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sexta-feira 12 de março de 2021 às 16:16h

Fachin afirma que suspeição de Moro ‘pode ter efeitos gigantescos’ e anular toda a Lava-Jato

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin afirmou, em entrevista concedida ao jornal O Globo, que declarar a suspeição do ex-juiz Sergio Moro em relação ao ex-presidente Lula “pode ter efeitos gigantescos” e resultar até mesmo na anulação de todos os casos da Lava-Jato nos quais Moro e a força-tarefa de Curitiba atuaram. Fachin expressou “grande preocupação” com esse julgamento e ressaltou que sua decisão de anular as condenações do petista fica restrita apenas a esses casos e se baseou no entendimento que o próprio STF tem adotado.

O magistrado também disse que não é possível “varrer para debaixo do tapete” os supostos diálogos entre os integrantes da força-tarefa e o ex-juiz Sergio Moro e que o STF terá que firmar um entendimento jurídico a respeito da utilização dessas provas.

Atual vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Fachin manifestou ainda preocupação com “sinais de rompimento” dados pelo presidente Jair Bolsonaro em relação às eleições de 2022, por ter afirmado que, no Brasil, poderá ocorrer algo semelhante à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

O senhor proferiu decisão liminar na última segunda-feira reconhecendo a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar as ações penais contra o ex-presidente Lula. Essa alegação, entretanto, havia sido apresentada diversas outras vezes pela defesa, mas negada pelo STF. O que mudou para justificar a nova decisão?

Vou expor o mais nitidamente possível para dar o contexto que é importante para esclarecer. Comecemos lembrando que a jurisdição somente é prestada quando haja provocação da parte interessada, já que, em relação ao Poder Judiciário, vige no ordenamento jurídico o princípio dispositivo. O juiz decide, na regra geral, depois de receber um pedido formulado de modo direto e objetivo por alguém que tenha legítimo interesse. E decido o que está no pedido, enfim o que foi requerido.

Pois bem: conforme registrei na decisão proferida em 8/3/2021, embora a alegação de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba tenha sido mencionada (e destaco: foi mencionada) em outros procedimentos, não se tratava nessas menções anteriores de pedido direto por parte da defesa do ex-presidente da República. Esse pedido, assim formulado diretamente, somente aportou no Supremo Tribunal Federal com a protocolização do HC 193.726, em 4/11/2020, e isso após o esgotamento do tema pelas instâncias precedentes (Tribunal Regional Federal da 4ª Região e Superior Tribunal de Justiça).

Portanto, foi somente em novembro do ano passado que esse pedido se dirigiu ao STF de modo direto com esse propósito. Isso não significa que o assunto anteriormente não tenha sido tratado. Como eu disse na mesma decisão, a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba sempre esteve em debate perante o Supremo Tribunal Federal em outros casos, destacando-se os precedentes a partir dos quais foram sendo realizados recortes, isto é, o colegiado da Segunda Turma (normalmente fiquei vencido) foi diminuindo a competência daquela Vara no âmbito da Operação Lava-Jato. Há copiosos exemplos disso. E chamo atenção para isso: são processos de outros investigados, e casos não exclusiva e diretamente do ex-presidente.

É somente no atual estado da arte jurisprudencial que é possível afirmar, com segurança, que a 13ª Vara Federal de Curitiba, no âmbito da Operação Lava-Jato, detém competência ao processo e julgamento apenas (e destaco isso: somente ou exclusivamente) dos crimes praticados direta e exclusivamente (atente-se: diretamente, tão-somente) em detrimento da Petrobras S/A. Não se trata, pois, de uma mudança abrupta, são alguns anos de enfraquecimento das atribuições da 13ª Vara, distanciando-se progressivamente da definição inicial.

A sua decisão descreve que o ex-presidente Lula é suspeito de crimes envolvendo outras estatais além da Petrobras, por isso não se justificaria manter as ações em Curitiba. A anulação das condenações significa absolvição do ex-presidente em relação aos crimes dos quais foi acusado?

O tema posto é exclusivamente a aplicação do entendimento majoritário do colegiado da Turma sobre a competência. Somente isso. E me explico objetivamente. Na estrutura delituosa delimitada pelo Ministério Público Federal, ao ex-presidente da República são atribuídas condutas condizentes com a figura central do grupo criminoso organizado, com ampla atuação nos diversos órgãos pelos quais se espalharam a prática de ilicitudes, sendo a Petrobras S/A apenas um deles, constatação que, em cotejo com os precedentes formados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, afasta a causa de aglutinação de feitos penais perante a 13ª Vara Federal de Curitiba. A definição do juízo competente é pressuposto de legitimidade da prestação jurisdicional e não se confunde com o mérito da acusação formulada.

