O ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) declarou que não acredita que o atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), possa ser enquadrado em um espectro de direita. Lula defendeu que Bolsonaro seja analisado como ditadores como Adolf Hilter e Benito Mussolini.
“O que tá acontecendo no Brasil não é uma disputa de direita e esquerda. É entre fascistas e democracia. Bolsonaro não é de direita. Ele tem que ser analisado mais pra Hitler e Mussolini do que pra um cara de direita. Porque ele não pensa. Ele não constrói um pensamento, ele constrói bobagem. Você não vê uma frase inteira dele dizendo alguma coisa que preste, é só bobagem”, declarou Lula durante entrevista a Mano Brown, no terceiro episódio do “Mano a Mano”, divulgado nesta madrugada.
O assunto surgiu quando Mano e Lula discutiam os espectros de “esquerda e direita”. O ex-presidente aproveitou o assunto para criticar ferozmente as declarações do ministro da educação Milton Ribeiro a respeito de pessoas com deficiências, classificando-as como horríveis.
Lula também definiu os dois polos políticos com suas palavras.
Esquerda são agrupamentos políticos mais preocupados com a questão social, com o crescimento de oportunidades para os chamados oprimidos. E as direitas são aqueles setores conservadores, que querem ficar mais ricos em detrimento da sociedade.”
Lula afirmou ainda que a direita não quer um estado menor, mas sim “um estado servindo aos seus interesses”, mas que reconhece sua importância.
“A direita não fala uma linguagem que eu admiro que ela fale. Ele (Bolsonaro) ganhou porque muita gente do nosso povo votou com ele. Nós perdemos no debate ideológico. A direita tem sua importância sim, eu admiro um cara de direita que debate com firmeza. O que não acho é que esteja preparado pra enfrentar o debate destrutivo que eles fizeram”, disse.
Ao concluir, ele voltou a atacar o presidente Jair Bolsonaro. “Não tem 3 minutos de argumento pra nada sério, Por isso que a vida dele é fake news”.
Despolitização
Ainda criticando o atual presidente, Lula afirmou que Bolsonaro é um produto da falta de se falar de política dos últimos anos e usou sua própria vida como exemplo.
Eu dizia, eu não gosto de política e não gosto de quem gosta. Como eu era ignorante. Como a gente não gosta? Eu tenho que gostar de politica e fazer. Quando a gente não gosta, o ovo da serpente para em Bolsonaro. O Bolsonaro é fruto da despolitização da sociedade brasileira nessas ultimas duas décadas.” Lula
Lula declarou ainda que é preciso que o jovem se envolva cada vez mais na política e que use sua “raiva” como poder de mudança. O ex-presidente contou que foi o desejo de mudar que o fez começar a se envolver com política.
“Quando você estiver revoltado, quando você não tiver acreditado em ninguém, quando você achar que ninguém presta, preste você. Em vez de você achar que a solução estão em outra pessoa, seja você, faça você,. faça você a politica”.
Candidato?
Durante o bate papo, Lula não só evitou falar como candidato, como afirmou que ainda não tomou uma decisão quanto a isso.
Não estou candidato ainda, só vou decidir se vou ser candidato em março. Eu sei que é difícil acreditar que alguém que está em 1º lugar nas pesquisas não é candidato, mas eu não sou por uma simples razão. Primeiro porque não quero ser candidato de mim mesmo. Preciso construir uma candidatura que venha de baixo pra cima. Eu quero ouvir muita gente, quero conversar com muita gente. Por que? Porque de todo mundo que tá pensando em ser candidato, todo mundo pode prometer o que quiser. Eu não posso, porque eu já fiz. Porque eu tenho um patamar. Eu não posso fazer menos do que fiz. Eu aprendi uma lição. Você não conserta esse país se você não colocar os pobres no orçamento. Você colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda, aí você começa a resolver os problemas do país”.
