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terça-feira 25 de maio de 2021 às 05:40h

Entenda as mudanças propostas para o novo Código de Processo Penal

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O substitutivo do novo Código de Processo Penal (CPP) apresentado em abril na comissão especial conforme a Folha de S. Paulo, que analisa o tema na Câmara dos Deputados tem gerado novos e antigos debates sobre alterações que afetam todo o rito dos processos criminais no país.

Uma das mudanças do substitutivo que divide opiniões é a validação da prisão após condenação em segunda instância. No final de 2019, o STF (Supremo Tribunal Federal) mudou entendimento vigente desde 2016 e passou a proibir a execução antecipada da pena.

Quem defende essa alteração destaca que ela contribui para a diminuição da impunidade. Entre os que criticam, a avaliação é a de que a mudança via CPP é inconstitucional.

Novamente dividindo opiniões, o substitutivo retoma a figura do juiz das garantias, criada pelo pacote anticrime aprovado no Congresso, porém suspensa em janeiro de 2020 por decisão liminar do ministro do Supremo e atualmente presidente da corte, Luiz Fux.

Apresentado pelo deputado João Campos (Republicanos-GO), o texto conseguiu ainda uma crítica unânime entre representantes do Ministério Público, delegados e acadêmicos ouvidos pela Folha em relação à retirada da primeira fase do processo do Tribunal do Júri.

A avaliação é que a mudança retira o filtro técnico do julgamento e contribui para o aumento da impunidade.

Entenda algumas das mudanças em debate.

Como é o Código de Processo Penal vigente no país e quando a nova proposta começou a ser discutida pelo Congresso Nacional? Composta por 811 artigos divididos em seis livros, a lei de 1941 regula todo o processo penal no país.

A proposta para modernizar o código foi apresentada no Senado, em 2009, pelo então senador José Sarney (PMDB-AP). Na Câmara, o texto passou a tramitar em 2011 e foi debatido em audiências públicas realizadas pela comissão especial criada em 2016 para apreciar o tema.

A discussão foi interrompida pela pandemia, e um texto substitutivo, que incorpora 372 propostas apresentadas por deputados desde 1997, foi apresentado em abril para avaliação do colegiado.

Quais alterações no texto geram debate? Ainda sujeito a mudanças, o substitutivo é composto por 827 artigos, 16 a mais do que o atual código, e teve 48 trechos criticados por entidades do Ministério Público. A avaliação é de que o texto privilegia o garantismo e não avança em relação ao acolhimento das vítimas. Especialistas em direito ouvidos pela Folha discordam.

O ponto mais criticado pela categoria é o trecho do artigo 19 que coloca o papel investigativo do Ministério Público como subsidiário, vista como um retrocesso em relação à interpretação dada pelo Supremo, em 2015, de que a investigação do Ministério Público tem caráter amplo.

Por outro lado, delegados, advogados e especialistas de direito afirmam que a decisão não foge da interpretação do Supremo e apenas regulamenta algo que não estava na legislação.

Há outros aspectos da investigação criminal em discussão? Sim. O Ministério Público também critica o artigo 34, que estabelece um teto de 720 dias, o equivalente a quase dois anos, para conclusão de um inquérito criminal.

“Como é hoje em dia e deveria se manter: os crimes mais graves prescrevem num tempo muito maior; os crimes graves, prescrevem num tempo muito menor, e é exatamente enquanto não há a prescrição que a investigação pode se desenvolver”, afirma o procurador regional Fábio Nóbrega, ex-presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República).

Nóbrega diz que a mudança é absurda e só terá como efeito o arquivamento de investigações. “Há uma deficiência estrutural grande que não vai ser resolvida simplesmente porque se colocou um prazo de definição desses crimes”, diz.

O presidente da ADPF (Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal), Edvandir Paiva, discorda. “Nós achamos importante que tenha sim limitações. O inquérito não pode demorar a vida inteira.” O delegado pondera, porém, que será preciso verificar na prática se os novos prazos serão suficientes.

A professora de direito penal da Faculdade de Direito da USP Helena Lobo diz que a mudança é positiva tanto para o investigado quanto para a sociedade, mas afirma que talvez o caminho fosse estabelecer prazos escalonados, ao invés de um limite único.

Presidente da comissão de direito penal da OAB-SP e vice-presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), a advogada Daniella Meggiolaro cita a situação de uma cliente, que após ser alvo de uma operação está há mais de dois anos em um “limbo jurídico”, sem saber se será denunciada.

