Sem apoio mínimo assegurado no plenário da Câmara dos Deputados, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que trata do voto impresso deve sair da comissão especial que analisa seu mérito com a tendência de ir direto para a gaveta do presidente Arthur Lira (PP-AL).
Nesta segunda-feira (28), em reunião do colegiado que começou com uma hora de atraso, o bolsonarista Filipe Barros (PSL-PR), autor do relatório, deu voto favorável à impressão em papel de comprovante do voto dado na urna eletrônica, que seria mantida nas eleições.
A medida é uma bandeira do bolsonarismo, embora nunca tenha havido suspeita concreta de fraude nas urnas eletrônicas.
Oposição e aliados do governo pediram vista do relatório, o que significa o adiamento da discussão e da votação por duas sessões de plenário. Com isso, se houver sessões nesta terça (29) e na quarta (30), o texto poderia ser votado a partir de quinta-feira (1°) na comissão, formada em sua maioria por aliados do presidente Jair Bolsonaro.
Depois do colegiado, o texto poderia ser votado em plenário. Isso esbarra, porém, na oposição já manifestada por pelo menos 11 partidos à mudança no sistema de votação no país.
Conforme informou o Painel, no último sábado (26) as legendas discutiram o sistema eleitoral em uma reunião virtual e se colocaram contra a proposta, bandeira de Bolsonaro.
Estiveram presentes os presidentes de PSDB, MDB, PP, DEM, Solidariedade, PL, PSL, Cidadania, Republicanos, PSD e Avante. As bancadas somam 326 deputados e algumas, como PL e PP, fazem parte do centrão, que integra a base de Bolsonaro na Câmara.
Para aprovar uma PEC, são necessários ao menos 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em votação em dois turnos. Para valer para as eleições de 2022, a proposta teria que ser promulgada até o início de outubro.
Ou seja, ainda que bolsonaristas e outros defensores da medida votem a favor da PEC em plenário, a proposta, hoje, teria poucas chances de passar. Lira, na avaliação de aliados, só colocaria o texto em votação caso percebesse que há apoio suficiente para aprová-lo.
Na comissão especial, a deputada Bia Kicis (PSL-DF), autora da PEC, criticou a união dos partidos contra o voto impresso. “Quero dizer que tudo que nós queremos é transparência, jogar luz ao sistema. Então fomos atropelados com uma reunião de presidentes de partidos. Mas acho que podemos reverter esse quadro, porque sabemos que os parlamentares querem o voto impresso auditável.”
Apesar da falta de consenso nas bancadas, os 11 partidos estão alinhados contra a adoção do voto impresso, afirma o presidente do Cidadania, Roberto Freire. “A gente achou meio surpreendente porque tinha vários partidos da base do governo ou do centrão e que foram enfáticos em dizer que o voto impresso não ajudava em nada na democracia. Alguns disseram inclusive que a insistência era uma ideia que afrontava a democracia”, disse.
O PT, que não participou do encontro virtual e que tem 53 deputados, também deve votar contra a medida. Líder do partido na Câmara, o deputado Bohn Gass (RS) disse que a legenda vai conversar com as demais siglas para ajudar a esvaziar a pauta de Bolsonaro.
“Acho muito importante esse movimento porque mostra que não estamos na onda do Bolsonaro. Ele faz questão de desconstituir o processo eleitoral e quer achar uma justificativa para a derrota em 2022. Acredito que essa ideia já enfraqueceu muito, espero que seja soterrada de vez”, disse.
PC do B e PSOL também são contrários ao voto impresso, mas a posição não é consenso na esquerda. A bancada do PDT, por exemplo, defende o modelo proposto na PEC.
“O PDT defende isso desde a época de [Leonel] Brizola. Não tem nada a ver com Bolsonaro, nada dessa maluquice. A gente sabe que o interesse deles não é o voto auditável. O interesse deles é colocar em dúvida o voto de 2022 para poder justificar uma eventual derrota, como [o ex-presidente americano Donald] Tump fez nos EUA”, afirma o líder do partido na Câmara, Wolney Queiroz (PE).
Queiroz afirma que o objetivo é permitir que o eleitor possa conferir o voto e que o comprovante seja impresso em uma urna indevassável.
No PSB, a bancada está dividida. Uma parcela avalia que o voto com comprovante impresso e margem de amostragem pode quebrar a narrativa do presidente Bolsonaro —que, mesmo eleito por urnas eletrônicas, afirma, sem provas, que a votação foi fraudada.
A divisão, porém, não é intransponível. Ainda que com posições divergentes, seria possível construir uma unidade em torno da questão do voto impresso, em especial pela contradição que seria um partido de oposição empunhar uma bandeira defendida por Bolsonaro.
Nesse sentido, a justificativa é que, sob qualquer circunstância, o presidente construiria uma narrativa de fraude, como fez Trump após ser derrotado para o democrata Joe Biden. Segundo congressistas que acompanham a discussão, PSB e PDT devem conversar com o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, e com o ministro Alexandre de Moraes (Supremo Tribunal Federal) sobre o voto impresso.
Alguns parlamentares apoiam a mudança. “Somos um partido que defende a transparência”, diz o líder do Podemos na Câmara, Igor Timo (MG).
“Portanto, sou favorável ao voto impresso, para efeitos de contagem, como um mecanismo de segurança e resposta para possíveis questionamentos de fraudes, desde que garantido o direito de sigilo do voto, o que é fundamental para proteção da democracia e da população.”
Deputados que integram partidos que participaram da reunião virtual contra o voto impresso defenderam a proposta. Em uma rede social, o deputado Pedro Lupion (DEM-PR) manifestou apoio à PEC. “Sou favorável à matéria e ao relatório do dep.@filipebarrost a favor do voto auditável. #Brasilacimadetudo”, escreveu.
Antes da leitura do parecer, deputados bolsonaristas, entre eles Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, subiram num carro de som para defender o voto impresso a poucos manifestantes que foram à Câmara apoiar a mudança.
No relatório lido nesta segunda, Barros, autor do texto, agradece Bolsonaro, “defensor desta bandeira desde quando era deputado federal, aqui como nós.”
O texto substitutivo que o bolsonarista apresentou determina que os registros impressos de voto tenham mecanismos tecnológicos que assegurem sua autenticidade. Os votos deverão ser conferidos pelo eleitor e depositados, “de forma automática e sem contato manual, nas urnas indevassáveis.”
Barros indica que, para evitar o risco de identificação dos votos pela configuração das escolhas no conjunto de cargos, os votos impressos devem ser depositados na urna de forma separada para cada cargo.
O deputado aborda o impacto orçamentário da adoção da medida, estimado por Barroso em R$ 2 bilhões. Ele defende que a implementação gradual do voto impresso possibilitará a diluição desse custo em três anos, para uma média de R$ 660 milhões anuais.
Ainda que seja aprovada na Câmara, o risco de a PEC ficar na gaveta do Senado também é elevado. A pessoas próximas o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tem demonstrado que o assunto não é uma prioridade e que a pauta reforça a polarização política no país.