Governo de todos
Lula lembrou ainda que, durante seus dois governos (2002-2010), procurou ouvir todos os lados possíveis antes de tomar qualquer decisão. “Pra tomar uma decisão, eu gosto de conversar e ouvir. Pegar 4,5, 6 opiniões porque se errar, erro com consistência. No meu governo, todas as decisões foram emanadas de conferências nacionais”.
Ele completou: “O presidente não é deus, ele é um cidadão que tem um papel de síndico. Eu não acredito em ninguém que fale, eu sei, eu posso. Governei durante 8 anos e nunca me senti sozinho. Se estiver numa reunião com 30 pessoas, eu escuto as 30”.
Lula contou ainda alguns fatos curiosos, como a primeira reunião que teve após tomar posse e negou conversar sobre um aumento de salário. “Não ia passar pra historia como o presidente que no primeiro encontro com o senado foi falar sobre seu salário. Não queria que meu primeiro gesto fosse aumentar meu salário”.
Segundo o ex-presidente, durante seus 8 anos no poder, não houve aumento salário nem seu, nem de seus ministros. “Fiz porque era minha obrigação fazer. Eu vivo assim antes de ser presidente e vou viver assim como presidente”.
Maior que o PT?
Lula negou ainda os comentários de que ele seria maior que o PT e defendeu que o partido dos trabalhadores ainda continua entranhado no povo brasileiro.
Eu acho o PT maior do que eu, apesar de muita gente achar o contrário. O PT é uma coisa muito forte nas entranhas desse país. Uma vez eu fui no Amazonas. Quando cheguei lá, tinha um monte de índio e um monte de criança com bandeirinha do PT. Eu comecei a chorar. O PT tá enraizado na sociedade, tem gente que anda 3 horas de canoa, comendo frango assado com farofa e tomando água do próprio rio pra participar de uma reunião do PT. Por isso eu acho que o PT é maior do que eu.”
Ainda assim, Lula disse durante o bate papo que acredita que chegará a hora em que o PT deverá fazer algum acordo e apoiar um candidato de outro partido, pois é o “jogo democrático”. Contudo, ele reforça que “é muito difícil imaginar um candidato que não seja do PT pela esquerda”, mesmo que seja preciso se preparar para isso.
Renovação, discurso de Brown e raízes do PT
Ainda sobre o Partido dos Trabalhadores, Lula e Mano Brown conversaram sobre o discurso do rapper durante o “vira-voto” para Fernando Haddad (PT) em 2018, movimento que aconteceu às vésperas da eleição vencida por Jair Bolsonaro e que tentava mudar os rumos da eleição. À época, Brown se disse pessimista com uma “virada”.
O rapper explicou ao ex-presidente o que o levou a pensar assim.
Eu cheguei e pensei. A gente perdeu a eleição. Olhei pra plateia e não vi os meus lá. Aquele povo que colocou o Lula no governo, a massa negra, a massa operária, a massa da favela. Os nossos eram motoristas, seguranças, gari e eles não estavam do nosso lado. E aquilo me revoltou e eu percebi que a gente tinha falhado ali.” Mano Brown, sobre 2018
Lula afirmou não ter ficado chateado com as críticas de Brown ao PT.
“Prefiro que as pessoas digam pra mim a verdade nua e crua e você chamou a atenção do PT pra uma causa. O PT esqueceu do seu discurso originário, que era dar vez e voz ao povo trabalhador desse país, o povo oprimido. Se o PT esquecer pra que que ele nasceu, melhor acabar”, comentou o ex-presidente.
Não surgiu nada melhor do que o PT nesse país. Eu não vim de cima pra falar com o de baixo, saí de baixo pra levar os de baixo pra cima. Isso o PT não pode esquecer.”
Pós-denúncias
Durante o podcast, Lula falou ainda a respeito de como lidou com os processos que levaram a sua prisão.
