Pela primeira vez, o Brasil terá uma missão da OEA (Organização dos Estados Americanos) observando as eleições gerais. Um grupo de especialistas já fez uma visita preliminar ao país e voltará para acompanhar a realização das votações em 15 estados brasileiros.
Para o diretor do Departamento para a Cooperação e Observação Eleitoral da OEA, Gerardo de Icaza Hernandez, não há motivo para desconfiar do sistema de urna eletrônica do Brasil. A equipe vai observar aspectos como participação de mulheres e impacto das mudanças no financiamento eleitoral de 2014 para cá.
De Washington (EUA), Icaza falou com a reportagem por telefone e afirmou que as crises políticas já começam a afetar a democracia, mas que o sistema brasileiro é forte.
Essa é a primeira vez que a OEA vai observar as eleições no Brasil. Há algum aspecto de maior destaque nessa campanha?
GERARDO DE ICAZA HERNANDEZ – A gente está observando a participação política da mulher, temos índices de diferentes organismos internacionais de que é uma participação que pode melhorar e deve melhorar de forma substantiva. Vamos analisar o tema da tecnologia em particular porque é o único país onde a OEA atua que tem a urna eletrônica. Tem o tema de financiamento, porque houve uma reforma e tem reação ao sistema de como eram financiadas as campanhas no Brasil. O Brasil modificou um sistema de financiamento pelos problemas que vocês mesmos detectaram, o que significou avanço na cultura política. E a democracia se constrói desse jeito: identificando o problema e, por mecanismos institucionais, melhorando-a.
A Operação Lava Jato identificou uma série de irregularidades envolvendo financiamento de campanha. Já se pode mensurar o impacto das investigações no processo eleitoral?
GIH – Vamos analisar o sistema, e não casos concretos. O que podemos observar é se as respostas aos pontos fracos foram realmente atendidas pela reforma [mudança no modelo de financiamento]. Mas já é possível detectar algo muito positivo: o próprio Brasil reconheceu que tinha um problema e assumiu esse problema. É um sintoma de maturidade democrática.
O líder nas pesquisas da disputa presidencial, Jair Bolsonaro (PSL), questiona a confiabilidade das urnas. Vocês vão analisar isso?
GIH – Primeiro de tudo: a OEA não trabalha com especulações. Trabalha com fatos.
Ele não apontou exemplos.
GIH – Uma coisa é o discurso político que a gente já viu em vários países, como no Equador ou nos Estados Unidos. Enquanto trabalho da OEA, insisto: trabalhamos com provas, observamos os processos eleitorais. Estamos abertos para que todos os candidatos que tiverem provas e quiserem compartilhar conosco. Mas não trabalhamos com especulações.
Tivemos uma explicação de várias horas sobre a urna eletrônica com total e absoluta transparência do pessoal de tecnologia do TSE. Conseguimos usar e ver a urna em todo seu funcionamento e diria que não temos, neste momento, preocupações sobre a segurança da urna. Desde 2002, em todo o território brasileiro já se utiliza a urna eletrônica e nunca houve fraude comprovada. A urna eletrônica é um sistema rápido e seguro e que permite que a vontade popular seja expressada através da votação.
O PT tem trazido questionamentos legais sobre o fato de a candidatura do ex-presidente Lula, que está preso, ter sido barrada.
GIH – As Justiças ordinária e eleitoral brasileira já se pronunciaram sobre o caso. Nós respeitamos esses pronunciamentos. Não corresponde à OEA analisar esses julgamentos. Confiamos na institucionalidade judicial e no Poder Judiciário brasileiro. É muito positivo que uma força política tão importante, como o PT, não perdeu representatividade na candidatura para presidente da República: tem uma chapa inscrita e os eleitores brasileiros, se assim desejarem, vão poder votar nessa chapa.
O líder das pesquisas sofreu uma facada há duas semanas durante um ato de campanha. Isso ameaça a democracia?
GIH – O fato de ser líder é indiferente, porque é grave, gravíssimo, um candidato a presidente sofrer um atentado que ameace a vida dele. A violência não tem lugar nenhum numa democracia.
No Brasil e no mundo todo há um crescimento de movimentos extremistas, de discurso de ódio, de intolerância. Como isso impacta as eleições e a democracia?
GIH – O Brasil é uma democracia forte e que tem controles de poder. Tem um Legislativo forte, um Judiciário forte, e isso é um sinal de força democrática. Há polarização por toda parte e isso preocupa a OEA. A relatoria de liberdade de expressão já tem vários estudos sobre isso e essa será uma das coisas a ser observada.
Um debate presente nas eleições do Brasil são as notícias falsas e o impacto delas nas urnas.
GIH – O papel de jornais e de meios de comunicação sérios e de jornalistas sérios em divulgar informação precisa, séria e verdadeira é fundamental. Também é fundamental melhorar estratégias de comunicação das instituições e das autoridades eleitorais em geral. Medir o impacto de uma fake news em votos é impossível. Uma coisa é acidentalmente uma notícia que parece relevante e tem elementos que pareçam verdadeiros e fazer um retuíte. Outra coisa é receber dinheiro para espalhar notícia falsa. São dois debates diferentes que passam justamente para o eixo que vinculam essas coisas ao financiamento de campanha.
Qual característica das eleições de todo continente neste momento?
GIH – Os sintomas que estamos vendo em todos os países da região -com maior ou menor proporção em cada país- tem a ver com Estado de Direito, respeito aos direitos humanos, independência dos poderes e liberdade de expressão. Esses quatro elementos na região estão passando por momentos difíceis e isso está começando a afetar os processos eleitorais. Os processos eleitorais na região, com muito poucas exceções, são bastante confiáveis. Mas as crises em um ou em vários desses elementos que eu te mencionei estão afetando já os processos eleitorais. Esse é o grande desafio.
GERARDO DE ICAZA HERNANDEZ
Natural do México, é bacharel em direito e mestre em relações internacionais e comunicação. É diretor do do Departamento para a Cooperação e Observação Eleitoral da OEA (Organização dos Estados Americanos) desde 2014, além de professor convidado nas Universidades de Princeton (EUA), Georgetown (EUA) e Science Po (França).