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domingo 2 de maio de 2021 às 15:49h

Home office compromete saúde mental do trabalhador

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A pandemia não afeta apenas a saúde física. Segundo a Folha de S. Paulo, ficou demonstrado que também compromete a saúde mental dos trabalhadores, fenômeno que mobiliza analistas e pesquisadores que lidem com psicologia laboral.

Quem está em home office, por exemplo, tem o privilégio de se resguardar do risco de contágio e garantir renda. No entanto, passado mais de um ano misturando vida pessoal e profissional em jornadas extensas dentro de casa, o modelo vem mostrando efeitos colaterais, especialmente sobre o estado emocional dos trabalhadores.

“Jornadas fora de nexo, que chegam a ultrapassar dez horas, sem que se determine exatamente quando começa ou termina o expediente, isso tem sido custoso para os trabalhadores”, diz Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP. A exposição permanente ao conflitos entre o público e o privado afeta desde a alimentação até a libido, explica o especialista.

O psicanalista explica que redução generalizada da libido não envolve só relações com os parceiros, mas também o prazer de existir. As pessoas vivem uma espécie de desalento. Entre as queixas narradas nos consultórios virtuais de psicanalistas, está a de operar em modo automático após o trabalho, sem vontade de fazer nada. Uma espécie de efeito zumbi.

O sono dos trabalhadores já era afetado antes da pandemia, diz Renata Paparelli, professora da PUC-SP e coordenadora do Núcleo de Ações em Saúde do Trabalhador (Nast). Ela relata que as pessoas apontavam insônia por causa da precarização do trabalho, da pejotização e da redução de ofertas de vagas com carteira assinada.

“A pandemia já trouxe desafios que deveriam implicar uma diminuição do trabalho, mas o que aconteceu foi o contrário”, afirma. “Os trabalhadores têm sido muito cobrados e tiveram que transformar suas casas home offices com o próprio dinheiro, muitos sem ajuda da empresa”, afirma a psicóloga.

Segundo ela, os trabalhadores relatam dificuldade para estabelecer a jornada. A maioria conta que se sente em permanente estado de alerta, como se trabalhasse durante todo o tempo em que está acordada. Muitos têm dificuldades para se localizar no tempo e até no espaço. Há relatos de pessoas que sonham que estão sem máscara dentro do escritório, vivendo situações de angustia e conflitos, alguns até violentos.

Trabalhar sob o novo normal também elevou a neurose pela excelência, dizem os terapeutas. Cresceu a cobrança pelo alto desempenho. “Essa necessidade de ser excelente em tudo, e o tempo todo se agrava no home office, pois não há parâmetro, não estamos vendo mais outras pessoas trabalhando ao nosso redor”, explica a psicóloga.

Os especialistas consultados pela reportagem divergem sobre a quantidade e as nomenclaturas da crise relatada pelos pacientes, mas têm o consenso de que ocorrem, no mínimo, três ciclos. Primeiro, veio a surpresa e a necessidade de se adaptar ao home office no início da pandemia.

Na sequência, a esperança de que algo melhor poderia acontecer na rotina quando as vacinas chegassem. Mas, com a permanência do trabalho remoto, as sensações que seguem incluem desesperança, tédio, empobrecimento intelectual e fatiga do distanciamento social.

Os excessos causados pela pandemia também estão intimamente ligados a questões de gênero. Segundo pesquisa do Instituto de Psiquiatria da USP, trabalhar em casa aumentou a jornada em até 65%, e foram as mulheres que sofreram sobrecarga do home office.

A pesquisa da USP mostrou que as mulheres responderam por 40,5% de sintomas de depressão, 34,9% de ansiedade e 37,3% de estresse. “A mulher do home office faz jornada tripla”, diz Paparelli.

Na periferia, onde a maioria não tem home office, nem trabalho regular, a sensação é de insegurança absoluta, com exposição constante ao vírus e à falta de alternativas para garantir renda. Questionamentos como “vou conseguir comer no almoço? E na janta?”, ou “como sair de casa para trabalhar se não tenho com quem deixar meu filho?”, também retornam à lista de aflições de quem vive em comunidades, conta Dunker, que acompanha pessoas de diferentes níveis sociais.

A ausência de rotina, do ir e vir para trabalhar, e a quantidade excessiva de som também perturbaram a saúde mental nos bairros mais populares. “Rezas, pancadões, festas; é uma parcela da sociedade que se viu comprimida geográfica e mentalmente.”
Como o número de mortos também é mais elevado entre os mais pobres, essa parcela precisa lidar de forma mais constante com o luto. “A quantidade de perdas nessas comunidades foi extremamente maior, e não ter o processo do ritual do luto é brutal, deixa sequelas graves.”

Os trabalhadores mais afetados emocionalmente, no entanto, são aqueles que estão na linha de frente do combate ao vírus. Eles convivem com longas jornadas de trabalho, frustrações, mas com esperança. Celeste Gobbi, psicóloga hospitalar do Hospital das Clínicas da USP, que lida com o setor de queimaduras e a UTI de Covid, diz que o trabalho em equipe é o que a mantém ativa.

“O diferencial para suportar isso é que temos uma equipe robusta”, explica, “esse grupo tem hoje uma amizade que é quase familiar, nossa relação de trabalho foi fortalecida.”

Ela lembra que não houve processo de adaptação e que foi necessário aprender a lidar com a situação à força. “De início, houve um medo do contágio, de colocar o corpo em risco de uma forma absurda. E olha que eu trabalho com coisas graves, mas não estava preparada para isso”, afirma.

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