“Eu tive convite pra sair do Brasil, mas eu disse que não. Vou lá pra perto da cara do Moro, pra provar que ele é mentiroso. Imagina a cara do Lula em outro país, fugitivo? Não. Eu vou lá pra provar minha inocência”, contou o ex-presidente, afirmando também que com o bloqueio dos seus bens e do dinheiros de suas palestras, vive com o salário que o PT o paga.
Aborto e estado laico
Lula também não se privou de falar sobre temas polêmicos, como o direito ao aborto e religião.
Sou católico como ser humano, mas quando você vira chefe de estado, você tem que ser todas as religiões. É como o aborto. Eu não tenho vergonha de dizer. Eu, Lula, sou contra o aborto. Agora, como chefe de estado, tenho que tratar o aborto como questão de saúde pública. Tenho que dar condição das pessoas terem acesso ao melhor que tiverem, pra se cuidarem. Acho que o aborto é um direito da mulher. Não tenho vergonha de dizer as coisas que eu sou. Não tenho vergonha de dizer que sou corinthiano. Cansei de ser vaiado no Rio. Acho que o aborto é um direito da mulher. Como chefe de estado, tenho que cuidar pra que todas as pessoas sejam tratadas dignamente“.
O ex-presidente criticou ainda o que chama de “mercantilização da fé” – quando líderes religiosos usam de causas para tirar dinheiro de fiéis. “Quero que vocês vivam a fé de vocês, mas não quero que vocês mercantilizem a religião”, declarou.
Ele criticou ainda a postura de Jair Bolsonaro, afirmando que suas declarações e gestos não se encaixam na doutrina cristã.
“Eu acredito na existência de um ser superior, responsável por tudo que gira em torno de nós. É o meu Deus. que simboliza o que tem de bom. É o Deus que acredito. Mas eu não posso achar que o deus do torturado é o mesmo do torturador. Deus tem uma cara e a cara de Deus simboliza o amor, é assim que a gente tem que acreditar. Depois de todo esse tempo, com 600 mil pessoas mortas, 20 milhões de infectados, esse cara não foi visitar um hospital. um parente das pessoas que morreram, vive desfilando com a bandeira do Brasil, por esse Brasil afora, achando que o Brasil é dele? Qual é a fé desse homem? Nenhuma”, declarou.
Lula ainda alfinetou Bolsonaro. “O Bolsonaro deve ter ficado nervoso porque saiu uma pesquisa e eu tô na frente dele nos evangélicos.”
Racismo
Lula e Brown também falaram sobre temas como racismo. Questionado pelo apresentador a respeito da falta de representatividade negra, Lula comentou o assunto.
A politica era branca, a cultura era branca, Você não via gerente de banco preto. A direção do PT tinha uma maioria branca, maioria de homem também. O que tá acontecendo agora? Há uma evolução política, dos negros tanto homens quanto mulheres, um grande numero de gente tá adquirindo consciência de que não basta ficar achando que é vitima, resolveram ir a luta, brigar e falar “oh, eu quero meu espaço. O PT é o único partido que tem setoriais. A sociedade é plural, ela tem suas cores, seus gostos, nós queremos que ela se apresente de fato como ela é. Não queremos pegar o negro porque é negro e falar não, vai ter que alguém. O movimento negro tem que participar em igualdade de condições. Pelo caminho da politica.”
O ex-presidente afirmou ainda ser favorável aos protestos de “Black Lives Matters”, que tomara os Estados Unidos ano passado. “Tudo que você fizer de manifestação pra se afirmar, acho muito importante. É preciso acontecer isso.”
Casamento?
Brevemente, Lula comentou ainda sua relação com a atual namorada, Janja, e revelou que em breve vai se casar e alfinetou mais uma vez a direita.
“Eu não admito que a direita defenda a família. Eu defendo a família. Vou casar outra vez, não sou de ficar, quero casar, pra dar pra ela a certeza deque ela tá casando com um pernambucano”, contou o ex-presidente.