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quinta-feira 25 de fevereiro de 2021 às 07:18h

Judiciário interferiu indevidamente no Legislativo ao afastar Flordelis do cargo, dizem criminalistas

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Três entre quatro advogados criminalistas consultados pela Folha de S. Paulo, afirmam que a decisão do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) de afastar a deputada federal Flordelis dos Santos de Souza (PSD-RJ) do cargo representa uma interferência excessiva do Judiciário sobre o Legislativo, desconsiderando a separação dos Poderes guardada pela Constituição Federal.

Acusada de ter mandado matar o marido, o pastor Anderson do Carmo, em junho de 2019, Flordelis é ré por homicídio no TJ-RJ. Ela nega todas as acusações.

O caso tramita na primeira instância, e não no STF (Supremo Tribunal Federal), porque a jurisprudência da corte define que o foro especial vale apenas para crimes relacionados ao mandato do parlamentar.

Nesta terça-feira (23), a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio acolheu um recurso do Ministério Público e determinou o afastamento de Flordelis do cargo até o julgamento do processo, pelo prazo máximo de um ano. A Câmara dos Deputados ainda precisa confirmar a suspensão do mandato.

Para especialistas ouvidos pela reportagem, o afastamento da deputada só poderia ocorrer se tivesse sido proposto por seus pares.

“Na minha visão, a decisão do tribunal é ilegal por gerar uma interferência tamanha na atuação de um parlamentar, retirando por completo sua capacidade de exercer um poder que o povo concedeu a ele”, afirma o advogado criminalista Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela USP (Universidade de São Paulo).

Gustavo Badaró, professor de processo penal na USP, também avalia que decisões do Poder Judiciário não podem se sobrepor à vontade popular.

“Ela tem um mandato eletivo, deve ter recebido milhares de votos, e o tempo perdido se torna irreversível. Se daqui a um ano ela for absolvida, o que vai acontecer?”, questiona.

Pastora e cantora gospel, Flordelis foi a quinta deputada federal mais votada no Rio de Janeiro em 2018, quando obteve quase 197 mil votos.

Para além da avaliação de que a decisão do TJ-RJ representou uma interferência indevida entre os Poderes, os especialistas também apontam que não há previsão legal explícita que ampare a suspensão de um mandato eletivo pelo Judiciário.

O inciso VI do artigo 319 do Código de Processo Penal prevê como medida alternativa à prisão a suspensão do exercício de função pública quando houver o risco de sua utilização para a prática de infrações penais. O texto não deixa claro, no entanto, se a regra vale para cargos eleitos.

Já a Constituição, no parágrafo 2º do artigo 53, determina que membros do Congresso não podem ser presos, exceto por flagrante de crime inafiançável. Ainda assim, mesmo nesses casos a prisão deve ser referendada pela Câmara ou pelo Senado. Não há referência para a possibilidade de aplicação de medidas cautelares, como o afastamento do cargo, pela Justiça.

“Não há previsão nem na Constituição nem no Código Penal para isso. Não tem legislação explícita, mas há uma interpretação de um princípio constitucional que trata da separação dos Poderes”, diz o advogado João Paulo Martinelli, professor de processo penal no Ibmec-SP.

A brecha na legislação foi aproveitada em uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que está sendo elaborada pelo Congresso e que visa limitar as regras para a prisão de deputados e senadores.

O texto veda o afastamento judicial de deputados e senadores.

Ainda sobre o caso Flordelis, advogados consultados pela Folha também não identificam na decisão do Tribunal de Justiça do Rio fundamentos que justifiquem seu afastamento do cargo.

No recurso apresentado ao TJ, o Ministério Público sustentou que a deputada poderia se utilizar indevidamente do mandato para praticar infrações penais e prejudicar a instrução processual.

Em seu voto, o desembargador Celso Ferreira Filho afirmou que Flordelis exerce porder de intimidação e de persuasão sobre testemunhas e corréus. Também disse que a deputada possui “meios e modos de acessar informações e sistemas, diante dos relacionamentos que mantém em virtude da função parlamentar”.

Gustavo Badaró, professor da USP, não enxerga como Flordelis poderia se utilizar do cargo para interferir no andamento do processo.

“Toda a doutrina e jurisprudência dizem que essa suspensão [do cargo] só deve ser aplicada no caso de crimes que tenham relação com a função pública. Ela vai conseguir aprovar uma lei para beneficiar acusados do crime de homicídio? [O afastamento] Parece mais uma justificativa inadequada para extravasar punitivismo e sedar a opinião pública do que uma medida concretamente necessária”, diz.

Martinelli, professor do Ibmec, complementa: “Se o próprio tribunal reconhece que o crime nada tem a ver com a atividade parlamentar, e por isso está na primeira instância, teria que manter a coerência e afirmar que, já que não tem nada a ver, também não caberia o afastamento”.

A advogada criminalista Cecilia Mello, que atuou por 14 anos como juíza federal no TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), avalia que a suspensão do cargo não parece, a princípio, uma medida efetiva para evitar a coerção de testemunhas e o “acesso a informações e sistemas”, como apontou o TJ-RJ.

“Atualmente qualquer acesso pode ser identificado. Em relação a testemunhas, o afastamento das funções somente poderia ser efetivo se essas testemunhas frequentassem o mesmo ambiente de trabalho”, diz.

​Também nesta terça, o Conselho de Ética da Câmara instaurou um processo contra Flordelis para apurar se houve quebra do decoro parlamentar, o que poderia levar à sua cassação. Uma eventual perda do mandato poderia abrir caminho para a prisão preventiva da deputada.

Na seara judicial, a parlamentar aguarda decisão da Terceira Vara Criminal de Niterói para saber se vai a júri popular.

A assessoria de imprensa de Flordelis afirmou que ela foi internada na noite de terça no CTI do Hospital Niterói D’Or, após ter tomado medicamentos em excesso ao ser informada que a Justiça havia decidido afastá-la do cargo.

“A internação se deu pelo o excesso de medicação tomada após a injusta decisão do pedido de seu afastamento do mandato de deputada federal, com a justificativa que atrapalharia as investigações, que pasmem, encerraram em sua primeira fase, não cabendo, portanto, nenhuma possibilidade de utilização de seu cargo para prejudicar o processo”, dizia nota da assessoria.

Segundo assessores, a deputada teve alta médica nesta quarta-feira (24) e já está em casa.

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