O Ministério Público da Bahia (MP-BA) promoveu na última sexta-feira (16) por meio da 1ª Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, reunião pública com representantes dos veículos jornalísticos baianos que debateu o papel da imprensa para luta antirracista no país. O encontro teve o propósito de destacar a importância da mídia baiana realizar uma autocrítica e refletir sobre sua contribuição na produção e reprodução de discursos e representações racistas na esfera pública, de modo que haja uma mudança significativa na cobertura jornalística que incorpore a perspectiva antirracista. “Queremos ouvir os meios de comunicação para saber como eles estão pensando e se estruturando na luta antirracista no Brasil. Mas não é só pensar a estrutura interna, quantos e quem são os negros, mas sobretudo sobre o que é levado para fora, sobre o discurso para a sociedade, como ele pode estar reproduzindo estereótipos, por meio de formas de linguagem racistas”, disse a promotora de Justiça Lívia Santana Vaz ao salientar que “nós precisamos dos meios de comunicação na luta antirracista nesse país”
Lívia Vaz informou que existe um procedimento na 1ª Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, primeira especializada no País no combate à discriminação racial e à intolerância religiosa, cujo objetivo é promover um diálogo com os veículos no sentido de acompanhar e orientar essa mudança. Um documento com orientações para colaborar na construção de narrativas e representações midiáticas antirracistas será encaminhado aos veículos. Participaram do encontro representantes das emissoras de televisão Aratu, Bahia e Record; de rádios Bandnews, Itapuã, Jovem Pan e Piatã; do site G1 Bahia e da assessoria de imprensa do MP. O debate contou com as palestras do professor Ilzver Matos, doutor em Direito e presidente da Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra da Ordem dos Advogados do Brasil de Sergipe (OAB/SE); do professor Vinícius Assumpção, advogado criminalista e doutorando em Criminologia; e do bacharel em Direito Felipe Batista, pesquisador sobre análise crítica do discurso e criminologia.
Ilzver Matos fez um breve panorama histórico sobre a construção de mecanismos e dispositivos políticos e jurídicos para reparação dos prejuízos causados pela escravidão e herança escravagista no país. Ele citou a importância de conhecer e aplicar os Estatutos da Igualdade Racial, existentes a níveis federal, estadual e municipal. “Os Estatutos nacional, da Bahia e também o de Salvador, têm capítulos inteiros destinados aos meios de comunicação. Precisamos que os veículos da mídia se engajem para uma retomada e transformação do papel da imprensa em relação às religiões de matriz africana já que os meios de comunicação, historicamente, tiveram forte contribuição na perseguição à essas religiões”, afirmou.
Vinícius Assumpção provocou os representantes da imprensa presentes a pensar coletivamente em termos de projeção da imagem da pessoa negra na sociedade. “Talvez o maior potencial para isso seja o da imprensa”, afirmou. Ele destacou como a seletividade criminal, que dispensa punição a umas pessoas e não a outras, é baseada numa clivagem racial que cria estereótipos naturalizados pela reprodução das narrativas racistas da mídia, como é o caso de termos sequer existentes na ordem jurídica, a exemplo de “bandidos”, mas utilizados muitas vezes por integrantes do Sistema de Justiça. “A imprensa tem papel fundamental em atenuar essa naturalização, ao não reproduzir uma seletividade que constrói estereótipos criminais racializados”, disse.
Já Felipe Batista apresentou brevemente os resultados da pesquisa do seu trabalho de conclusão do curso de Direito, na Ufba. Ele analisou o discurso midiático sobre a criminalização do tráfico de drogas em Salvador e RMS do jornal Correio, por meio da comparação de dez notícias publicadas no site sobre tráfico de drogas e 30 documentos de investigações policiais. O estudo aponta para uma diferença de tratamento narrativo nos relatórios policiais e nas notícias em relação a pessoas de classes menos e mais favorecidas, apresentando as primeiras, diferentemente das segundas, como essencialmente traficantes de drogas muito perigosos. “A conclusão a que chegamos é que foi construída uma representação racista sobre pessoas negras que criminaliza a pobreza”, disse.