“É uma tragédia para quem vive essa situação. Tem que ter um fim e acho que esse prazo é bem interessante.”

Raquel Scalcon, professora de direito penal da FGV, discorda que a medida resultaria em mais arquivamentos e afirma que é possível reabrir a investigação caso novas provas apareçam. “Se não há limite gera uma insegurança que não se justifica.”

Além do teto para investigação, o substitutivo também altera outros prazos do inquérito, que deverá ser concluído em 15 dias, quando o réu estiver preso, e em 90 dias, se solto. No código vigente os prazos são de 10 e 30 dias, respectivamente.

O que o texto diz sobre prisão após condenação em segunda instância? O substitutivo retira do CPP o trecho que estabelecia entre as hipóteses para prisão a condenação criminal transitada em julgado, ou seja, após o fim dos recursos.

É essa a interpretação atual feita do Supremo, que em novembro de 2019 mudou de entendimento e passou a barrar a prisão após condenação em segunda instância. A mudança de interpretação gerou movimentação no Congresso, onde tramitam propostas de emenda à Constituição sobre o tema.

Outra mudança feita no CPP é a inclusão de um artigo que determina que o início da execução da pena poderá ocorrer após “concluído o julgamento colegiado, do qual não caiba recurso ordinário de decisão condenatória ou de confirmação de condenação”.

O advogado criminalista e diretor do IBCCrim, Rafael Serra Oliveira, diz que a mudança é inconstitucional e que uma proposta similar já constava entre as “10 medidas contra a corrupção”, sugeridas pelo Ministério Público Federal, e foi rejeitada.

“Jamais poderia ter a alteração por uma lei complementar, como é o Código de Processo Penal”, diz.

Quem defende a mudança aponta que a regra atual beneficia os réus de colarinho branco e argumenta que a mudança não fere o princípio da presunção de inocência, uma vez que é possível recorrer à cortes superiores.

Para o procurador e ex-presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), João Robalinho, é possível fazer a mudança via CPP, já que o entendimento atual da maioria dos ministros do STF diz respeito ao artigo que estava na legislação.

A nova proposta permite que a defesa também apresente investigações no processo. Como isso deve funcionar? O substitutivo cria a figura da investigação defensiva, que é a produção de provas pelo advogado ou defensor público do acusado.

Detetives, peritos e outros profissionais também podem ser contratados pela defesa para obter provas, elaboração de laudos e exames. Não há o dever de informar a autoridade policial sobre os fatos investigados.

Helena Lobo (USP) diz que a prática está de acordo com um modelo de processo penal acusatório, que dá à defesa e à acusação a mesma possibilidade de apresentar provas ao juiz, uma prática comum nos Estados Unidos.

No Brasil, ela afirma que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já autorizou e estabeleceu as regras que devem ser seguidas pelos profissionais durante o processo de investigação.

Um exemplo citado por professores do direito é a decisão da 5ª Turma do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), que no final de abril autorizou os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a usar a investigação defensiva para buscar provas junto à construtora Odebrecht.

Nóbrega (ANPR) considera que a realização de uma investigação paralela não é razoável.

“Acaba trazendo uma dificuldade bastante grande no que diz respeito à forma como essas provas vão ser obtidas, os profissionais particulares que vão atuar nessa investigação sem qualquer controle por parte do Estado”, diz.

O delegado Paiva avalia que haverá problemas se a investigação defensiva atrasar o andamento do inquérito, tendo em vista os novos prazos.

Roberto Livianu, procurador de Justiça e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, considera a prática legítima, citando o princípio da paridade de armas no processo, ou seja, a igualdade de ambas as partes, aspecto destacado por outros especialistas.

“Se eu dou a acusação, essa possibilidade [de investigação], da mesma maneira, preciso dar a defesa. Não vejo uma injustiça no fato de que um cidadão possa tentar produzir provas de sua inocência”, diz Raquel Scalcon (FGV).

“Quanto mais informações forem produzidas e disponibilizadas ao juízo, para que ele forme a sua convicção sobre os fatos, melhor vai ser a decisão final do juiz”, acrescenta Rafael Oliveira (IBCCrim).

