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segunda-feira 28 de junho de 2021 às 04:57h

Vale pagará R$ 351 mil a trabalhador que escapou de tragédia

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


A mineradora Vale S.A. e uma empresa de engenharia, com sede na capital mineira, terão de pagar, de forma solidária conforme o TRT, indenização de R$ 351 mil a um trabalhador que escapou do rompimento da barragem de rejeitos do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). O valor é referente ao dano moral sofrido pelo trabalhador por causa das repercussões psíquicas e pela lesão aguda na coluna decorrente do esforço feito na fuga no momento do acidente, além dos danos materiais relativos aos pertences perdidos na tragédia.

O trabalhador receberá também pensão mensal vitalícia, em valor correspondente a 50% da remuneração. A decisão foi dos julgadores da 1ª Turma do TRT-3, que mantiveram, por unanimidade, a condenação imposta pelo juízo da 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, apenas aumentando o valor da indenização fixada em primeiro grau.

O trabalhador exercia a função de encarregado e alegou que, no momento do rompimento, estava fazendo a manutenção de um eletroduto, no terceiro piso do prédio de instalação de tratamento de minérios, que fica em frente à barragem. Ele contou que ouviu um barulho muito alto e que o prédio começou a tremer. Pela varanda, conseguiu ver uma onda gigante de lama engolindo tudo o que estava à frente.

O trabalhador relatou que correu junto com seus companheiros, mas muitos ficaram com o corpo quase todo soterrado na lama, presos nas ferragens, e não conseguiram se salvar. Ele informou que a tensão vivida no momento da tragédia acarretou estresse pós-traumático, contra o qual ainda faz tratamento. Disse que, no momento da fuga, caiu e foi atingido em sua coluna por madeiras e peças, sendo diagnosticado, segundo ele, com uma série de problemas de saúde.

Pelo laudo da perícia médica, ficou provada a incapacidade temporária do trabalhador, por três meses, por ter sofrido dor lombar aguda pelo esforço realizado na fuga. O laudo apontou ainda que o profissional “está com incapacidade permanente para qualquer função que possa ser equiparada à exercida em ambiente de mineração, em decorrência dos danos psíquicos sofridos”. A perícia indicou dano existencial, identificado principalmente por um impedimento na fruição de atividades como de lazer e esporte. Segundo o laudo, “a vítima teve modificada toda a sua rotina e o seu planejamento de vida”.

Em sua defesa, a Vale alegou que eventuais danos decorrentes devem ser analisados sob a ótica da legislação trabalhista e, de forma subsidiária, da legislação civil. Para a empresa, devem ser demonstrados o dano sofrido pelo autor, o ato omissivo ou comissivo das rés e o nexo de causalidade entre eles, o que, segundo a mineradora, não ocorreu. Já a outra empresa ré sustentou que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da Vale e que não teria como aferir o risco do local de trabalho e que não estaria caracterizada sua responsabilidade objetiva.

Risco acentuado

Para o desembargador relator Emerson José Alves Lage, há de se reconhecer a responsabilidade objetiva, pois, de fato, a atividade desenvolvida pela Vale gera uma situação de risco acentuado. “Pelo princípio do poluidor-pagador, responde objetivamente o empregador pela degradação do meio ambiente de trabalho, pois os custos oriundos dos danos provocados ao entorno ambiental ou a terceiros direta ou indiretamente expostos, como os trabalhadores, devem ser internalizados”, pontuou ele.

Segundo o julgador, ao celebrar um contrato de trabalho, o empregador obriga-se a dar ao seu empregado condições plenas de exercer bem as atividades. “Especialmente no que toca à segurança na prestação das atividades laborais, sob pena de se responsabilizar pelas lesões e prejuízos causados, com fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil”.

Em seu voto condutor, o desembargador citou o documento “Análise de Risco de Rompimento da Barragem”, que, segundo ele, estampa a conduta culposa da Vale. O relatório, que foi produzido pela própria empresa, fez parte também da série de documentos anexados pelo Ministério Público do Trabalho na ação civil pública ajuizada contra a empresa e que embasaram os pedidos de indenização.

Na visão do relator, o documento serve como um instrumento para “melhor conhecimento dos riscos associados a estas estruturas da forma mais próxima possível da realidade e, ao mesmo tempo, como uma ferramenta de gestão do empreendedor responsável”. Segundo o desembargador, o documento revela que a Vale sabia dos custos que teria no caso de a barragem se romper.

Na decisão, o magistrado citou o relatório produzido pela CPI instaurada no Senado Federal sobre o rompimento da barragem. Foram destacados tópicos do documento que detalham, de forma robusta, procedimentos técnicos relativos a B1 (licenciamento, monitoramento da estabilidade e plano de ação de emergência), comprovando falhas graves, omissões e também fraudes.

Para Lage, a empresa teve todas as chances de evitar o problema, o que incluía, segundo ele, a evacuação a tempo das pessoas que estavam na área de risco. “Dessa forma, o grau de culpabilidade da empresa é gigante, beirando o dolo eventual”.

“É patente, por todos os ângulos, o sofrimento causado aos atingidos, bem como a negligência e omissão quanto aos extremos riscos aos quais foram expostos os trabalhadores diariamente”, concluiu o relator, reconhecendo, em síntese, que não há dúvida do nexo de causalidade e do dano decorrente do acidente do trabalho típico que vitimou o empregado nas dependências da Vale.

Segundo ele, não há como se averiguar ou mensurar o sofrimento psíquico ou moral, as dores, as angústias e as frustrações infligidas ao trabalhador. “Mas, mesmo sendo desnecessária a prova do dano moral, foi produzido laudo psicológico demonstrando o transtorno psíquico decorrente do acidente, e ouvida testemunha, a pedido do autor da ação, que era um colega de trabalho que, segundo informado pelo juízo, chorou ao se reportar aos momentos vivenciados”.

Quanto ao valor da indenização por danos morais, o relator majorou o total fixado na sentença de R$ 250 mil para R$ 350 mil.

Como houve perda da capacidade laborativa integral pelo período de três meses, o julgador entendeu que é devida a reparação integral desse tempo. Considerando a restrição à área de atuação e que os danos psicológicos sofridos justificam, inclusive, a permanência do afastamento previdenciário, ele estimou em 50% a redução da capacidade, determinando como devido o pensionamento correspondente de forma vitalícia a partir do quarto mês.

O desembargador acrescentou à condenação uma indenização pelos danos emergentes, diante da perda de vários pertences no dia do acidente, como roupas, calçados, perfumes, produtos de higiene pessoal, medicamentos, mala, mochila, carteira e documentos. Porém, sem prova do valor e da quantidade de bens perdidos, arbitrou o montante em R$ 1,5 mil.

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