O colunista Joel Pinheiro da Folha de S. Paulo, diz que não julga o silêncio de Sergio Moro. Contudo, esse silêncio, justamente neste momento, condena à lata do lixo seu legado para o país: a Lava Jato e, de maneira mais geral, a agenda anticorrupção.
Muita coisa ruim aconteceu no Brasil de 2014 para cá, mas uma coisa melhorou: o combate à corrupção.
Pela primeira vez em nossa história não se roubou ou se pagou propina com a certeza da impunidade.
Vimos a prisão de empresários, empreiteiros, banqueiro e até políticos. O caixa dois, essa verdadeira instituição da campanha política nacional, se viu na mira da Justiça. Sobraria alguém? A Lava Jato deixou a classe política de cabelo em pé.
Não é verdade que ela fosse contra o PT. A maioria dos alvos da operação, aliás, eram do PP, inclusive o presidente da Câmara e hoje aliado de Bolsonaro, Arthur Lira. Outro alvo foi Eduardo Cunha, condenado por Moro. Quanto à politização de seus membros, basta ver o que os procuradores e ex-procuradores da operação têm a dizer sobre o governo atual.
Bolsonaro se elegeu prometendo combater a corrupção, a velha política fisiológica brasileira. A necessidade de proteger os filhos (e a si mesmo?) mais as exigências da aliança com o centrão enterraram qualquer esperança nesse sentido. Deputados enrolados mais a maioria garantista do STF armaram o circo para enterrar o combate efetivo à corrupção no Brasil. A Justiça brasileira parece feita sob medida para ajudar o criminoso rico.
A anulação dos processos de Lula ilustra bem essa questão. Desde o início, discutiu-se qual seria o foro correto para julgá-lo: Curitiba ou Distrito Federal. Decidiu-se por Curitiba. A questão foi trazida ainda algumas vezes ao STF e ao STJ, e sempre prevaleceu o entendimento de que era em Curitiba mesmo.
Agora, anos depois, é tudo anulado pelo STF, e o caso volta à estaca zero. Ora, como argumentou Deltan Dallagnol, o entendimento do STJ é que o foro correto era Curitiba. Ou seja, se o caso tivesse sido julgado no DF, teria sido anulado pelo STJ da mesma exata maneira e remetido à Curitiba.
Em um sistema penal operante, importa que os casos sejam julgados e que o resultado valha.
Uma vez definido o lugar, é ali e ponto final. Para um sistema feito sob medida para garantir a impunidade de criminosos de colarinho branco, importa deixar a porta sempre aberta para um novo recurso, e a prisão só depois de transitado em julgado. Lembrando que o suspeito pobre, via de regra, já vai preso antes da primeira instância.
Houve excessos e até abusos? Possivelmente. As conversas de Moro com os procuradores, ainda que comuns, não são boa prática. Mas afetaram o resultado do processo? Nenhuma prova foi forjada.
E a condenação foi ratificada por um colegiado de juízes na segunda instância, que analisaram as mesmas provas sem nenhuma conversinha de Telegram.
O chamado “garantismo” no direito penal brasileiro é incompatível com sua função elementar: julgar e punir crimes (de ricos).
Sempre haverá motivos para anular uma sentença. As brechas para recursos, habeas corpus e embargos são via aberta para a impunidade. Ninguém defende em abstrato, mas ela simplesmente acontece na prática.
Lula é só um exemplo, com alta relevância política, de uma tendência que beneficiará corruptos de todo o espectro. Moro abandonou seu legado; é seu direito. Mas se ninguém o defender, quem será enterrado é o Brasil.