A Segunda Turma prosseguiu ao julgamento do habeas corpus sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro mesmo tendo sido declarado prejudicado. Houve desrespeito do órgão colegiado à sua decisão monocrática?

O Supremo Tribunal Federal são seus onze ministros, com seus consensos e dissensos. O todo jamais desrespeita as partes. Fiquei vencido, o que não tem sido infrequente nesses temas, pois temos respeitosas diferenças de compreensão da aplicação racional e sistemática do Direito Penal e da legalidade constitucional em termos da macro criminalidade e da seletividade punitiva. De qualquer modo, como disse no julgamento, entendo que o HC mencionado na pergunta está prejudicado. E quando o Tribunal Pleno apreciar minha decisão monocrática (até hoje não constatei recurso protocolado, mas é muito provável que haverá, e eu o enviarei para apreciação do Pleno), também deliberará sobre os efeitos da decisão colegiada que tomará.

Durante o julgamento, houve a utilização, nos votos dos ministros, dos supostos diálogos apreendidos na Operação Spoofing, cuja legalidade ainda não foi reconhecida para fins de utilização em processos. Qual a avaliação do senhor em relação a esta utilização?

Há muito a ser debatido sobre esse material. Certamente não há como varrê-lo para debaixo do tapete e o Tribunal precisará dar uma resposta sobre ele. Como o julgamento ainda não foi encerrado e como o tema ainda está pendente de exame em outras ações, farei, quando oportuno, minhas considerações complementares.

Caso a Segunda Turma declare a suspeição do ex-juiz Sergio Moro nas ações do ex-presidente Lula, é possível que essa suspeição seja estendida posteriormente a outros réus da Operação Lava-Jato, com consequente anulação de diversos processos?  

Essa é uma grande preocupação. Anular quatro processos por incompetência é realidade bem diversa da declaração de suspeição que pode ser efeitos gigantescos. Minha decisão mantém o entendimento isonômico sobre a competência para julgamentos dos feitos e como deve ser interpretada a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba. Isso, tão somente. E aqui tem uma distinção fundamental, senão vejamos: na suspeição, observadas as bases de decidir – está se alegando conspiração do magistrado com a Força-Tarefa do MP – é potencial a extensão da decisão a todos os casos da Operação Lava Jato denunciados perante a 13ª Vara Federal de Curitiba nos quais houve função da Força-Tarefa do MPF e do ex-juiz Sergio Moro. Ainda não há como saber ao todo, já que estamos em sede de habeas corpus e não houve julgamento definitivo. Fosse, porém, uma exceção de suspeição, haveria o que chamamos de apreciação de mérito, isto é, o Tribunal apreciaria os fatos e o direito e, uma vez julgada a exceção, eles se tornariam indiscutíveis. A regra é de fácil intuição: se um juiz é amigo de uma das partes, sempre que uma delas estiver em um dos pólos da ação, o juiz não poderá julgar. Se julgar, a decisão não poderá prevalecer, seja uma decisão condenatória, seja uma decisão que, por exemplo, tenha bloqueado a propriedade de uma das partes.

Qual é a relação do senhor com o ex-juiz Sergio Moro? Há alguma relação de proximidade ou amizade?

De minha parte sempre foi de respeito institucional, como tenho com todos os juízes do Poder Judiciário.

Para o senhor, por que a Lava-Jato passou a ser alvo de ataques da classe política e do meio jurídico? Houve realmente falhas e ilegalidades na condução das investigações?

Cumpre, nesse ponto, reiterar o que tenho afirmado. O enfrentamento à corrupção deve ser democrático e efetivo. O caminho a ser percorrido está pavimentado pela Constituição Federal, mesmo sendo complexo, longo e eventualmente tormentoso. A justiça penal no Estado democrático de direito não tem lugar para atalhos, atitudes heterodoxas ou seletividades. O escrutínio é público: acertos são chancelados e falhas devem ser corrigidas. É um equívoco imaginar que decisões dos Tribunais Superiores ou mesmo o encerramento formal das Forças Tarefas possam trazer de volta o nível de corrupção que se viu no passado. O Brasil teve ganhos institucionais imensos nos últimos trinta anos nessa área: há instrumentos legais disponíveis, o sistema de justiça foi chamado a atuar (Ministério Público, Magistratura, Polícia Federal, Receita Federal), e o mais importante: há uma cidadania ativa acompanhando e fiscalizando, cobrando – com razão – cada vez mais transparência. Enquanto houver autonomia dos órgãos de controle, enquanto forem garantidos os recursos para que essas instituições funcionem, serão altos os custos para quem se aventurar pelo desvio. É preciso, também, pôr fim a teorias conspiratórias que imaginam uma articulação internacional que une poderosos meios de comunicação, empresários e, óbvio, juízes e promotores influentes para atacar líderes populares. Como disse o jurista argentino Roberto Gargarella, essa ideia é mais perigosa do que ridícula. É perigosa porque imagina que nenhum poder está em melhores condições de pressionar o Poder Judiciário do que aquele que governa. O número de denúncias e condenações e os valores recuperados não têm nada que ver com a sanha punitivista de juízes ou promotores ou com um projeto de poder, mas, simplesmente, com um nível alarmante de corrupção política. O risco, portanto, é promover não apenas retrocessos no combate a corrupção, como também retrocessos institucionais.

