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quinta-feira 4 de março de 2021 às 07:17h

‘Não adianta só auxílio emergencial. Se não vacinar, não saímos da crise’, diz ex-presidente do BC

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Após a queda de 4,1% no PIB no ano passado, o Brasil deve começar 2021 com nova retração, segundo o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore. O economista avalia que, com o descontrole da pandemia da covid-19, a atividade deve voltar a recuar no primeiro trimestre deste ano. “O governo foi negligente com a vacinação, está expondo as pessoas a morrerem na linha do tiro. Isso tudo derruba o PIB. A perspectiva é de contração no primeiro trimestre.”

Para ele, o único modo de reverter essa tendência a partir do segundo trimestre é acelerando a imunização da população. “Não adianta vir só com auxílio emergencial e blablablá de que somos liberais. Se não vacinar, não saímos desse problema”, acrescenta.

Pastore afirma que uma nova rodada do auxílio emergencial causará um dano pequeno nas contas públicas, ao contrário da “negligência do governo em relação à covid” e da “omissão plena da equipe econômica no que diz respeito a um programa de consolidação fiscal que introduza confiança no País”.

O ex-presidente do BC alerta também para que as pessoas não fiquem otimistas com o aumento dos investimentos em máquinas e equipamentos (formação bruta do capital fixo), que avançou 20% no quarto trimestre de 2020 na comparação com o terceiro trimestre. “Muita gente vai julgar que isso foi bom, mas praticamente todo o aumento veio da importação de bens de capital, de uma massiva importação da Petrobrás de plataformas de petróleo.” A seguir, confira os principais trechos da entrevista.

Como avalia o resultado do PIB?

Do lado da oferta, os resultados dos setores de serviços e da indústria saíram como esperado. A indústria teve uma queda menor e os serviços, mais afetados pelo afastamento social, uma queda maior. A surpresa veio do lado da demanda, composta por gastos do governo, consumo das famílias e formação bruta de capital fixo (investimentos em maquinários e peças, por exemplo). O consumo contraiu como a gente imaginava, mas teve um aumento grande da formação de capital fixo. É isso que quero comentar. Muita gente vai julgar que isso foi bom, mas praticamente todo o aumento veio da importação de bens de capital, de uma massiva importação da Petrobras de plataformas de petróleo. Pode ter gente que ache que o Brasil está crescendo, porque aumento de formação bruta de capital fixo é aumento de PIB potencial, mas isso é só a Petrobrás. Não é a construção civil. Suponha o seguinte: a Petrobrás, no passado, comprou uma plataforma, mas quem fez isso foi uma subsidiária dela no exterior. Essa plataforma foi diretamente para a Petrobrás, isso não entrou no ativo fixo dela. A Petrobrás está alugando essa plataforma de sua subsidiária no exterior. Um belo dia, a direção da Petrobrás decide que essa subsidiária exporte essa plataforma para o Brasil. Neste momento, aparece um aumento na formação bruta do capital fixo.

Houve um desaquecimento na economia no fim do ano passado e este ano começa difícil, com a pandemia acelerando. O que podemos esperar para 2021?

Eu calculei a renda per capita do País. Como a população cresce, a renda per capita hoje está 2,9% abaixo da do último trimestre de 2019, quando começou a recessão da covid. Com relação ao início da recessão de 2014, estamos 9,4% mais pobres. A menos quem ganhou no mercado financeiro, que está mais rico. O resto da população está mais pobre. A segunda coisa, estamos vivendo um ciclo econômico diferente de todos que o País viveu, porque temos a pandemia. O governo negou essa pandemia o tempo todo. Tem um presidente que manda tirar a máscara. Estamos com uma segunda onda de contágio que é uma coisa apavorante. E isso não chegou ao fim. A pandemia faz com que as pessoas que tenham juízo e que podem se fechem em casa. Isso reduz o PIB. Quem tem juízo, mas não pode se fechar porque tem de sair para trabalhar não é inconsciente, é alguém que tem de continuar ganhando algo para sobreviver. Essas pessoas estão sendo empurradas para a frente da batalha. O governo foi negligente com a vacinação, está expondo essas pessoas a morrerem na linha do tiro. Isso tudo derruba o PIB. A perspectiva é de contração do PIB no primeiro trimestre. Só não consigo adivinhar de quanto. Não sei sobre o segundo trimestre. Mas, lembrando que a população cresce 0,8% ao ano, se a queda do PIB no primeiro trimestre for só de 1%, vamos chegar ao segundo trimestre com uma renda 4,1% abaixo da de 2019. Essa é a perspectiva que temos.

O sr. vê alguma saída? Alguma medida governamental que possa socorrer a economia?

­O que os países que têm estadistas na presidência estão fazendo é acelerar a vacinação. O Joe Biden está comprando tudo que é vacina para os Estados Unidos. Os países da Europa estão fazendo a mesma coisa. Quando não se tinha vacinação, os países fizeram lockdown. Nós estamos hesitando em fazer lockdown, apesar das mortes na rua. A gente precisava acelerar a vacinação. Isso é o mais importante de tudo. Não adianta vir só com auxílio emergencial e blablablá de que somos liberais. Se não vacinar, não saímos desse problema.

Acha, então, que, se não temos vacina, um lockdown pode ajudar na recuperação da economia?

Quem tem de dizer (sobre lockdown) é cientista e médico. Não terminar a pandemia não ajuda a economia. O que recomendo é a vacinação.

Como avalia a deterioração das contas públicas e o impacto na economia? O governo planeja novo auxílio emergencial. Qual deve ser o resultado disso tudo?

Você pode dar o auxílio que quiser, se não tiver vacinação, a economia não recupera. Precisa de vacinação e da ajuda emergencial por duas razões. A primeira é evitar que pessoas morram de fome. Não há governo no mundo em uma situação como essa que se negaria a dar uma ajuda emergencial. O que não pode fazer é dar para 66 milhões de brasileiros, quando tem 35 milhões que estão na linha de pobreza. Em segundo lugar, o dano que isso está causando sobre o ajuste fiscal é relativamente pequeno. O câmbio está a R$ 5,73 e o juro de longo prazo, quase acima de 8,5% por causa do prêmio de risco pela falta de confiança no governo, pela falta de confiança de que ele vai fazer as reformas necessárias para a consolidação fiscal. Hoje o mercado está de cabeça pra baixo. Ninguém do mercado sai criticando o Bolsonaro, porque eles têm responsabilidade com a empresa deles. Mas os preços, o câmbio e o juro, falam por eles e gritam muito alto. Isso não é por causa da ajuda emergencial. É por causa da negligência do governo em relação à covid. A segunda questão é a omissão plena da equipe econômica do governo no que diz respeito a um programa de consolidação fiscal que introduza confiança no País. Esse é o problema fiscal sério que temos.

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