlocução entre os Poderes? Fizeram um apelo para que o sr. conversasse com o presidente? Conversamos de maneira geral. Conversamos, inclusive, com o ministro Alexandre. E foi o espírito de fazer, primeiro, uma avaliação do cenário, das situações. Depois, de ver como nós seríamos capazes de encaminhar a solução.

Eu sou um admirador da atividade política. Eu acredito nisso. Não acho que haja solução fora da atividade política. Os operários da democracia são os políticos.

Nós podemos ter juízos os mais diversos sobre os políticos, mas nós vemos que, quando eles faltam, o processo normalmente deteriora-se.

Se nós olharmos, por exemplo, esse episódio agora da participação do presidente [Michel] Temer nesta questão da nota, a gente vai entender o significado dos políticos.


Gilmar Mendes, 65
Ministro do STF desde 2002, foi advogado-geral da União no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando também foi assessor nos Ministérios da Justiça e da Casa Civil. Antes, foi procurador da República e consultor da Presidência no governo Fernando Collor. Formado em direito pela Universidade de Brasília, concluiu mestrado e doutorado pela Westfälische Wilhelms – Universität zu Münster.

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