Após cinco semanas submerso em uma rotina que revezou algumas partidas de golfe com incontáveis horas em frente à TV, Donald Trump decidiu retomar suas atividades políticas, em um roteiro pavimentado por vingança e teorias conspiratórias. Antes de tomar a decisão sobre ser candidato em 2024, o ex-presidente precisa mostrar que seguirá no comando do Partido Republicano e da extrema direita dos EUA.
O palco de reestreia será a Cpac, sigla em inglês para Conferência de Ação Política Conservadora, onde Trump fará neste domingo (28) segundo o jornal Folha de S. Paulo, o discurso de encerramento do maior evento anual da direita americana.
Faz uma década que o republicano falou pela primeira vez na Cpac e, agora, em seu primeiro discurso público desde 6 de janeiro, quando seus apoiadores invadiram o Capitólio, pretende usar o espaço para renovar sua narrativa falsa de fraude eleitoral e ataques a quem considera inimigo.
O líder mais controverso da história dos EUA quer demonstrar força diante da plateia cativa, cristalizando a ideia de que, mesmo banido do Twitter e fora do Salão Oval, ainda controla grande parte da base republicana.
A estratégia é observar –e impulsionar– o desempenho de aliados nas eleições legislativas e para governos estaduais no ano que vem, como forma de medir o poder do trumpismo e fazer um cálculo mais certeiro sobre sua própria candidatura à Casa Branca. Mas, antes disso, pretende fomentar seus eleitores e dar argumentos para que eles sigam pregando suas ideologias radicalizadas e teses mentirosas sobre a vitória de Joe Biden.
Diante da plateia na Cpac, Trump deve vestir seu habitual figurino agressivo e recorrer à temática que o levou ao poder em 2016, colocando-se como o líder que vai lutar contra o establishment. A ofensiva, dizem aliados, é para atingir a oposição tanto fora como dentro do Partido Republicano.
O ex-presidente trata como traidores republicanos que votaram a favor de seu impeachment neste ano no Congresso –muitos deles já foram punidos com retaliações da sigla nos estados, mas Trump seguirá medindo forças, como é de seu feitio.
Trump entrou em embate público com o líder do partido no Senado, Mitch McConnell, que votou por sua absolvição e, depois do veredito, justificou sua posição dizendo que o ex-presidente era responsável por provocar a invasão do Capitólio, mas não via respaldo constitucional para seu impedimento fora do cargo.
Apesar de absolvido, Trump promete vingança. A partir desta semana, inicia série de reuniões para traçar seus próximos movimentos políticos e fazer uma seleção dos candidatos alinhados à sua ideologia e que estão dispostos a atacar os que o querem mais distante da sigla.
Segundo o site Politico, o ex-presidente já recebeu seu ex-chefe de campanha Brad Parscale para discutir propostas de financiamento online e como usar as redes sociais apesar de seu banimento de Facebook e Twitter. Além disso, teve conversas com seu filho mais velho, Donald Jr., considerado um dos herdeiros políticos, e com o líder da minoria na Câmara, o deputado Steve Scalise.
A partir de agora, a ideia é criar um calendário formal para que os candidatos que queiram o apoio de Trump sejam recebidos pelo ex-presidente e sacramentem seu comprometimento com o trumpismo. Ele já expressou suporte a dois de seus mais leais aliados, a presidente do Partido Republicano no Arizona, Kelli Ward, que deve concorrer ao governo do estado, e a ex-secretária de imprensa da Casa Branca Sarah Sanders, que já anunciou que vai disputar o governo no Arkansas em 2022.
Esses e outros nomes receberão dinheiro de uma espécie de fundo de campanha de Trump, que conta com milhões de dólares em caixa e um banco com dados de milhões de americanos –Trump teve 74 milhões de votos na eleição do ano passado, mais de 10 milhões a mais do que em 2016.
Muitos desses eleitores estarão na plateia do encerramento da Cpac. Trump deve argumentar que muitas de suas previsões sobre o governo Biden já se tornaram realidade e se ancorar na tese de que quem o ataca está atacando a base republicana, alimentando o sentimento de ódio de seus apoiadores. Mesmo que ainda não tenha decidido se vai ou não concorrer em 2024, Trump quer se manter como a principal referência republicana e evitar que outro nome da sigla ganhe tração política nos próximos anos.
Criada em 1973, a Cpac era um guarda-chuva mais amplo para a direita dos EUA, mas se radicalizou ao trumpismo, assim como o Partido Republicano. Por mais que existam republicanos de perfil moderado, pesquisas mostram que grande parte dos eleitores da sigla ainda se escora na imagem e no discurso do ex-presidente –e a maioria dos parlamentares não quer arriscar perder essa fatia com eleições legislativas no ano que vem.
Os republicanos têm controle do Executivo e Legislativo em 24 dos 50 estados americanos, e alguns analistas já preveem que a legenda pode retomar a maioria da Câmara em 2022 –hoje nas mãos dos democratas por uma margem pequena, 221 a 211 deputados. Trump sabe que não precisa do establishment partidário para se lançar candidato em 2024, mas precisa dar capilaridade ao trumpismo e manter a base sob sua influência até lá.
O imprevisível Trump pode, inclusive, não concorrer de novo à Casa Branca, mas manter viva a possibilidade –ou ameaça– de que sua candidatura é garantia de que, pelo menos por enquanto, ele estará onde mais gosta: no centro das atenções.