O presidente Jair Bolsonaro declarou publicamente que a sua decisão que anulou as condenações do ex-presidente Lula se deveu ao fato de o senhor ter sido indicado à vaga de ministro do STF durante a gestão do PT no governo federal. Como o senhor responde a essa acusação?

Do histórico de precedentes, sobressai que o Plenário e a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal formataram arcabouço jurisprudencial de acordo com o qual casos análogos ao tratado nestes autos fossem retirados da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba. Assim, destaquei em minha decisão, que as regras de competência, ao concretizarem o princípio do juiz natural, servem para garantir a imparcialidade da atuação jurisdicional: respostas análogas a casos análogos. Consignei, ainda, expressamente, que, com as recentes decisões proferidas no âmbito do STF, não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente deva ter a jurisdição prestada pela 13ª Vara Federal de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário.

Como futuro presidente do TSE, o senhor vê riscos de ataques às instituições democráticas e tentativas de interferências sobre as eleições de 2022?

É imprescindível garantir o respeito à Constituição e especialmente diante do processo eleitoral que se avizinha a soberania do voto popular. Toda eleição é um desafio, pois se trata da maior mobilização da sociedade em tempos de paz. Organizar o processo eleitoral e garantir eleições livres e competitivas exige um enorme esforço logístico. Obviamente que toda eleição guarda suas singularidades, na medida em que é muito sensível às disputas políticas. A polarização que guiou as eleições de 2018 ainda se faz presente e onde ela germina dificilmente se colhe entendimento, respeito pelo opositor e tolerância. Nesse ambiente, os principais desafios serão as fake news e o movimento de criação, às vezes dissimulado, às vezes indisfarçável, de um ambiente de inconformismo antecipado com o resultado das urnas, em uma espécie de disputa que só admite um vencedor. Isso é muito grave, pois atinge um dos pilares da disputa sadia pelo poder que é a incerteza dos resultados. Um consenso mínimo exigido nas democracias é a aceitação do resultado derivado das escolhas populares.

Todos temos a atenção voltada para o voto impresso, urnas eletrônicas e mesmo o cenário da invasão do Capitólio. Os ataques dirigidos à Justiça Eleitoral, especialmente ao sistema eletrônico de votação, compõem um quadro amplo de erosão deliberada das instituições. A onda populista que está por trás desse movimento quer eliminar os intermediários entre os representantes e os representados. Seu objetivo é espalhar a desconfiança das instituições para que o poder seja personificado e a justificação do insucesso já esteja à mão, no momento da derrota política. Como escrevi recentemente, para esses detratores da democracia, a ruína institucional é a meta; e seu método é a diluição das verdades. O resultado é a desorientação social que só beneficia aqueles que não suportam as regras do jogo democrático. Tenho a convicção de que, no íntimo de suas crenças, acreditam na lisura do processo eleitoral. A integridade da urna eletrônica é certificada por testes públicos de segurança. As alegações de fraude nunca vieram acompanhadas de provas capazes de desacreditar o bom funcionamento da urna eletrônica e essa narrativa é alimentada, na maioria das vezes, por fake news, cujas inverdades já foram repetidamente demonstradas pelo TSE. A invasão do Capitólio tem um imenso simbolismo, sobretudo porque ocorre no país em que nunca se imaginou que a democracia pudesse morrer ou correr riscos. Esse fato coloca em alerta a democracia no Brasil e no mundo, agravado pelo fato de não ter recebido a condenação do chefe de Estado brasileiro que, ao contrário, projetou o mesmo cenário se os mecanismos de votação não forem alterados ao seu gosto. É preciso que toda sociedade esteja vigilante a esses sinais de rompimento. Solução pacífica de dissensos está nas eleições em normalidade e tranquilidade, com respeito às leis e à ordem democrática.

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