Há retrocessos para a defesa no texto? Sim. O texto resgata a limitação para o uso do habeas corpus, restringindo o recurso para casos de prisão e seu risco iminente, proposta do pacote das “10 medidas contra a Corrupção” e rejeitada no Congresso.

Oliveira diz que o artigo viola o entendimento dos tribunais superiores e a jurisprudência existente sobre o tema.

“O habeas corpus tem uma amplitude de reconhecimento de constrangimentos ilegais impostos contra investigados e réus, qualquer que sejam eles, desde que demonstrado de plano, sem necessidade de aprofundar as provas. O que o substitutivo propõe é que vai ter o objetivo de discutir a legalidade da prisão”, diz.

O que o texto diz sobre o juiz das garantias? Criado pelo pacote anticrime com a responsabilidade de acompanhar a investigação criminal, o substitutivo estabelece as responsabilidades do novo juiz, limites de atuação e fixa o prazo de cinco anos para sua implementação, seguindo as normas da organização judiciária.

Quais são os argumentos a favor e contra o juiz das garantias? Ao suspender a implementação, no início de 2020, o ministro Luiz Fux argumentou que é preciso que o plenário da corte analise a constitucionalidade da nova figura, questionada por entidades da magistratura e partidos políticos. Apesar de ser o relator da matéria, o presidente do Supremo ainda não pautou o tema.

Na avaliação das associações do Ministério Público, a criação é incompatível com a realidade brasileira e desnecessária.

Livianu diz que a criação do juiz demandaria um “esforço absurdo” para algo que não é um problema real no país. Apesar disso, ele se diz favorável à criação da figura, mas num prazo mais amplo, de dez anos.

Aqueles que defendem, discordam e apontam que a separação de funções evita interferências e assegura um julgamento justo. “O juiz de garantias é a inovação mais importante do processo penal brasileiro, desde a Constituição de 88”, diz o professor de direito processual penal da USP, Gustavo Badaró.

“É inacreditável que alguns órgãos de plataforma possam ser contrários ao juiz das garantias, depois de tudo que a psicologia cognitiva avançou depois de toda demonstração de vieses inconscientes”, completa.

Para o professor, a dificuldade está no interesse político dos tribunais. Outros avaliam que a implementação seria possível com uma reorganização de tarefas entre as comarcas em um período de dois anos.

Para Raquel Scalcon (FGV), a divisão seria interessante para evitar problemas em casos de suspeição de magistrados, citando como exempo o ex-juiz Sergio Moro, que foi declarado parcial em processo contra o ex-presidente Lula pela maioria dos ministros do STF, em julgamento ainda não concluído.

Quais as mudanças no rito do Tribunal do Júri? O substitutivo elimina a primeira parte do processo, o sumário da culpa, destacado por especialistas como filtro técnico do julgamento, em que provas são reunidas e testemunhas ouvidas pelo juiz para decidir se há elementos mínimos para submeter o réu ao júri, a segunda fase do processo.

Ao fazer o juízo de admissibilidade, o magistrado pode decidir pela absolvição sumária, direcionar o processo para o juízo comum, caso comprovado que não houve a intenção de praticar o crime, ou levar ao júri, composto por sete pessoas leigas.

A alteração criticada tanto pelo Ministério Público quanto por quem atua na defesa. “Você está submetendo à análise do júri uma acusação feita pelo Ministério Público sem um filtro de admissibilidade. Isso gera um problema gravíssimo de insegurança jurídica”, afirma o procurador Livianu.

O promotor Diego Barbiero, professor de processo penal da Escola do Ministério Público de Santa Catarina, acrescenta que sem a primeira fase, a produção de provas ficará comprometida. “Eu lhe pergunto, qual testemunha assumirá para si o risco de acusar publicamente um integrante de uma organização criminosa como autor de um homicídio?”

Para Daniella, do IDDD, cortar a fase de instrução aumentará o número de casos submetidos ao júri.

“Entendi que a intenção do legislador é acelerar, mas vai cortar uma fase importante do processo e isso possibilita que pessoas sejam levadas a julgamento do júri em situações em que hoje em dia não seriam levadas”, diz.

Para Badaró (USP), essa foi a pior alteração feita no texto.

“Os jurados, ao meu ver, decidem claramente com base em argumentos retóricos e persuasivos. Eles não fazem necessariamente uma valorização racional da prova, por isso é que existia essa primeira fase perante o juiz”, diz ele, que defende que o réu possa escolher se quer ou não ser submetido ao júri.

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